segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

O novo normal e as velhas práticas (Atos 15.22-35)

O ano de 2020 foi difícil. Iniciamos uma quarentena de 15 dias que foi se prorrogando indefinidamente, e já se arrasta por quase um ano. A chegada das vacinas é bem-vinda, e estamos ansiosos para que a nossa vida possa voltar ao normal. Talvez não tanto, porque já nos conformamos com a expectativa de que haverá, na verdade, um “novo normal” depois desta pandemia.

O trabalho e o estudo remotos, e muito do que aprendemos nos últimos meses, como evitar contatos físicos com desconhecidos, utilizar máscaras e muito álcool em gel, deverão fazer parte do nosso cotidiano, para evitar contaminações. Muitas práticas antigas talvez sejam abandonadas. Existem, porém, práticas do “velho normal” que são sadias, e que seria bom se as conservássemos.

Neste parágrafo de Atos 15.22-35 observamos que, para os judeus e para os gentios, estava iniciando uma nova vida pela fé no Senhor Jesus, e uma dúvida doutrinária exigiu que eles se reunissem para tomar uma decisão. Os irmãos judeus, mais experientes, julgaram a questão e enviaram representantes aos irmãos gentios, com uma carta de recomendação.

A maneira como os irmãos judeus trataram os irmãos gentios mostra que há pelo menos três práticas, velhas conhecidas dos judeus, que foram mantidas pela igreja de Cristo, e que nós não devemos jamais abandonar.

Amor (22-27)

Então, pareceu bem aos apóstolos e aos presbíteros, com toda a igreja, tendo elegido homens dentre eles, enviá-los, juntamente com Paulo e Barnabé, a Antioquia: foram Judas, chamado Barsabás, e Silas, homens notáveis entre os irmãos, escrevendo, por mão deles: Os irmãos, tanto os apóstolos como os presbíteros, aos irmãos de entre os gentios em Antioquia, Síria e Cilícia, saudações. Visto sabermos que alguns que saíram de entre nós, sem nenhuma autorização, vos têm perturbado com palavras, transtornando a vossa alma, pareceu-nos bem, chegados a pleno acordo, eleger alguns homens e enviá-los a vós outros com os nossos amados Barnabé e Paulo, homens que têm exposto a vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Enviamos, portanto, Judas e Silas, os quais pessoalmente vos dirão também estas coisas.

Uma das práticas antigas, mantida pela igreja de Cristo, e que não devemos abandonar, é a prática do amor de uns para com os outros. Os líderes de Jerusalém enviaram os seus melhores homens, demonstrando um cuidado amoroso e o reconhecimento do valor dos missionários Barnabé e Paulo em sua obra, na qual arriscaram suas vidas. Fica evidente também, na carta enviada por meio daqueles homens, a sua manifestação de amor, visto que os apóstolos não queriam que os irmãos gentios sequer fossem perturbados com palavras que pudessem transtornar suas almas.

O amor aos pobres e estrangeiros já era um costume desde os tempos antigos, conforme os versículos abaixo:

Êxodo 23.10,11

Seis anos semearás a tua terra e recolherás os seus frutos; porém, no sétimo ano, a deixarás descansar e não a cultivarás, para que os pobres do teu povo achem o que comer, e do sobejo comam os animais do campo. Assim farás com a tua vinha e com o teu olival.

Levítico 19.9,10

Quando também segares a messe da tua terra, o canto do teu campo não segarás totalmente, nem as espigas caídas colherás da tua messe. Não rebuscarás a tua vinha, nem colherás os bagos caídos da tua vinha; deixá-los-ás ao pobre e ao estrangeiro. Eu sou o SENHOR, vosso Deus.

Estes princípios foram, claramente, praticados por Boaz, conforme nos revela a história de Rute que, aliás, era “gentia”.

Embora os gentios retratados no livro de Atos estivessem em situação financeira muito mais confortável do que os judeus, naquele tempo, o mesmo não se podia dizer com respeito à sua situação espiritual, que era de alguém “miserável, pobre, cego e nu” (Apocalipse 3.17), antes de sua conversão. Agora, como novos na fé, dependiam de todo amor e cuidado, tal qual uma criança recém-nascida, que necessitava do genuíno leite espiritual (1ª Pedro 2.2).

Deus faz questão de demonstrar que nos ama, inclusive porque, necessariamente, teremos que passar por múltiplas aflições em nossa vida. Uma das mais belas e alentadoras promessas que evidenciam o amor de Deus para conosco, foi feita por Jesus aos discípulos num momento extremamente crítico, horas antes da sua prisão, condenação no sinédrio e crucificação: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também” (João 14.1-3).

Deus estava preparando seus filhos para as aflições, pelas quais inevitavelmente iriam passar em breve, e por isso reafirmou o seu amor, para que eles não desfalecessem na fé. A prática do amor é antiga e deve ser conservada, assim como Deus nos tem amado com tanta fidelidade.

