domingo, 20 de dezembro de 2020

Qual é a sua vocação? (Atos 15.1-5)


Quando um jovem vai escolher qual faculdade cursar, aconselha-se fazer, antes, um teste vocacional, para diminuir o risco de escolher um curso com o qual não se dê muito bem. Assim como os indivíduos, as instituições também têm suas vocações, que têm como base o ideal dos fundadores e dos seus próprios membros.

Jesus Cristo é o fundador da igreja, e seus membros que, não à toa, são chamados de cristãos[1], procuram imitar o seu Mestre. Se fôssemos aplicar, então, um teste vocacional à igreja hoje, qual seria o resultado?

Este parágrafo de Atos 15.1-5 mostra o andar de uma igreja jovem, que caminhava para o amadurecimento. Suas vocações, porém, são as mesmas que identificam as igrejas de um modo geral, ainda hoje.

Uma igreja vigilante (1,2)

Alguns indivíduos que desceram da Judeia ensinavam aos irmãos: Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos. Tendo havido, da parte de Paulo e Barnabé, contenda e não pequena discussão com eles, resolveram que esses dois e alguns outros dentre eles subissem a Jerusalém, aos apóstolos e presbíteros, com respeito a esta questão.

A primeira vocação vista neste parágrafo é a que identifica a igreja como vigilante, atenta ao que está sendo ensinado, se está de acordo com a sã doutrina, repelindo aproveitadores que desejam explorar a boa fé, ou que distorcem a Palavra por motivo de ignorância.

Foi por causa desta vocação de vigilância que Paulo e Barnabé contestaram os indivíduos que desceram da Judeia, os quais, com ensinos supostamente bíblicos, mas fora do contexto da Nova Aliança estabelecida em Cristo, acabaram gerando grande discussão que precisou ser tratada com disciplina, até ao ponto de terem que subir a Jerusalém, aos apóstolos e presbíteros, para tratar da questão.

É comum, ainda hoje, nas igrejas, a atuação de pregadores que, por má fé ou por ignorância, levantam-se para trazer doutrinas e aplicações equivocadas, ignorando total ou parcialmente o contexto dos versículos bíblicos, os quais citam com tanta veemência.

Quando falamos de ignorância, na visão do escritor português Arménio Miranda[2], ela pode ser classificada em três tipos:

Ignorância positiva

[...] é a ignorância dos sábios. A Ignorância daqueles que sabem que pouco sabem daquilo que podem saber, porque sabem que entre o mundo absoluto e inatingível de Deus e o mundo efémero dos homens ainda existe outro mundo ao seu alcance – o mundo ignorado, o mundo ignoto. [...] têm a humildade de ostentar a sua Ignorância e de se questionar, questionar os outros e gostar de ser questionado [...]

Ignorância negativa

[...] A Ignorância daqueles que têm uma necessidade paranoica de ter sempre razão. [...] A nossa Ignorância é Negativa quando não assumimos que somos ignorantes e a ostentamos com prepotência, recusando-nos a questionarmo-nos, a questionar os outros e irritando-nos quando somos questionados. Quando temos poder, impomo-la. [...] A sua especialidade está em criar problemas para as soluções [...].

Santa Ignorância

A ignorância dos mais conformados e felizes. Desconhecem os perigos mais iminentes que estão nas mãos dos seus semelhantes. [...] É a Ignorância dos felizes. [...] Como é bom desconhecer que um dia o nosso planeta pode ficar estéril com uma catástrofe provocada pelo Homem. A Santa Ignorância é aquela que faz as pessoas mais felizes: não sabem, não procuram saber e admiram-se ou não se importam com quem sabe.

Paulo sempre incentivou a igreja a ser vigilante e lutar contra a ignorância, alertando sobre estas coisas em suas cartas, como nos trechos de Colossenses 2.4-18 reproduzidos abaixo:

[...] ninguém vos engane com raciocínios falazes [...], conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; [...] Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo [...].  Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, [...] Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua mente carnal [...].

Se a igreja se mantiver vigilante, examinando as Escrituras a exemplo dos bereanos (Atos 17.11), se protegerá da ignorância e se edificará de forma sadia para a glória de Deus.

Uma igreja alegre (3)

Enviados, pois, e até certo ponto acompanhados pela igreja, atravessaram as províncias da Fenícia e Samaria e, narrando a conversão dos gentios, causaram grande alegria a todos os irmãos.

