sábado, 30 de janeiro de 2021

Certeza da salvação (Atos 15.6-21)

No final de ano de 2020 não pudemos festejar plenamente o Natal e o Ano Novo, por causa da quarentena. Alguns lamentaram, outros comemoraram, alegando que, nesta época de festas, em que se deveriam dar graças e glórias a Deus, o mundo expõe sua pecaminosidade num grau ainda mais elevado. Comem e bebem sem lembrar de orar para dar graças, se embriagam e brigam, se matam no trânsito, fazem festas barulhentas até altas horas, sem considerar os vizinhos. Sim, muitos suspiram nessa hora: “o mundo está mesmo perdido”.

Mas Deus reservou para si um povo que dá graças, que sabe comemorar as bênçãos com alegria santa, que glorifica o seu nome. Como é que podemos identificar quem faz parte do povo de Deus? Como é que podemos saber quem é salvo pela graça?

Esta era a questão que os apóstolos e presbíteros, reunidos em Jerusalém naquele primeiro século da era cristã, examinaram, ao discutirem se os gentios eram salvos pela graça de Deus, ou se precisariam se tornar como judeus, guardando os preceitos de Moisés.

Os argumentos apresentados em favor da salvação pela graça venceram, tendo eles aceitado como evidências as manifestações do Espírito Santo, os sinais e prodígios, e as profecias das Escrituras.

As manifestações do Espírito Santo (6-11)

Então, se reuniram os apóstolos e os presbíteros para examinar a questão. Havendo grande debate, Pedro tomou a palavra e lhes disse: Irmãos, vós sabeis que, desde há muito, Deus me escolheu dentre vós para que, por meu intermédio, ouvissem os gentios a palavra do evangelho e cressem. Ora, Deus, que conhece os corações, lhes deu testemunho, concedendo o Espírito Santo a eles, como também a nós nos concedera. E não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé o coração. Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós? Mas cremos que fomos salvos pela graça do Senhor Jesus, como também aqueles o foram.

Pedro defende, em seu discurso, que Deus salvou os gentios independentemente de guardarem os preceitos de Moisés, e apresentou como argumento a manifestação do Espírito Santo, quando pregou, pela primeira vez, aos gentios, na casa de Cornélio.

Alguns acham que a manifestação do Espírito Santo é sempre visível, geralmente através do falar em línguas. Existe um estudo bem aprofundado sobre este assunto disponível no artigo de Sueli Carvalhaes[1] para a revista Estudos da Religião, da PUC SP, destacando momentos da história em que houve manifestações deste tipo:

Jividen (1973:55) registra que as manifestações do falar em línguas extático não se iniciaram com cristãos, mas sim no ano de 1.100 a.C. Após ter oferecido sacrifícios, um jovem adorador do deus Amon ficou possesso e começou a falar freneticamente. Platão também demonstra conhecer o falar em línguas ao descrevê-lo em vários de seus diálogos. A essa "loucura" religiosa ele chamou dádiva divina. A profetisa de Delphos, quando fora de si, podia exercer grande influência benéfica sobre certos indivíduos.

[...] A partir do segundo século, as informações sobre o aparecimento do dom de línguas são vagas. Cabe a Irineu (150 d.C.) o primeiro registro, descrevendo experiências de outras pessoas. Posteriormente aparece o movimento montanista, visando o despertar espiritual da igreja e conquistando inúmeros seguidores como Tertuliano, um dos maiores pensadores do período patrístico.

[...] Depois destes casos, só a partir do século XII surgem outras referências às línguas estranhas. O primeiro relato é o de Pedro Valdo, rico comerciante francês, que reúne os fiéis dispostos a lutar a favor dele, contra o luxo e a opulência do clero romanista. [...] Zuinglio reconheceu a manifestação glossolálica e a interpretou como um dom dado para o crente como um sinal para os não-crentes (JIVIDEN 1973:61). No movimento pietista, nascido na Alemanha em 1666, também existem registros de línguas estranhas. [...] Em 1830 na Escócia, uma jovem de Fernicarry chamada Mary Campbell começou a orar e sentiu poderosamente a presença divina, começando assim a falar em um idioma que não conhecia.