Santificação (28-29)

“Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas essenciais: que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Saúde”.

Outra prática antiga, mantida pela igreja de Cristo, e que não devemos abandonar, é a prática da Santificação. Pensando nisto, foi ordenado que os gentios se abstivessem das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas.

O pastor Douglas Baptista[1], da Assembleia de Deus em Brasília, ensina em seu artigo “O concílio de Jerusalém e os quatro decretos apostólicos” que:

[...] a chamada lei cerimonial exigia que os judeus valorizassem o sacrifício e não banalizassem o sangue (Lv. 17.14). Esta prática, evidentemente, não era comum entre os gentios. Por isso, essas regras eram o mínimo que se pedia dos gentios, para não escandalizarem os judeus cristãos.

No site da “Hora Luterana”[2] encontramos também orientações a respeito da questão de comer sangue, carne sufocada, e coisas sacrificadas aos ídolos:

Note-se que a recomendação em relação a esses três pontos tem as mesmas características: não são revestidos de proibição ou ordenança e têm caráter de liberdade cristã. Os cristãos gentílicos não foram obrigados a se deixarem circuncidar (mas podiam fazê-lo, se o quisessem), como também eram convidados a se absterem de comer sangue e carne de animais sufocados (mas não eram proibidos de consumir esses elementos) [...]. Acontecia que os cristãos gentílicos procediam de ambientes em que praticar essas coisas era absolutamente normal. Esse costume, porém, poderia pôr em risco a fé dos cristãos procedentes de ambientes judaicos. [...] A decisão dos apóstolos em Atos 15 conclama os cristãos a viverem no amor e, em nome desse amor, não escandalizarem cristãos fracos, nem com atitudes que, em si, não sejam pecado, nem com coisas francamente proibidas. Essa decisão tornou possível a convivência entre cristãos de origem judaica e cristãos de origem gentílica [...].

Mário Persona[3], autor do site e da coleção de livros chamada “O que respondi...”, ensina sobre o tema prostituição e impureza sexual, dizendo que

[...] este problema, que era generalizado entre os gentios daquela época, volta a ter a mesma dimensão hoje em um mundo cada vez menos interessado nos valores cristãos. Quem estuda os costumes no império romano descobre que algumas coisas eram bem aceitas na sociedade da época: sexo fora do casamento, adultério, prostituição, pornografia (inclusive decorando as paredes das casas de família), homossexualismo, pedofilia (permitia-se aos homens casados terem meninos escravos para este fim), aborto e infanticídio (bebês indesejados eram simplesmente abandonados à beira das estradas para morrerem e serem comidos por cães). Lembre-se de que a sociedade que aceitava essas coisas não era nenhum grupo de bárbaros, mas o império mais desenvolvido que existiu até então, e que nos legou coisas como o direito romano e a privada com água encanada e descarga, que só foi "redescoberta" há 200 ou 300 anos.

Os cultos a ídolos entre os povos antigos comumente incluíam relações sexuais ilícitas, apelo que também está presente nas “baladas” modernas das quais, obviamente, também devemos nos guardar. Seguindo o princípio das restrições alimentares, é importante que nos guardemos dos vícios em geral. Enfim, de tudo o que não se harmoniza com uma vida cristã digna, coisas que o Espírito Santo nos ajuda a discernir, convém que nos guardemos, conservando assim a antiga prática da santificação.

Exortação (30-35)

Os que foram enviados desceram logo para Antioquia e, tendo reunido a comunidade, entregaram a epístola. Quando a leram, sobremaneira se alegraram pelo conforto recebido. Judas e Silas, que eram também profetas, consolaram os irmãos com muitos conselhos e os fortaleceram. Tendo-se demorado ali por algum tempo, os irmãos os deixaram voltar em paz aos que os enviaram. Mas pareceu bem a Silas permanecer ali. Paulo e Barnabé demoraram-se em Antioquia, ensinando e pregando, com muitos outros, a palavra do Senhor.

Os que foram enviados para lá eram profetas, que não se limitaram a entregar a carta do concílio, mas ainda se demoraram ali para ensinar e exortar os irmãos. Paulo e Barnabé também ensinavam, junto com “muitos outros”. Esta atitude reforçava entre eles a prática antiga da exortação, que também foi mantida pela igreja de Cristo, e que não devemos abandonar.

