domingo, 22 de março de 2020

O Espírito não está de quarentena (Atos 10.44-48)

Eles estavam fazendo algo proibido. Segundo a lei de sua nação, não deveriam estar reunidos em casa de Cornélio. Era uma aglomeração que, por motivos religiosos (ou até sanitários) não deveria estar acontecendo. Porém, diante da ordem recebida do próprio Deus, por meio de visão, ali estavam, judeus e gentios, e algo espantoso estava para acontecer, pela primeira vez na história.


Em tempos de quarentena como a que estamos vivendo no estado de São Paulo, neste mês de março de 2020, isto é muito significativo. Até as igrejas cancelaram os cultos, e nunca se incentivou tanto o isolamento social como agora. O “Coronavírus”, no entanto, está solto nas ruas, um inimigo mortal e invisível, que pode contaminar até o ar que respiramos.


O contexto de Atos 10.44-48 mostra o Espírito soprando através de verdadeiros canais abertos pelo o fervor e obediência de um grupo de irmãos liderados pelo apóstolo Pedro. O Espírito Santo “contagia”, de repente, os que participavam da reunião na casa de Cornélio. Desde esse tempo é reconhecido, então, que entre nós, os gentios, este mesmo Espírito tem estado presente, não para fazer adoecer ou para matar, mas para dar vida, e para convencer o mundo de que o pecado exige juízo, segundo a justiça de Deus.


Como instrumento para a propagação de seu Espírito Santo, ele tem se utilizado de homens como Pedro e os demais discípulos que, com atitudes certas, garantem a sua fluidez.


Evangelização (44)


"Ainda Pedro falava estas coisas quando caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra".


A primeira atitude que notamos nos discípulos é a disposição para a Evangelização. Pedro obedeceu à ordem de Deus e foi à casa de Cornélio para evangelizá-lo. Se ficasse inerte, e não buscasse oportunidades de evangelizar, estaria colocando obstáculos ao Espírito Santo, porque para recebê-lo, as pessoas precisam ouvir a Palavra. Foi isto o que Paulo deu a entender, falando aos Gálatas (3.2): “Quero apenas saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?” e aos Romanos (10.14): “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” Nós, cristãos entre os gentios, também não podemos ficar inertes, para não bloquearmos o Espírito Santo, mas precisamos pregar a Palavra.


Mas que palavra? Quando examinamos a Bíblia, vemos que a pregação, tanto de João Batista quanto a de Jesus eram resumidas nas seguintes palavras:


Mateus 3.2  Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus.


Mateus 4.17  Daí por diante, passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus.


Marcos 1.15 dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho.


Pedro seguiu o mesmo exemplo, em suas primeiras pregações:


Atos 2.38 Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.


Atos 3.19  Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados,


Já na pregação que fez a Cornélio e seus familiares, seguiu um padrão diferente:


Esta é a palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, anunciando-lhes o evangelho da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos. Vós conheceis a palavra que se divulgou por toda a Judéia, tendo começado desde a Galileia, depois do batismo que João pregou, como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele; e nós somos testemunhas de tudo o que ele fez na terra dos judeus e em Jerusalém; ao qual também tiraram a vida, pendurando-o no madeiro. A este ressuscitou Deus no terceiro dia e concedeu que fosse manifesto, não a todo o povo, mas às testemunhas que foram anteriormente escolhidas por Deus, isto é, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressurgiu dentre os mortos; e nos mandou pregar ao povo e testificar que ele é quem foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos. Dele todos os profetas dão testemunho de que, por meio de seu nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados (Atos 10.36-43).


Encontraremos outros modelos de pregação no Novo Testamento, como, por exemplo, o célebre discurso de Paulo aos atenienses (Atos 17.16-19).


Podemos deduzir, dos exemplos encontrados na Bíblia, que a essência da pregação é bem simples: Jesus Cristo é Senhor e Salvador, que foi morto por nossos pecados e ressuscitou. Devemos crer nele e nos arrepender de nossos pecados. A forma e demais componentes da pregação, porém, devem ser adaptados com criatividade para alcançar as pessoas. Que o Espírito Santo nos dê sabedoria. Vivemos num meio em que as pessoas conhecem bem o cristianismo, mas precisam se converter de verdade. Não querem ouvir o evangelho, são como doentes que não admitem sua doença. Mas não podemos desistir de evangelizar. Com sabedoria e criatividade, precisamos achar caminhos para comunicar sempre o evangelho, até que alguns se convertam, e também recebam o Espírito Santo.


Inclusão (45,46)


"E os fiéis que eram da circuncisão, que vieram com Pedro, admiraram-se, porque também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo; pois os ouviam falando em línguas e engrandecendo a Deus".


A segunda atitude necessária a Pedro e aos demais discípulos é o que costumamos chamar, hoje, de Inclusão. Eles não esperavam que os gentios, a quem antes consideravam impuros e inferiores aos judeus, pudessem receber o Espírito Santo, mas tiveram que aprender, na prática, que Deus salva a quem quer, não apenas aqueles que nós achamos que são dignos de salvação.