[...] Foi com Charles Parham que a doutrina do batismo do Espírito Santo passou a ser entendida como é hoje, [...] William Joseph Seymour, aluno de Parham, viajou pelos Estados Unidos, ensinando a doutrina do batismo com o Espírito Santo com evidência externa de falar em outras línguas. Apesar de rejeitado pela igreja em que pregava, continuou realizando reuniões nas casas de alguns membros, até o grupo descobrir um prédio disponível na Azuza Street número 312, onde milhares de pessoas tomaram conhecimento do avivamento e foram atraídos para os cultos. (SHERRILL 1969:62-65).

Em nossa igreja, porém, acreditamos, com base em nossa experiência e em minuciosa comparação de textos bíblicos, que a manifestação do Espírito Santo se dá muito mais de forma serena, através do “[...] amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio [...]”, conforme Gálatas 5.22. Ao contrário do falar em línguas, que gera tantas controvérsias, estas manifestações são inequívocas, destacando, entre todos, aqueles que Deus chamou segundo o seu propósito, e os salvou por sua maravilhosa graça.

Os sinais e prodígios (12)

“E toda a multidão silenciou, passando a ouvir a Barnabé e a Paulo, que contavam quantos sinais e prodígios Deus fizera por meio deles entre os gentios.”

Na fala de Barnabé e Paulo, eles enfatizaram que Deus fez por meio deles muitos sinais e prodígios. Isto certamente autenticava a sua pregação, que levou os gentios a crerem em Jesus e serem salvos por sua graça.

Alguns acham que os sinais e prodígios deveriam acontecer, e que acontecem, exatamente como naqueles tempos. Entendemos, porém, em nossa igreja, que a manifestação de sinais e prodígios se deu (e se dará, conforme algumas profecias que ainda hão de se cumprir) em temporadas específicas, como durante o ministério de Jesus e dos apóstolos e, antes disto, no ministério de Moisés, Josué e alguns dos profetas. Naqueles momentos, os milagres eram tão notórios que atraíam grandes multidões, e até desestabilizavam governos.

Argumentando também sobre a sazonalidade dos sinais e prodígios, Cornelius Stam[2] escreveu, num estudo disponível no site da Igreja Quinta do Conde (Portugal), que

[...] Quando estes dons estavam em vigor, os próprios inimigos do Senhor reconheciam a evidência clara dos milagres realizados. Hoje, com as actuais imitações, até os crentes questionam-nos, quanto mais os perdidos! [...] Primeiramente deve ser notado o facto geral de que na história do Velho Testamento as demonstrações miraculosas prevaleceram e predominaram em tempos de grande crise, como por exemplo nos casos de Moisés e Arão e Elias e Eliseu. Sem dúvida que a chamada de Israel ao arrependimento, desde o tempo de João Baptista até Pentecostes, e a oferta de Cristo a Israel para que O aceitassem foi a maior crise na história de Israel até então.

Hoje em dia, assim como nas histórias bíblicas, fora daqueles tempos de crise, os sinais e prodígios de Deus se dão de uma forma mais particular e discreta, em resposta às orações, nos fazendo sentir seguros de que ele nos ama e que vai nos salvar, por sua maravilhosa graça.

As profecias das Escrituras (13-21)

Depois que eles terminaram, falou Tiago, dizendo: Irmãos, atentai nas minhas palavras: expôs Simão como Deus, primeiramente, visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome. Conferem com isto as palavras dos profetas, como está escrito:

Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi; e, levantando-o de suas ruínas, restaurá-lo-ei. Para que os demais homens busquem o Senhor, e também todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome, diz o Senhor, que faz estas coisas conhecidas desde séculos.

Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus, mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue. Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados.

Em suas considerações finais no concílio, Tiago argumenta que a salvação pela graça aos gentios confere com as profecias das Escrituras, e associa a conversão dos gentios à profecia de Amós 9.11,12, da qual faz citação.

Uma das coisas que mais aprecio no método de evangelização conhecido como “os sete passos”, é a sua ênfase em que a certeza da salvação deve se basear não nos sentimentos, mas na Palavra de Deus. Esse método tem várias argumentações a respeito da certeza da salvação, com base em versículos como Ap 3.20; Jo 6.37; Jo 5.24 e 1a Jo 5.13.

