No dia sete de maio de 2018 nós recebemos a triste notícia do falecimento do Pastor John Harmon. Nosso Pastor, Ismael, junto com o Pastor Alden e outros irmãos, estiveram lá em Araçatuba para representar nossa igreja, e no velório, Pastor. Ismael foi um dos que tomaram a palavra para lembrar que o seu lema, que marcou muito os estudantes do IBE, era “Não desista”.
O Pastor João, como o chamávamos, certamente se inspirou na vida do apóstolo Paulo, cujo ministério não era fácil, mas ele não se deixou desanimar. Podemos identificar neste parágrafo do livro de Atos pelo menos três incentivos que sustentaram e impulsionaram Paulo no serviço do Senhor, de modo que ele nunca desistiu.
O companheirismo de Áquila e Priscila (1-3)
Depois disto, deixando Paulo Atenas, partiu para Corinto. Lá, encontrou certo judeu chamado Áquila, natural do Ponto, recentemente chegado da Itália, com Priscila, sua mulher, em vista de ter Cláudio decretado que todos os judeus se retirassem de Roma. Paulo aproximou-se deles. E, posto que eram do mesmo ofício, passou a morar com eles e ali trabalhava, pois a profissão deles era fazer tendas.
Áquila e Priscila, casal a quem Paulo conheceu em Corinto, se tornaram grandes amigos, e embora não estivessem sempre juntos, compartilhavam do mesmo amor à obra de Deus, como podemos ver nas passagens abaixo:
Atos 18.18, 19 Mas Paulo, havendo permanecido ali ainda muitos dias, por fim, despedindo-se dos irmãos, navegou para a Síria, levando em sua companhia Priscila e Áquila, depois de ter raspado a cabeça em Cencréia, porque tomara voto. Chegados a Éfeso, deixou-os ali; ele, porém, entrando na sinagoga, pregava aos judeus.
Atos 18.24, 26 Nesse meio tempo, chegou a Éfeso um judeu, natural de Alexandria, chamado Apolo, homem eloquente e poderoso nas Escrituras. [...] Ele, pois, começou a falar ousadamente na sinagoga. Ouvindo-o, porém, Priscila e Áquila, tomaram-no consigo e, com mais exatidão, lhe expuseram o caminho de Deus.
Romanos 16.3 Saudai Priscila e Áquila, meus cooperadores em Cristo Jesus,
1ª Coríntios 16.19 As igrejas da Ásia vos saúdam. No Senhor, muito vos saúdam Áquila e Priscila e, bem assim, a igreja que está na casa deles.
Eu li um texto interessante chamado “São Paulo: missionário e fabricante de tendas”, de Jerome Murphy-O'Connor[1], que descreve um quadro muito vivo de como era um fabricante de tendas na Roma antiga:
[...] Paulo [...] foi também um aprendiz. [...] num ofício que o tornasse auto-suficiente. [...] a independência financeira podia garantir a sua mobilidade como missionário. [...] foi estudante a tempo inteiro, suportado pela caridade. Como missionário, [...] trabalhava com as suas próprias mãos (1Ts 2,9; 2Ts 3, 7-9; 1Cor 4,12). [...] tinha mesmo de ganhar a vida por si e teria de a ganhar à medida que viajava. [...] A profissão que aprendesse tinha de ser útil [...] nas grandes metrópoles e também nas estradas que as uniam. [...] que o pusesse em contacto com todos os estratos sociais. As ferramentas teriam de ser leves e transportáveis. [...] Consistia, essencialmente, na habilidade de cortar e dar forma a pedaços de lona ou cabedal, e, depois, cosê-los com uma costura dupla. As ferramentas eram simples e leves. Paulo precisava de uma faca em meia-lua, para cortar coiro grosso ou lona, uma sovela para fazer os buracos, onde passava o fio encerado, e agulhas curvas. Tudo isso cabia numa pequena bolsa. [...] Nas cidades eram necessários vários tipos de toldos. Todos eles envolviam coser pedaços de lona de pesos variados. Os de tecido de vela, que eram usados para fazer sombra no teatro e no fórum, podiam recolher-se ou estender-se com o uso de cabos. Os pátios das casas privadas tinham de ser protegidos do sol de Verão. [...] As estalagens necessitavam delas para acomodar os hóspedes que não cabiam nos quartos, o que acontecia, normalmente, por ocasião dos grandes festivais. Os viajantes mais sensatos tomavam a precaução de levar consigo tendas, para o caso de qualquer incidente os impedir de alcançar uma estalagem à noite. Se planeavam uma viagem de barco, as tendas eram indispensáveis. Todas as cidades com um templo tinham os seus festivais e, nessas ocasiões, os comerciantes erguiam as suas barracas, de pele ou lona, à volta do santuário. [...] Em Corinto, por exemplo, os Jogos Ístmicos eram celebrados em cada dois anos, em Abril ou Maio. [...] Pequenas reparações eram, igualmente, uma grande fonte de rendimento. Paulo podia reparar o tecto de lona de uma carroça ou os arreios de tracção animal. [...] Ele tinha a capacidade de dar um ponto ou dois em qualquer dos inúmeros artigos de pele que os viajantes usavam: sandálias, cintos, capas, carteiras ou cantis de pele. Seria sempre bem-vindo em qualquer oficina com falta de mão-de-obra.
