sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
Perdendo a autoconfiança
(Leia Mc 14.66-72)
Pedro ainda respirava teimosia, ainda não lhe saíra da cabeça a sensação de que podia evitar a morte do mestre. Não aceitava a ideia de sofrer tamanha afronta sem ao menos lutar. Precisava bolar um plano para sair daquela situação. Só precisava resistir firme, até que achasse uma solução. Teve que mentir a respeito de si mesmo e de Jesus, mas isto era apenas uma estratégia. Se fosse nos dias de hoje, eu diria que Pedro andou assistindo muitos filmes americanos de ação, daqueles em que o herói enfrenta sozinho trezentos opositores e sai vitorioso. Mas como não tinha cinema naquele tempo, não sei onde ele buscou inspiração. Talvez na história de Davi, que enfrentou o gigante Golias e o exército dos filisteus, usando apenas uma funda e um cajado. Jesus estava atento ao que acontecia com o seu discípulo. Devia estar mais preocupado com Pedro do que consigo mesmo. Avisou-o daquela hora, para que, no seu desespero, ao chorar amargamente, se firmasse na compaixão daquele que sabia antecipadamente do seu comportamento vergonhoso, e mesmo assim o amava. Orava por ele, para que sua fé não desfalecesse diante da turbulência daquele momento (Lc 22.32). O desastre que ocorreu na vida de Pedro aquela noite realça ainda mais a certeza da necessidade da morte de nosso Salvador em nosso lugar. O melhor dos discípulos, Pedro, chegou ao limite do poder humano de ser fiel a Deus, amando-o de todo o coração e com todas as suas forças. Este quadro ilustra muito bem onde termina a força do homem e começa o poder de Deus. Pedro não podia ir além dos seus limites. Quais eram os limites de Pedro?
Limitação física (66-68)
“Estando Pedro embaixo no pátio, veio uma das criadas do sumo sacerdote e, vendo a Pedro, que se aquentava, fixou-o e disse: Tu também estavas com Jesus, o Nazareno. Mas ele o negou, dizendo: Não o conheço, nem compreendo o que dizes. E saiu para o alpendre. E o galo cantou.”
Pedro tinha que se aquecer. Não queria ficar ali, no meio dos inimigos, mas estava muito frio, e sentiu a necessidade de se aquecer naquela abençoada fogueira, enquanto colocava os pensamentos em ordem. Se Pedro não tivesse limitações físicas, talvez não precisasse se expor tanto, e seria mais fácil cumprir sua missão, a qual ele tinha em mente. Muitas vezes nos esquecemos de que somos mortais e precisamos descansar, nos alimentar corretamente, cuidar da saúde.
Muitos missionários modernos acabam abandonando o campo por problemas de saúde, limitando suas atividades a ambientes menos hostis. Até mesmo o abnegado apóstolo Paulo não podia se esquecer de suas limitações físicas, e teve que dedicar um espaço, em meio a uma carta repleta de instruções espirituais, extremamente importantes, para que Timóteo não se esquecesse de levar para ele a capa que deixou na casa de Carpo (2Tm 4.13); antes de começar as saudações finais, Paulo ainda insiste: “apressa-te a vir antes do inverno” (2Tm 4.21).
Nossas limitações físicas atrapalham o cumprimento de nossa missão. Não precisava ser assim, pois Jesus também limitou-se a um corpo humano, e mesmo assim cumpriu sua missão. Mas nós somos pecadores. Nossas necessidades básicas acabam se tornando nossas inimigas. Não podemos ficar sem nos alimentar, mas acabamos tomando alimento além do que é necessário. Não podemos ficar sem dormir, mas acabamos dormindo além do que é necessário. Podemos ir também para o outro extremo, e por excesso de zelo ou por vaidade não nos alimentamos o suficiente, ou não dormimos o suficiente, acarretando doenças que vão nos limitar ainda mais no futuro.
Por isso foi necessário Jesus sofrer tudo aquilo, e pagar na cruz os nossos pecados, para que, pelo seu sangue purificador nos tornássemos aceitáveis ao Pai.
Limitação emocional (69-71)
“E a criada, vendo-o, tornou a dizer aos circunstantes: Este é um deles. Mas ele outra vez o negou. E, pouco depois, os que ali estavam disseram a Pedro: Verdadeiramente, és um deles, porque também tu és galileu. Ele, porém, começou a praguejar e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais!”
As emoções de Pedro estavam à flor da pele. Ele tomou para si uma responsabilidade muito pesada, como se quisesse carregar o mundo nas costas, e estava perdendo suas forças. Seus pensamentos eram como um delírio. Não estava entendendo, não podia aceitar o que estava acontecendo com aquele de quem dissera: “só tu tens as palavras da vida eterna” (Jo 6.68); “tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” (Mt 16.16). Jesus estava ali, bem ao lado, sendo caluniado, humilhado, espancado. A insistência dos serventuários, que não tinham nada que especular, que deveriam deixa-lo em paz, era como alfinetadas que desestabilizavam seu controle emocional. Pedro não estava sob o controle do Espírito Santo.