A dinâmica de Apocalipse 3.20 é impressionante, ao garantir que o simples gesto de abrir a porta para Jesus, que está batendo, possibilita uma comunhão tão íntima com ele, quanto a comunhão que temos com nossos melhores amigos, com quem costumamos compartilhar alegremente as refeições, revezando a hospitalidade.

João 6.37 é um porto seguro para o crente, por causa da afirmação de Jesus de que “todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora”

João 5.24 fala da vida eterna como “favas contadas”, com Jesus garantindo: “em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”

Em 1ª João 5.13 o “discípulo amado” explica por que foi tão importante ele ter escrito aquela carta, com as seguintes palavras: “estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vós outros que credes em o nome do Filho de Deus”.

É verdade que também há muitas passagens bíblicas que poderiam nos deixar inseguros a respeito da salvação, mas isto acontece porque não entendemos e não confiamos em nosso próprio coração, ao respondermos à questão crucial: “eu creio, de verdade?”

No final das contas, tudo está nas mãos do soberano Deus. É assim que Tiago demonstrava crer, ao deixar subentendida a certeza da salvação dos gentios pela graça de Deus, mediante a fé que manifestaram em resposta à pregação dos apóstolos, concordando com Pedro que não havia motivos para perturbá-los, colocando sobre a cerviz dos discípulos gentios um jugo que, historicamente, nem mesmo os judeus podiam suportar.

Apenas por bom senso, Tiago recomendou que se abstivessem “das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue”, porque a sua salvação já estava garantida, com base nas profecias das Escrituras.

Conclusão

O concílio chegou à conclusão de que os gentios eram salvos pela graça do Senhor Jesus, independente de guardarem eles os preceitos de Moisés, aceitando como argumentos as manifestações do Espírito Santo, os sinais e prodígios, e as profecias das Escrituras.

Quanto à lista de quatro recomendações feitas por Tiago, eu creio que ela não deve ser tomada como exaustiva, mas como ilustrativa de que o crente, judeu ou gentio, deve ser criterioso no seu viver, para que seja digno de quem professa ser salvo pela graça do Senhor Jesus. Aqueles que quisessem guardar os preceitos de Moisés, ainda que não fossem obrigatórios para a salvação, que os continuassem aprendendo nas pregações das sinagogas, todos os sábados.

Os sinais que poderiam dar certeza da salvação, os frutos do Espírito: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, e domínio próprio, são aparentemente manifestados também por pessoas que não identificamos como crentes em Jesus Cristo. Então, como poderíamos separar joio de trigo? A salvação não depende de uma vinculação a nenhuma denominação de igreja, nem a nenhuma linha de teologia sistemática, nem mesmo ao cumprimento de determinados preceitos ou ética.

Quer ter certeza da salvação? Nada melhor do que perseverar na graça de nosso Senhor Jesus Cristo, pois não há controvérsias quanto ao fato de que, “aquele que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mateus 24.13).

Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, janeiro de 2021.

(*) Foto do cabeçalho disponível em: https://reacaoadventista.com/2018/12/22/o-que-o-concilio-de-jerusalem-atos-15-nos-ensina/ Acesso em. 30 jan. 2021.

(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

[1] CARVALHAES, Sueli Aparecida Cardozo. Glossolalia: O dom includente do Espírito Santo. Revista de Estudos da Religião junho / 2010 / pp. 42-61. Disponível em: http://www.pucsp.br/rever/rv2_2010/t_carvalhaes.pdf  Acesso em 25 dez. 2017, citando: HOEKEMA, Anthony. 2002. Salvos Pela Graça. São Paulo: Cultura Cristã; JIVIDEN, Jimmy. 1973. Glossolalia: De Deus ou de Homem?. Ft. Worth: TX, Star Bible Publications; SHERRILL, John L. 1969. Eles Falam em Outras Línguas. Tradução de João Marques Bentes, revisão Gordon Chown, São Paulo, Sociedade Evangélica Betania.

[2] STAM, Cornelius R. A falácia do pentecostalismo. Disponível em: http://www.iqc.pt/edificacao/ensino/dispensacional/6605-a-falacia-do-pentecostalismo Acesso em 26 dez. 2017.

 

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