Nos últimos dias, o assassinato da vereadora Marielle causou muita comoção da população, e houve manifestações populares em várias cidades do país e até no exterior. Muitas pessoas morrem assassinadas todos os dias, mas Marielle era uma mulher diferente, que representava uma ideologia amada por alguns, e odiada por outros. Da mesma forma a história deste parágrafo de Atos mostra que o comportamento e a pregação dos apóstolos despertavam sentimentos variados, especialmente entre os judeus, que tinham ciúmes do sucesso e da expansão da Igreja.
Respeito (26,27)
Nisto, indo o capitão e os guardas, os trouxeram sem violência, porque temiam ser apedrejados pelo povo. Trouxeram-nos, apresentando-os ao Sinédrio. E o sumo sacerdote interrogou-os,
Um dos sentimentos despertados pelo comportamento e a pregação dos apóstolos entre o povo é o respeito. Os apóstolos faziam curas. Livraram-se da prisão de forma miraculosa, e eram praticamente venerados pelo povo, que ficaria revoltado caso os soldados os tratassem com violência na sua frente. Muitos líderes religiosos são respeitados pelas autoridades. Silas Malafaia, por exemplo, recebeu título de cidadão benemérito na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Eu tenho uma carteirinha de pastor, onde constam alguns direitos garantidos por lei, que me dão certos privilégios na hora de pedir entrada num hospital. As igrejas no Brasil estão isentas de impostos, pois o governo reconhece a importância dessa instituição na sociedade.
Um bom exemplo de que os cristãos, ao longo do tempo, foram conquistando respeito, inclusive pela mídia, é o caso dos cantores gospel, que ultimamente têm sido chamados para apresentações em programas de grande audiência, e para entrevistas em rede nacional.
Em seu livro A explosão gospel, Magali do Nascimento Cunha cita Sandro Baggio, para falar da trajetória dos cantores gospel desde os pioneiros até os mais modernos:
O primeiro cantor evangélico a inserir o violão como instrumento musical litúrgico foi Luiz de Carvalho, que ousou utilizá-lo ainda nos anos 60 para acompanhar composições religiosas de sua autoria que continham ritmos populares. Foi o primeiro a gravar um LP evangélico no Brasil.
A autora diz ainda que
A introdução dos “corinhos” começou por volta dos anos 1950-1960 no Brasil, especialmente por meio de organizações como Palavra da Vida, Jovens da Verdade, Mocidade para Cristo e Serviço de Evangelização para a América Latina (Sepal). Muitos dos corinhos mais antigos, cantamos até hoje em nossa Igreja, como “há momentos em que as palavras não resolvem, mas um gesto de Jesus demonstra amor por nós”. [...] Houve reação negativa das comunidades à nova experiência musical, em especial à tentativa de utilização de instrumentos considerados profanos, como o violão e o teclado. [...] Este quadro se alterou nos anos 70 pela influência do Movimento de Jesus e o surgimento dos conjuntos musicais jovens. O movimento de Jesus foi fruto de uma estratégia de evangelismo realizada nas ruas no final dos anos 60, nos EUA [...]. Começaram a surgir “iniciativas até então inovadoras como um nightclub e um café aberto 24 horas para a juventude”.
No Brasil, como parte desta influência, surgiram Vencedores por Cristo, Palavra da Vida e grupo Elo, gravando discos que eram distribuídos em livrarias evangélicas.
“Todo este processo que criou os corinhos dos anos 50 e 60, o Movimento de Jesus e a revolução musical jovem dos anos 70 faz parte da gênese do que é hoje denominado movimento gospel, cuja explosão acontece nos anos 1990. (...) A banda chamada Rebanhão, formada no Rio de Janeiro em 1985 ficou conhecida como a precursora do rock gospel brasileiro”. Depois veio a Igreja Renascer em Cristo, a Igreja Universal, a gravadora MK Music, que lançaram dezenas de cantores gospel, expandindo um conceito empreendedor ao estilo de empresas seculares.
Hoje os cantores gospel são respeitados por toda a sociedade, a ponto de aparecerem em programas nacionais de TV em pé de igualdade com os cantores seculares.
Tomando como exemplo a “Explosão Gospel”, nós podemos dizer que, assim como os primeiros discípulos, também nós, evangélicos do Brasil atual, inspiramos um certo sentimento de respeito diante das pessoas no meio em que vivemos.
Rancor (28,29)
[...] dizendo: Expressamente vos ordenamos que não ensinásseis nesse nome; contudo, enchestes Jerusalém de vossa doutrina; e quereis lançar sobre nós o sangue desse homem. Então, Pedro e os demais apóstolos afirmaram: Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens.
Um segundo sentimento despertado pelo comportamento e a pregação dos apóstolos entre o povo é o rancor. Os apóstolos, apesar de terem sido tratados com respeito, não estavam seguindo as instruções dos sacerdotes. Além disso, sua mensagem forçosamente lhes era ofensiva, pois era parte integrante da mensagem do evangelho a afirmação de que Jesus tinha morrido injustamente, sem ter nenhum pecado, deixando assim os acusadores e julgadores do Filho de Deus numa situação, no mínimo, delicada diante do povo, por terem condenado um inocente. A resposta dos apóstolos à repreensão dos sacerdotes derruba de vez a esperança que as autoridades poderiam ter de controlar a situação. Ficou claro para eles que os apóstolos não iam ceder às suas ameaças, pois alegavam ter recebido ordens diretas de Deus para continuar testificando.