A vida de Paulo não era uma vida fácil, ele se dedicava com todo amor tanto à pregação quanto ao seu ofício de fabricante de tendas, aproveitando todas as oportunidades para fazer conhecido o evangelho, e o companheirismo de Áquila e Priscila, que se tornaram parceiros no trabalho secular, bem como, posteriormente, no ministério eclesiástico, foi um incentivo que sustentou e impulsionou Paulo a prosseguir, sem nunca desistir.
O apoio de Silas e Timóteo (4,5)
E todos os sábados discorria na sinagoga, persuadindo tanto judeus como gregos. Quando Silas e Timóteo desceram da Macedônia, Paulo se entregou totalmente à palavra, testemunhando aos judeus que o Cristo é Jesus.
Outra versão da Bíblia, a “Almeida Corrigida e Fiel”, traduz o versículo 5 assim: “E, quando Silas e Timóteo desceram da Macedônia, foi Paulo impulsionado no espírito, testificando aos judeus que Jesus era o Cristo”.
Podemos pensar, pelo contexto, que Silas e Timóteo aliviavam a carga de trabalho, fazendo o serviço que lhes davam sustento enquanto Paulo tinha tempo mais livre para estudar e pregar a Palavra, mas também podemos pensar, por um contexto mais amplo, que Paulo era um homem muito ansioso, e que seu espírito tenha ficado mais à vontade na presença de Silas e Timóteo, seus companheiros de ministério com os quais estava preocupado por estarem numa missão na Macedônia, e dos quais era difícil receber notícias já que não tinham os recursos tecnológicos que temos hoje em dia. Não é difícil que este pensamento sobre Paulo, o impacto de sua ansiedade no desenvolver do ministério, seja cogitado, visto que em 2ª Coríntios 2.12,13 ele mesmo conta um caso em que necessitava saber do paradeiro de Tito para que tivesse a tranquilidade necessária para pregar o evangelho:
Ora, quando cheguei a Trôade para pregar o evangelho de Cristo, e uma porta se me abriu no Senhor, não tive, contudo, tranquilidade no meu espírito, porque não encontrei o meu irmão Tito; por isso, despedindo-me deles, parti para a Macedônia.
Quando Paulo escreve, mais tarde, a Timóteo, mostra preocupação com sua saúde e dá conselhos como um pai faria com seu filho: “Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades” (1ª Timóteo 5.23).
Paulo não trabalhava sozinho, mas sempre teve o apoio de uma equipe (Barnabé e Marcos, Silas e Timóteo, Tito, Lucas etc.). É importante que saibamos trabalhar em equipe, porque todos contribuindo, cada um com seus diversos dons, farão com que o trabalho tenha um excelente resultado.
Um dos maiores fenômenos musicais do mundo foi a banda inglesa “The Beatles”, suas músicas fazem sucesso desde a década de 1960 até hoje, e abrangem várias gerações. Um dos seus integrantes, o baterista Ringo Starr, entrou para a equipe no meio do caminho, substituindo Pete Best, que foi dispensado por causa do seu forte temperamento. Lemos na sua biografia, citada pela Wikipedia[2], que
Ringo entre os Beatles era o que tinha a personalidade mais calma e possuía um estilo tranquilo, o que foi um fator importante na sua integração com os outros integrantes do grupo mesmo após a sua dissolução em 1970. Ele foi durante todo o tempo o que manteve um melhor relacionamento com os outros três ex-beatles. Apesar do sucesso da banda, ele era considerado por muitos músicos um baterista medíocre.
Ele não era um excepcional baterista, seu timbre de voz não era tão agradável quanto a dos outros três, mas a sua presença ajudava a manter a estabilidade do grupo, assim como também precisava do apoio deles. Uma das poucas músicas nas quais foi o vocalista principal, ele canta[3]:
O que você pensaria se eu cantasse desafinado?
Você se levantaria e cairia em cima de mim?
Me dê ouvidos e cantarei uma música para você
E eu vou tentar não cantar fora do tom.
Oh, eu consigo com uma pequena ajuda dos meus amigos
Eu fico motivado com uma pequena ajuda de meus amigos
Vou tentar com uma pequena ajuda dos meus amigos
Para desenvolver um bom trabalho em qualquer área, inclusive para servir na obra de Deus, precisamos de uma pequena ajuda de nossos amigos. Provérbios 18.1 diz que “O solitário busca o seu próprio interesse e insurge-se contra a verdadeira sabedoria”.