O melhor caminho da Síria para a Judeia passava pela Fenícia e Samaria, mas o trecho que passa por Samaria era evitado pela maioria, já que os judeus não se davam com os samaritanos, conforme é dito em João 4.9. Para aqueles discípulos, porém, as fronteiras entre a Judeia, Samaria e Gentios estavam revogadas em Cristo. Chegara o dia, mencionado pelo Senhor, em que os verdadeiros adoradores adorariam a Deus em espírito e em verdade (João 4.23).

E eles verdadeiramente adoraram a Deus, tanto na província da Fenícia como em Samaria, demonstrando a vocação de uma igreja alegre, onde não havia mais lugar para o preconceito. Todos podiam se alegrar juntos pela conversão dos gentios, unidos agora com judeus e samaritanos.

A alegria às vezes vem facilmente, mas outras vezes precisa ser, digamos, meio “forçada”. Foi o que aconteceu com os exilados que voltaram para sua terra no tempo de Esdras e Neemias, quando se reuniram para ouvir a Palavra de Deus:

Neemias, que era o governador, e Esdras, sacerdote e escriba, e os levitas que ensinavam todo o povo lhe disseram: Este dia é consagrado ao SENHOR, vosso Deus, pelo que não pranteeis, nem choreis. Porque todo o povo chorava, ouvindo as palavras da Lei. Disse-lhes mais: ide, comei carnes gordas, tomai bebidas doces e enviai porções aos que não têm nada preparado para si; porque este dia é consagrado ao nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do SENHOR é a vossa força. Os levitas fizeram calar todo o povo, dizendo: Calai-vos, porque este dia é santo; e não estejais contristados. Então, todo o povo se foi a comer, a beber, a enviar porções e a regozijar-se grandemente, porque tinham entendido as palavras que lhes foram explicadas (Neemias 8.9-12).

Este cenário até se parece com nossas celebrações de Natal, não é mesmo? Às vezes é difícil ser alegre quando temos tantas lembranças tristes. Mas na igreja, seja de maneira espontânea, seja com um pouco de esforço, é preciso que nos ajustemos a esta vocação, e nos alegremos na presença daquele que nos concedeu salvação.

Uma igreja conciliadora (4,5)

Tendo eles chegado a Jerusalém, foram bem recebidos pela igreja, pelos apóstolos e pelos presbíteros e relataram tudo o que Deus fizera com eles. Insurgiram-se, entretanto, alguns da seita dos fariseus que haviam crido, dizendo: É necessário circuncidá-los e determinar-lhes que observem a lei de Moisés.

Este evento em Jerusalém é considerado o primeiro concílio da Igreja. Este e outros concílios na história foram promovidos como uma forma de se resolverem dúvidas doutrinárias importantes como, por exemplo, os livros que deveriam compor o cânon da Bíblia, a divindade de Cristo, e a Santíssima Trindade.

Mas os concílios, cujos objetivos são estabelecer doutrinas para o bem da união, não são capazes de impedir as divisões. Nestes cerca de dois mil anos, houve pelo menos duas grandes divisões, que foram o Cisma, em 1054, e a reforma protestante em 1517.

Entre os que seguiram o movimento da Reforma foram evidenciadas outras subdivisões, entre Zuínglio e Lutero, calvinistas e arminianos, Batistas e Presbiterianos, Anglicanos e Puritanos, Metodistas, pentecostais e tradicionais, e nos tempos atuais o fracionamento é praticamente a regra.

Já ouvi um jovem de uma igreja pentecostal se referindo aos irmãos das demais igrejas como “samaritanos”. E já ouvi muitos jovens de igrejas chamadas reformadas se dirigindo aos irmãos de igrejas pentecostais como hereges. Um grande debate, hoje, divide os crentes evangélicos em arminianos e calvinistas. Há também irmãos que nunca ouviram falar nada disto.

As igrejas precisam constantemente ser lembradas de que podemos debater nossas ideias sem sermos preconceituosos, considerando que os irmãos que defendem o outro ponto de vista merecem nosso respeito, principalmente ao reconhecermos que os concílios não conseguem conciliar tudo.

Batistas e Presbiterianos, por exemplo, apesar de serem bem próximos na forma de culto e de doutrina, trazem em suas origens profundas diferenças, como ressalta Vernon C. Lyons[3]:

Um evento de grande importância, mas muitas vezes não lembrado, é o Segundo Concilio de Speier no dia 25 de abril de 1529. [...] Phillip Schaaf, em sua "História da Igreja Cristã," Tomo VII, p. 692 afirma que "A partir deste protesto e apelo os Luteranos foram chamados ‘Protestantes.’[...]." Os Batistas de então não fizeram parte deste protesto e consequentemente não podem levar o nome "Protestante" [...] Além disso, o credo dos Batistas não é a Confissão de Augsburg, os Canons de Dort, ou a Confissão de Westminster, mas a simples Palavra de Deus. Assim é impossível identificar os Batistas como Protestantes.