Esse sentimento de rancor tem se reproduzido em pessoas que convivem com crentes. Um dos primeiros jovens que freqüentaram nossa igreja, um recém convertido, certa vez compartilhou que sua mãe ficou ressentida porque ele não quis mais ir à padaria comprar cigarros para ela, como era o costume antes de se converter. Uma outra jovem, alguns anos atrás, deu testemunho de que sua mãe brigou com ela porque recusou um emprego que a impediria de assistir aos cultos nos domingos. Quando eu e minha esposa nos convertemos, tivemos grandes dificuldades para explicar a um casal de amigos que não iríamos mais batizar o nosso filho na igreja católica, e eles tinham vindo de São Paulo especialmente para serem padrinhos. Ficaram muito chateados e nossa amizade se esfriou por algum tempo. Quase perdemos a amizade. Um jovem crente com uma carreira promissora deixou o patrão decepcionado porque não quis mentir a respeito de um sorteio a clientes num programa de rádio, como seu superior havia orientado. Histórias como essas são muito comuns para aqueles que se entregam a Jesus de todo o coração, procurando fazer a sua vontade. Aqueles que decidem obedecer a Deus estão sujeitos a despertar esse sentimento de rancor nas pessoas ao seu redor.
Gosto muito de uma música que aprendi nos primeiros dias de minha vida cristã, e que expressa muito bem o dilema enfrentado constantemente por um servo fiel a Deus: “Estou seguindo a Jesus Cristo, deste caminho, eu não desisto [...] Se me deixarem os pais e amigos, se me cercarem muitos perigos, atrás não volto, não volto mais (...).”
Ira (30-33)
O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro. Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados. Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que lhe obedecem. Eles, porém, ouvindo, se enfureceram e queriam matá-los.
Existe ainda outro sentimento que foi despertado pelo comportamento e a pregação dos apóstolos entre o povo: a ira das autoridades. O testemunho dos apóstolos era, para os anciãos, um incômodo insuportável. Estavam se sentindo como feras acuadas, cuja reação natural é atacar quem as ameaça.
João Batista teve que enfrentar uma “fera” assim. Foi preso pelo rei Herodes quando repreendeu sua conduta pecaminosa. Jesus advertiu seus discípulos em João 15.18,19: “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia”. O apóstolo João nos exorta em sua primeira carta geral: “Irmãos, não vos maravilheis se o mundo vos odeia” (1 João 3.13). Ao afirmar isto, João talvez tivesse em mente uma consolação de Jesus no sermão da montanha: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós” (Mateus 5.11).
Em Atos 19.23-27 nós temos uma clara ilustração da verdade de que os efeitos de um testemunho e de uma pregação obediente a Deus podem atrair um sentimento de ira:
Por esse tempo, houve grande alvoroço acerca do Caminho. Pois um ourives, chamado Demétrio, que fazia, de prata, nichos de Diana e que dava muito lucro aos artífices, convocando-os juntamente com outros da mesma profissão, disse-lhes: Senhores, sabeis que deste ofício vem a nossa prosperidade e estais vendo e ouvindo que não só em Éfeso, mas em quase toda a Ásia, este Paulo tem persuadido e desencaminhado muita gente, afirmando não serem deuses os que são feitos por mãos humanas. Não somente há o perigo de a nossa profissão cair em descrédito, como também o de o próprio templo da grande deusa, Diana, ser estimado em nada, e ser mesmo destruída a majestade daquela que toda a Ásia e o mundo adoram.
Conclusão
Devemos dar testemunho de nossa salvação, e zelar pelos princípios da Palavra de Deus, sem temer a reação daqueles que podem nos fazer mal. Sabe qual é um claro sinal de que estamos fazendo bem a vontade de Deus? Quando o sentimento do mundo a nosso respeito passar do respeito ao rancor e ao ódio. Não nos deixemos abater pela resistência das pessoas ao nosso redor para com a mensagem do evangelho. Somos chamados para uma batalha na qual já temos a vitória garantida. Lembremo-nos da profecia proferida em Mateus 16.18 “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Os sentimentos do mundo são variados e, às vezes, imprevisíveis, diante de fatos como o assassinato da vereadora Marielle, ou de uma possível expansão do evangelho impulsionada por crentes que se tornem fiéis. Mas não é nossa atribuição gerenciar sentimentos, e sim obedecermos a Deus, venha o que vier.
Referências
Conheça o pastor Silas Malafaia. São Paulo: Último Segundo - iG @, 11/09/2012. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-09-11/conheca-o-pastor-silas-malafaia.html Acesso em 18 mar. 2018.
CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X: Instituto Mysterium, 2007.
Semana começa com protestos contra a morte de Marielle no Brasil e na Europa. Folha de São Paulo (online), 17/03/2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/03/semana-comeca-com-protestos-contra-a-morte-de-marielle-no-brasil-e-na-europa.shtml Acesso em 19 mar. 2018.
Foto de Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/manifestantes-protestam-pelo-pais-contra-a-morte-de-marielle-franco.ghtml Acesso em 19 mar. 2018.
Este e outros artigos deste Blog fazem parte do livro "Por
que estais olhando para as alturas?", disponível no link abaixo:
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