O apoio dos discípulos e amigos Silas e Timóteo foi um incentivo que sustentou Paulo e o impulsionou para não desistir de seu ministério.
A própria resistência dos judeus (6)
“Opondo-se eles e blasfemando, sacudiu Paulo as vestes e disse-lhes: Sobre a vossa cabeça, o vosso sangue! Eu dele estou limpo e, desde agora, vou para os gentios”.
Pode parecer estranho, mas às vezes as dificuldades, os obstáculos do caminho, no lugar de atrapalhar, acabam nos impulsionando mais ainda. A rebeldia dos judeus teve esse efeito no ministério de Paulo, impulsionando-o com mais força ainda para pregar aos gentios. Seu trabalho missionário foi marcado por revezes como este, ele enfrentou perseguições de todo tipo, prisões e violência, mas tranquilizou aqueles que o amavam e com ele se preocupavam: “Quero ainda, irmãos, cientificar-vos de que as coisas que me aconteceram têm, antes, contribuído para o progresso do evangelho” (Filipenses 1.12).
Paulo não odiou os judeus porque o perseguiam. Pelo contrário, ele diz em Romanos 10.1: “Irmãos, a boa vontade do meu coração e a minha súplica a Deus a favor deles são para que sejam salvos”.
A decisão de deixar de lado os judeus e se dedicar aos gentios não é de se admirar, pois isso já estava previsto desde o começo, desde os tempos de Moisés, conforme Paulo lembra em Romanos 10.19: “Pergunto mais: Porventura, não terá chegado isso ao conhecimento de Israel? Moisés já dizia: Eu vos porei em ciúmes com um povo que não é nação, com gente insensata eu vos provocarei à ira”.
Nossa igreja está localizada um bairro onde prevalece uma população rica e abastada. Mas a maior parte de nossos membros vem de outros bairros, mais pobres, porque em nossa redondeza não temos muita popularidade.
Às vezes isto acontece em nossa vida. Aqueles que são mais próximos não nos dão crédito, e então passamos a nos dedicar a pessoas mais distantes. O profeta Miquéias fala com tristeza dos tempos angustiantes pelos quais vivia Israel, por causa do seu pecado, dizendo: “Porque o filho despreza o pai, a filha se levanta contra a mãe, a nora, contra a sogra; os inimigos do homem são os da sua própria casa” (Miquéias 7.6). Isso não soa familiar para nós, em nosso tempo presente?
Quando eu era criança, meu pai me ensinou a fazer uma espingardinha de pressão com um caninho de antena. Era um mecanismo bem simples. Eu pegava um pedaço de jornal, molhava na água e o amassava, formando uma massa que eu introduzia no caninho oco de alumínio e socava bem com uma vareta, até que preenchesse todo o diâmetro do cilindro. Quando eu retirava a massinha do caninho, ficava parecida com uma pequena rolha. Repetia o procedimento com outro pedaço de jornal, e depois recolocava a primeira rolha na outra extremidade, empurrando-a com a vareta, de forma que o ar dentro do caninho ficava cada vez mais pressurizado, acabando por expulsar a segunda rolha com grande velocidade, a ponto de poder derrubar uma latinha vazia que usávamos como alvo.
Podemos seguir o exemplo dessa ilustração, e fazer com que as pressões e os obstáculos da vida, em vez de nos desanimarem, se tornem impulsionadores no serviço de nosso Senhor, assim como a resistência dos judeus foi um dos incentivos que sustentaram e impulsionaram Paulo, de forma que nunca desistiu do seu ministério.
Conclusão
O serviço do Senhor não é fácil, mas não podemos desistir. Deus nos providencia incentivos que nos sustentam e impulsionam no serviço do Senhor. O Pastor João não desistiu. Até o fim de sua vida ele serviu o Senhor com todas as suas forças.
O companheirismo de colegas de trabalho, o apoio de uma equipe, e a própria resistência de pessoas que deveriam nos apoiar, devem servir como impulsionadores e nos projetarem no serviço do Senhor, conforme diz Gálatas 6.9: “E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos”.
Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, março de 2022.
(*) Foto do cabeçalho disponível em: https://br.pinterest.com/pin/296533956695115855/ Acesso em 12 mar. 2022.
(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p
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[1] Jerome Murphy-O'Connor in Paulo - Um homem inquieto, um apóstolo insuperável, ed. Paulinas 13.11.13. Disponível em: http://www.snpcultura.org/sao_paulo_missionario_e_fabricante_tendas.html Acesso em 20 maio 2018.
[2] Wikipedia. Ringo Starr. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ringo_Starr Acesso em 26 maio 2018.
[3] MCCARTNEY, Paul; LENNON John. With a Little Help From My Friends (tradução livre).