Estas diferenças entre as várias vertentes de doutrinas cristãs, no entanto, não anulam a possibilidade do amor e da comunhão, numa igreja que é conciliadora.

Conclusão

Apesar de existirem problemas, a igreja atual ainda mantém estas vocações, sendo vigilante, alegre e conciliadora. As divisões que existem, em parte, se devem ao fato de termos uma liberdade em Cristo, a qual não permitimos que seja sequer sondada. Por isto somos vigilantes, não aceitando que sufoquem a nossa alegria da salvação, querendo impor regras humanas como condicionantes para o favor de Deus. Cremos no Senhor Jesus, e por isto somos salvos.

Neste Natal, vamos nos alegrar, porque Jesus nasceu, morreu na cruz e ressuscitou. O Filho de Deus veio ao mundo e, pela sua graça, nos salvou. O Espírito Santo habita em nós, ele garante a nossa conciliação, primeiro com Deus e, consequentemente, com todos os que o amam. E sejamos vigilantes, tanto para evitar falsos ensinos, quanto para nos vermos livres das “ciladas do diabo” (como diz em Efésios 6.11).

Quando se trata da escolha de uma profissão, somos aconselhados a seguirmos a indicação do teste vocacional. Quanto ao chamado de Deus, porém, vamos seguir o conselho de São Pedro: “[...] procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum” (2ª Pedro 1.10).

Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, dezembro de 2020.

(*) Foto do cabeçalho disponível em: https://www.zedge.net/wallpaper/c57ea0d5-49e9-3c12-847b-66306e60d730 Acesso em. 20 dez. 2020.

(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

[1] Na época em que o termo “cristãos” foi criado, era como contemporâneo termo “minions” que se atribui hoje, pejorativamente, aos seguidores de algum líder a quem se quer criticar.

[2] MIRANDA, Arménio. Ignorância – Apologia da Ignorância Positiva. Portugal: Liríope Editora, 2012 P. 25-29.

[3] LYONS, Vernon C.Tradução por MONTGOMERY, Steve. Batistas não são protestantes. Igreja Batista Independente de Ourinhos, SP, nov. 2000. Disponível em: http://solascriptura-tt.org/EclesiologiaEBatistas/BatistasNaoSaoProtestantes-Lyons.html Acesso em 24 dez. 2017.

 

domingo, 13 de dezembro de 2020

A porta da fé (Atos 14.19-28)

 


Nossa vida pode se transformar quando uma porta se abre. Pode ser a porta de um emprego, de um curso superior, de uma amizade... 

Paulo, Barnabé, e toda a igreja se regozijaram porque o Senhor havia aberto a porta da fé aos gentios. Alegraram-se mais ainda porque Deus fez isso através deles, dando-lhes as chaves. 

Podemos dizer que foram três as chaves usadas pelos apóstolos para abrirem a porta da fé aos gentios.

Chave da coragem (19-21)

Sobrevieram, porém, judeus de Antioquia e Icônio e, instigando as multidões e apedrejando a Paulo, arrastaram-no para fora da cidade, dando-o por morto. Rodeando-o, porém, os discípulos, levantou-se e entrou na cidade. No dia seguinte, partiu, com Barnabé, para Derbe. E, tendo anunciado o evangelho naquela cidade e feito muitos discípulos, voltaram para Listra, e Icônio, e Antioquia, [...]

Barnabé presenciou, impotente e atônito, seu companheiro de ministério ser apedrejado por uma multidão enfurecida, até que, dando-o por morto, o arrastaram para fora da cidade. Não sabemos se foi um erro de avaliação por parte dos executores, ou se Paulo, de fato, morreu, tendo ressuscitado quando os discípulos o rodearam. Há teorias que afirmam ser este o momento em que ele foi ao “terceiro céu” e “ouviu palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir” (2ª Coríntios 12.2,4).