Faço parte de uma igreja local que tem o nome de Igreja Bíblica. Ora, se acreditamos que nossa igreja é bíblica, e escolhemos esse nome, não é porque queremos nos distinguir de outras igrejas que não são bíblicas? Acreditamos que há igrejas que não são bíblicas? Acreditamos. Mas, será que o Espírito Santo foi derramado também sobre essas igrejas, a respeito das quais afirmamos que não são bíblicas? Sim. Deus derrama seu Espírito sobre quem ele quiser derramar. Foi isso o que disse Jesus:


O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito. [...] Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem quer (João 3.8; 5:21).


Paulo também nos faz lembrar que, já no Antigo Testamento (Êxodo 33.19), Deus fazia questão de deixar isto bem claro:


Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. [...] Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz.(Romanos 9.15,16,18)


Quando estivermos no céu, provavelmente ficaremos surpresos com algumas pessoas que lá estarão. É como começar a frequentar uma igreja e, surpreendentemente, encontrar alguém que já foi um “desafeto”, ou que, por sua fama, era a última pessoa que esperavávamos encontrar num lugar como este.


Assisti a um vídeo de um culto numa igreja em Moçambique, onde vi pessoas bem diferentes de nós, de forma que eu não me sentiria bem no meio deles, mas a pergunta que nós devemos fazer é: o Espírito Santo também desceu no meio deles? Sim, é possível. Por isso, quando as pessoas são diferentes de nós, não significa necessariamente que são inferiores ou superiores, e Deus pode incluí-las entre os que recebem o Espírito Santo.


(O vídeo da igreja de Moçambique está disponível em: https://youtu.be/6VXhJTyGXtc Acesso em: 22 mar. 2020)


Comunhão (46-48)


"Então, perguntou Pedro: Porventura, pode alguém recusar a água, para que não sejam batizados estes que, assim como nós, receberam o Espírito Santo? E ordenou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo. Então, lhe pediram que permanecesse com eles por alguns dias".


A terceira atitude, notada neste texto bíblico, que garante a fluidez do Espírito, é a prática da Comunhão. O Espírito Santo une todos os crentes em um só corpo, pelo batismo, conforme 1 Coríntios 12.13 e Efésios 4.4:


Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito. [...] há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação;


Deus quer que todos nós vivamos unidos, conforme Filipenses 1.27:


Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para que, ou indo ver-vos ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica;


Isso significa que nós devemos estar unidos a todos os crentes, mesmo os que são de outras correntes teológicas? Vejamos a opinião de um autor neopentecostal que escreveu o seguinte:


O Espírito Santo foi enviado prioritariamente à Igreja, que é a única agência do reino de Deus neste mundo. Ele não se dispõe a uso individual, nem é propriedade deste ou daquele grupo. [...] Todas as ações do Espírito visam a edificar, consolar, guiar e fortalecer a ação dos cristãos no sentido de constituírem a Igreja, que é o verdadeiro corpo do Senhor Jesus Cristo, do qual fazemos parte na condição de membros.


MACEDO, Bispo. O Espírito Santo. São Paulo: Universal Produções, 1998.


Sua teologia, pelo menos quanto ao trecho citado, coincide com a nossa. Isso pode nos levar a perguntas como: Será que o Espírito Santo cai, de fato, sobre os irmãos pentecostais? Será que o Espírito Santo cai, de fato, sobre os irmãos Carismáticos Católicos? Será que ele está presente nas igrejas super tradicionais e com liturgias muito rígidas como as católicas romanas, as ortodoxas, as anglicanas, as luteranas? Será que as denominações, as quais chamamos de seitas, têm membros que nasceram de novo pelo Espírito Santo?


Uma irmã compartilhou, aqui nesta igreja, há alguns anos, como foi abençoada por uma outra irmã, membro da igreja Universal, que lhe telefonou para falar de um outro assunto, mas percebeu por sua voz que precisava de oração e de uma palavra de consolo. E foi assim que essa irmã neopentecostal, tendo sido usada por Deus, consolou nossa distinta irmã da Igreja Bíblica. A pergunta que devemos nos fazer é: Será que o Espírito Santo nos uniu também a essa irmã neopentecostal e a muitos outros que frequentam igrejas dessa mesma corrente teológica?


Estamos, de certa forma, impedidos de nos reunir com irmãos de outras igrejas para o culto, por causa de nossas divergências. Mas até que ponto podemos deixar de aplicar o princípio bíblico de estarmos “firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica” (Filipenses 1.27)? Deus nos dê sabedoria.


Conclusão


Em tempos de quarentena, em que até as igrejas cancelaram os cultos, e o “Coronavírus” está solto nas ruas, um inimigo mortal e invisível, vamos nos lembrar de que o Espírito de Deus ainda está livre, e pode fluir através de nós, ainda que, no momento, estejamos isolados socialmente. Isto vai depender de nossas atitudes.


O apóstolo Paulo faz um apelo em 1ª Tessalonicenses 5.19: “Não apagueis o Espírito”. Sejamos cuidadosos como o grande mestre fariseu, que, num relance de sobriedade, alertou seus colegas para que não fossem “porventura, achados lutando contra Deus” (Atos 5.39). Não criemos resistência ao derramamento do Espírito Santo por causa de inércia em lugar da evangelização, preconceito em lugar da inclusão, ou sectarismo em lugar da comunhão.


 


(*) Foto do cabeçalho disponível em: https://conexaoplaneta.com.br/blog/tag/quarentena/ Acesso em. 22 mar.2020.


(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.


 

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