Assim como Pedro, precisamos do Espírito Santo atuando em nossas vidas, para termos sucesso no controle de nossas emoções. Muitas decisões erradas, que tomamos na vida, são consequências de descontrole emocional. Muitos deixam a Igreja por se sentirem desprezados, por terem sido insultados, ou até por coisas menores.
Dirigir veículos, hoje em dia, é uma grande provação. No trânsito as pessoas se transformam. Qualquer deslize é motivo de “buzinaços” ou xingamentos. Há muitas brigas, há muitas imprudências. Quando nos deixamos guiar pelas emoções, corremos o grande risco de tomarmos decisões das quais nos arrependeremos no futuro. É uma boa prática contar até dez, adiar a decisão para o dia seguinte, orar a respeito do assunto. Mas quem poderia perfeitamente controlar suas emoções? Somente pela misericórdia de Deus é que nos livramos de algumas consequências de nossas decisões precipitadas. Precisamos, em primeiro lugar, nascer de novo, nascer do espírito, pelo arrependimento e pela fé em Jesus, e entregarmos cada dia as “rédeas” nas mãos de nosso Senhor, por meio do seu Espírito que em nós habita. Desconfiemos sempre de nossas emoções. Se elas vierem de Deus, então não o envergonharemos com as ações por elas impulsionadas.
Limitação do tempo - O cantar do galo (68,72)
“Mas ele o negou, dizendo: Não o conheço, nem compreendo o que dizes. E saiu para o alpendre. E o galo cantou. E logo cantou o galo pela segunda vez. Então, Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: Antes que duas vezes cante o galo, tu me negarás três vezes. E, caindo em si, desatou a chorar.”
Algumas doutrinas ensinam o aperfeiçoamento do homem através de várias tentativas, em várias vidas, mas a Bíblia nos diz em 9.27 que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo”; e em Rm 3.20 nos poupa de ilusões, afirmando que “ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”.
O cantar do galo, para Pedro, naquela madrugada, parecia o ressoar de um ringue, que marcava o final da luta, para o anúncio do vencedor e do perdedor. O cantar do galo podia ser, na verdade, o ressoar de uma trombeta. Nós temos um tempo curto para provarmos nossa fidelidade a Deus e depois enfrentaremos o juízo. Se não for a trombeta do arcanjo, que anuncia a volta de Jesus, será o dia de nossa morte, que pode vir antes do que esperamos. Nós envelhecemos, e muitas coisas que deixamos de fazer na juventude já não podem ser resgatadas. Algumas oportunidades são como ônibus que têm hora marcada, os quais, se não quisermos perder, precisamos ser rápidos e decididos. Algumas janelas de oportunidade passam apenas uma vez em nossas vidas. Pedro, neste caso, até que teve outras oportunidades de confessar Jesus, e se saiu bem. Por exemplo, nas suas prisões e perseguições pelos sacerdotes, que enfrentou, junto com outros discípulos, no início do seu ministério, quando respondeu às autoridades: “antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29), e depois de terem sido açoitados, “se retiraram do Sinédrio regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome” (At 5.41).
Conclusão
Jesus disse em Mateus 10.33: “mas aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai, que está nos céus”. Então Pedro será negado por Jesus diante do Pai? Acho que não. Pedro teve chance de se arrepender, e assim anular o seu pecado. Até mesmo as autoridades que conspiravam contra Jesus tiveram sua chance, dada pelo próprio Pedro em At 3.19, quando os admoesta: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados”.
Ao lermos o livro de Atos e as cartas de Pedro, temos a impressão de que ele aprendeu, de que sua entrega ao Espírito Santo para controlar sua vida, resolveu definitivamente o problema de suas limitações. Mas uma coisa ainda nos preocupa. Paulo, em Gl 2.11-21, testemunha um comportamento inadequado de Pedro, que, sob o ponto de vista de Paulo, estava virtualmente negando a graça de Cristo por pressão dos judaizantes. Então, baseando-nos no exemplo de Pedro, podemos concluir que nossa luta contra a carne e suas limitações não tem fim. Por isto, precisamos chorar amargamente diante do trono de Deus, as nossas limitações, e seguir o conselho do próprio Pedro, que certamente sabia o que estava dizendo em 1 Pedro 1.13,18-19: “Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo. (...) sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo”.
Talvez Pedro, num ato de heroísmo, quisesse resgatar Jesus, mas teve que reconhecer que ele é que precisava ser resgatado.
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