Como é que Paulo e Barnabé tinham tanta coragem, a ponto de tornarem a entrar nas cidades onde sofreram tamanha violência? É verdade que, quanto mais próximos de Deus, tanto mais corajosos os homens costumam ser. Não é só uma questão de ter presenciado eventos milagrosos, porque nós somos muito rápidos em esquecê-los. Somos parecidos com os discípulos, que assistiram uns dos maiores milagres da história, como os narrados em Marcos 6. 44-52:

Os que comeram dos pães eram cinco mil homens. Logo a seguir, compeliu Jesus os seus discípulos a embarcar e passar adiante para o outro lado, a Betsaida, enquanto ele despedia a multidão. E, tendo-os despedido, subiu ao monte para orar. Ao cair da tarde, estava o barco no meio do mar, e ele, sozinho em terra. E, vendo-os em dificuldade a remar, porque o vento lhes era contrário, por volta da quarta vigília da noite, veio ter com eles, andando por sobre o mar; e queria tomar-lhes a dianteira. Eles, porém, vendo-o andar sobre o mar, pensaram tratar-se de um fantasma e gritaram. Pois todos ficaram aterrados à vista dele. Mas logo lhes falou e disse: Tende bom ânimo! Sou eu. Não temais! E subiu para o barco para estar com eles, e o vento cessou. Ficaram entre si atônitos, porque não haviam compreendido o milagre dos pães; antes, o seu coração estava endurecido.

Eles viram os milagres, mas não os compreenderam, e por isto lhes faltou a coragem, tantas vezes! Sabedor destas coisas, Jesus lhes falou palavras encorajadoras, na véspera de sua crucificação: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (João 16.33). A coragem dos discípulos, embora não tenha se mostrado nos terríveis momentos que se seguiram, veio mais tarde, testemunhada pelas próprias autoridades que, “ao verem a intrepidez de Pedro e João, sabendo que eram homens iletrados e incultos, admiraram-se; e reconheceram que haviam eles estado com Jesus” (Atos 4.13).

Abrir a porta da fé, para que outros a conheçam, exige coragem. Este é um dos motivos pelos quais pouquíssimos crentes escolhem ser missionários. Não é o caso de se dizer que os missionários sejam isentos quanto aos temores que todos nós temos. A diferença entre os que decidem atender ou não ao chamado missionário é tão pequena quanto o alcance de um passo apenas. O pastor e missionário Cássio Silva[1] compartilha sua experiência de que

Nosso maior desafio no campo missionário não é aprender línguas complexas, compreender culturas exóticas, nos adaptar a ambientes para nós desconfortáveis, mudar hábitos e gostos alimentares, morar em palhoças ou casebres, embrenhar por florestas traiçoeiras, navegar por rios inóspitos ou peregrinar por desertos causticantes. Também não é encontrar espaço em sociedades pós-modernas, comunicar uma mensagem religiosa para mentes secularizadas, sermos rechaçados como retrógrados, tidos como inconvenientes e discriminados como supersticiosos. Nosso maior desafio no campo missionário é, sim, enfrentar as mazelas da nossa alma, encarar a feiura do nosso próprio coração, romper com as amarras que nos prendem, guardar o coração da vaidade frente aos elogios, do abatimento frente às críticas, do descontentamento frente às frustrações, amar o colega de equipe, amar o povo ao qual servimos, sermos mais servos e menos senhores, mais amigos e menos patrões, mais tolerantes e menos exigentes. Sem a graça, esse é um desafio inatingível e talvez por isso mesmo o Senhor nos chama para estar com Ele.

A coragem não costuma ser inflexível, mas oscilante. Até mesmo Paulo, o herói de nossa história, precisava de alguma exortação, de vez em quando, como a de Atos 23.11, em que “[...] o Senhor, pondo-se ao lado dele, disse: Coragem! Pois do modo por que deste testemunho a meu respeito em Jerusalém, assim importa que também o faças em Roma”.

Sem a chave da coragem, não é possível abrir aos outros porta da fé.

Chave do amor (22-25)

[...] fortalecendo a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus. E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido. Atravessando a Pisídia, dirigiram-se a Panfília. E, tendo anunciado a palavra em Perge, desceram a Atália [...]

Além da coragem, o que levou os apóstolos a voltarem àquelas cidades, expondo-se ao risco de serem novamente tratados com violência, foi o amor pela alma dos discípulos, que precisava ser fortalecida, ainda depois de assistirem o linchamento de Paulo, por estar propagando o evangelho. Não era tempo de se lamentar, mas de pôr em prática o amor paternal, deixando tudo em ordem antes da partida para a próxima missão.

O amor aqui exemplificado foi, certamente, uma das chaves que abriu a porta da fé aos gentios. Paulo revela, numa carta emocionada aos coríntios, o quanto um amor como este amor é capaz de suportar:

Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um; fui três vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma noite e um dia passei na voragem do mar; em jornadas, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez. Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as igrejas. Quem enfraquece, que também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu não me inflame? (2ª Coríntios 11.24-29).

Ele mesmo explica, em 2ª Coríntios 5.14, a motivação desse amor: “[...] Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram”. E não podia ser diferente, “porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16). E, no final das contas, “nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1ª João 4.19).