O historiador Alderi Matos[4], num artigo para a revista Ultimato, conta que

Os primeiros cristãos eram judeus e por isso o culto da igreja primitiva inspirou-se na liturgia das sinagogas. Nestas, após uma invocação inicial, eram recitados o “Shema” (credo baseado em Dt 6.4-9 e outros textos) e o “Tephilah” (conjunto de orações). A seguir, eram lidas passagens do Pentateuco e dos Profetas, seguindo-se uma exposição do texto. Também eram cantados salmos, especialmente o “Hallel” (113-118). Seguindo esse modelo, o culto cristão original foi extremamente simples, constando de orações, cânticos, leituras do Antigo Testamento e das “memórias dos apóstolos”, exortações pelo dirigente, coletas em prol dos carentes e celebração dos sacramentos, em especial a Ceia do Senhor, ou Eucaristia.

Ele também informa que, lamentavelmente,

[...] Na Idade Média, o culto cristão tornou-se ritualístico e aparatoso, perdendo a simplicidade original. Surgiram práticas desconhecidas dos primeiros cristãos, como o uso de incenso, velas, orações pelos mortos e invocação dos santos e de Maria. A língua utilizada era o latim e o celebrante dava as costas para o povo, o que dificultava a comunicação e a compreensão do culto. O impacto sensorial e emocional da missa era profundo, sendo intensificado pela rica arquitetura e decoração dos templos. No entanto, havia pouca instrução bíblica e limitada edificação espiritual.

O Pr. Alan Kleber[5], da Igreja Presbiteriana de Aracajú, fala do papel fundamental da reforma protestante no retorno e intensificação da prática da exortação nos cultos cristãos:

Martinho Lutero considerava a pregação como a parte central do culto público e colocava a pregação da Palavra até mesmo acima da sua leitura¹. Timothy George descreve assim a contribuição de Lutero para a pregação: Lutero recuperou a doutrina paulina da proclamação: a fé vem pelo ouvir, o ouvir pela palavra de Deus… (Rm 10.17). Lutero não inventou a pregação, mas a elevou a um novo status dentro do culto cristão… O sermão era a melhor e mais necessária parte da missa.

A melhor e mais eficaz maneira de se praticar a exortação é através de reuniões periódicas, e por isso a realização dos cultos semanais é tão importante. Nos cultos semanais nós praticamos a adoração, a comunhão e, de um modo especial, a exortação, pela leitura, interpretação e aplicação da Palavra de Deus.

Hebreus 10.25 diz que não devemos deixar de “[...] congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima”. Isto é, nunca devemos abandonar a antiga prática da exortação.

Conclusão

Estas três práticas antigas: o Amor, a Santificação e a Exortação, eram bem conhecidas dos judeus, e foram mantidas pela igreja de Cristo, que se tornou um instrumento de Deus para espalhar o seu amor pelo mundo, ensinar que todos devem se abster de coisas ilícitas, perseverando na doutrina em constante exortação de uns para com os outros.

Portanto, mesmo que um “novo normal” se estabeleça, conforme a nossa expectativa, conservemos as boas práticas do “velho normal”, de forma que o amor, a santificação e a exortação permitam que a igreja continue a ser a luz do mundo e o sal da terra, até que o Senhor Jesus retorne para nos levar consigo, conforme a sua promessa.

Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, fevereiro de 2021.

(*) Foto do cabeçalho disponível em: Acesso em. https://www.oki.com/pt/printing/about-us/news-room/blog/2020/life_post_pandemic/index.html Acesso em 08 fev. 2021.

(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p

 

[1] BAPTISTA, Douglas Roberto de Almeida. O concílio de Jerusalém e os quatro decretos apostólicos. Disponível em: http://www.cpadnews.com.br/blog/douglasbaptista/o-cristao-e-o-mundo/124/o-concilio-de-jerusalem-e-os-quatro-decretos-apostolicos.html Acesso em 30 dez. 2017. Citando WILLIAMS, David J. Atos. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, p.267.

[2] Dúvidas Espirituais. Disponível em: http://horaluterana.org.br/duvida-espiritual/a-base-da-decisao-dos-apostolos-tomada-no-primeiro-concilio-apostolico-da-igreja-crista-conforme-atos-dos-apostolos-15-pergunto-como-a-igreja-encara-1-comer-sangue-carne-de-animais-sufocados-e-c/ Acesso em 30 dez. 2017.

[3] PERSONA, Mário. O cristão não deve comer sangue? Disponível em: http://www.respondi.com.br/2010/08/o-cristao-nao-deve-comer-sangue.html Acesso em 30 dez. 2017.

[4] MATOS, Alderi Souza de. Liturgia e culto: reflexões à luz das Escrituras e da história cristã. Disponível em: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/322/liturgia-e-culto-reflexoes-a-luz-das-escrituras-e-da-historia-crista Acesso em 31 dez. 2017.

[5] KLEBER, Alan. A Importância da Pregação no Culto Congregacional, citando GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1993, 91-92. Disponível em: http://www.iparacaju.org/2015/08/02/a-importancia-da-pregacao-no-culto-congregacional/ Acesso em 30 dez. 2017.

 

 

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