Deste modo, fica claro que o amor é uma das chaves que abriu a porta da fé aos gentios, e a tem mantida aberta para todo o que crê no Filho unigênito de Deus.

Chave da oração (26-28)

[...] e dali navegaram para Antioquia, onde tinham sido recomendados à graça de Deus para a obra que haviam já cumprido. Ali chegados, reunida a igreja, relataram quantas coisas fizera Deus com eles e como abrira aos gentios a porta da fé. E permaneceram não pouco tempo com os discípulos.

Finalizando a primeira viagem, os apóstolos dos gentios voltaram à sua base, que era Antioquia da Síria, “onde tinham sido recomendados à graça de Deus para a obra que haviam já cumprido”, e onde, com toda a certeza, oravam insistentemente pelo seu ministério. Paulo sabia que a oração era uma das chaves que abriria a porta da fé aos gentios, e por isto pedia frequentemente que orassem, como em Efésios 6.18-22:

[...] com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos e também por mim; para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra, para, com intrepidez, fazer conhecido o mistério do evangelho, pelo qual sou embaixador em cadeias, para que, em Cristo, eu seja ousado para falar, como me cumpre fazê-lo. E, para que saibais também a meu respeito e o que faço, de tudo vos informará Tíquico, o irmão amado e fiel ministro do Senhor. Foi para isso que eu vo-lo enviei, para que saibais a nosso respeito, e ele console o vosso coração.

Quando um missionário volta para sua base, tem a oportunidade de renovar as suas forças, receber encorajamento e atualizar pessoalmente as informações para que os intercessores possam orar com maior entendimento.

O missionário e professor Thiago Ishy, num artigo publicado no site do Instituto Bíblico Peniel[2], situa a questão da oração da seguinte forma:

[...] Frequentemente me deparo com pessoas que gostariam de investir mais em Missões. A maioria destas associa seu investimento apenas com o suporte financeiro por meio de ofertas missionárias. É claro que este tipo de investimento também faz parte da obra de evangelização dos povos. Entretanto, quando estudamos a Palavra de Deus percebemos que além dos recursos financeiros a obra missionária depende primordialmente da oração. [...] Ore, preferencialmente, de maneira específica, ou seja, lembre-se dos missionários por seus nomes pessoais e de toda a sua família. Sei que é uma tarefa árdua lembrar-se de tantos missionários conhecidos, mas não se esqueça de que a oração exige compromisso. Alguns anos atrás eu notei na mesa de refeição de um casal uma pequena caixa com vários cartões de oração dos vários missionários que eles conheciam. Toda refeição eles retiravam um desses cartões e oravam por aquele missionário ou família. Essa pode ser uma boa ideia. [...] Orar por Missões é também orar por nossa igreja local. Orar acima de tudo por um reavivamento na Palavra. Que as Escrituras possam ensinar, exortar e educar cada membro para a glória de Deus!

Conclusão

A coragem, o amor e a oração foram as chaves que abriram a porta da fé aos gentios. Estas chaves foram utilizadas por Paulo, Barnabé e ainda têm sido utilizadas por toda a igreja, que tem se multiplicado no decorrer de milênios, no poder do Espírito Santo.

A porta da fé ainda está aberta para quem quiser entrar. A fé no Senhor Jesus Cristo nos dá a certeza da vida eterna, e de uma vida melhor ainda neste mundo, na medida em que nos dá sabedoria e fortalecimento no meio das aflições do presente, comuns a todos os homens. Quando entramos pela porta da fé, entendemos que também precisamos abrir uma porta em nosso próprio coração, para que Jesus, por intermédio do Espírito Santo, esteja conosco todos os dias, em todos os momentos.

Ele diz em Apocalipse 3.20: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo”.

Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, dezembro de 2020.

(*) Foto do cabeçalho: Dominic Walter. disponível em: https://www.idealista.pt/news/imobiliario/internacional/2018/05/23/36321-as-20-portas-mais-impressionantes-do-mundo Acesso em. 13 dez. 2020.

(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

 


[1] SILVA, Cácio. O chamado missionário. Grupo Povos e Línguas (originalmente publicado na Revista Alcance, da APMT). Disponível em: https://portal.povoselinguas.com.br/artigos/vida-missionaria/o-chamado-missionario/ Acesso em 08 dez. 2020.

[2] ISHY, Thiago. Como orar por missões. Site do Instituto Bíblico Peniel, 07/03/2016. Disponível em: http://institutobiblicopeniel.org.br/como-orar-por-missoes/ Acesso em 29 nov. 2017.