domingo, 21 de abril de 2019

O milagre mais difícil (Atos 9.32-43)

 

Quem é que não gostaria de presenciar algum milagre? Às vezes o anseio é tão grande que até mesmo a eventos naturais alguns podem atribuir fenômenos milagrosos, como no caso do incêndio da Catedral de Notre Dame, em Paris.


[...] O edifício, com cerca de 850 anos, foi parcialmente consumido pelas chamas, como foi possível ver com a queda do famoso pináculo que se fazia ver ao longe nos céus da capital francesa. O fogo, que só foi dado como extinto às 9h00 desta terça-feira, 16 de abril, fez o que quis e destruiu tudo o que lhe surgia pela frente, mas, no meio das chamas e de todo aquele inferno, houve um milagre que se fez sentir logo à transmissão das primeiras imagens do interior da catedral. [...] O altar e o crucifixo sobreviveram milagrosamente à invasão das chamas e a toda a onda de destruição que existia à sua volta. Os franceses chegaram já a intitular este acontecimento como «Milagre da Páscoa».


Crucifixo sai intacto no meio das chamas. VIP, 16/04/2019. Disponível em: https://www.vip.pt/crucifixo-sai-intacto-no-meio-das-chamas-milagre-de-pacoa-durante-tragedia-na-notre-dame Acesso em 21 abr. 2019.


O milagre da Páscoa, na verdade, foi e sempre será a ressurreição do Senhor Jesus Cristo, mas pode ser que os franceses estejam parcialmente corretos, já que Deus poderia ter interferido para preservar aquelas relíquias e as vidas humanas no interior da Notre Dame para, quem sabe, dar ao mundo um sopro, mesmo que pequeno, de fé, assim como tem feito muitos milagres continuamente, os quais são constantemente ignorados.


A Bíblia narra muitos milagres. Dentre eles, podemos citar os três que aconteceram neste parágrafo de Atos 9.32-43.


Enéias (Aeneas="laudable" Louvável): O Senhor faz com que os coxos andem direito (32-35)


Passando Pedro por toda parte, desceu também aos santos que habitavam em Lida. Encontrou ali certo homem, chamado Enéias, que havia oito anos jazia de cama, pois era paralítico. Disse-lhe Pedro: Enéias, Jesus Cristo te cura! Levanta-te e arruma o teu leito. Ele, imediatamente, se levantou. Viram-no todos os habitantes de Lida e Sarona, os quais se converteram ao Senhor.


Pedro foi ver como estavam os santos. Enéias, cujo nome significa “louvável”, se encontrava acamado, paralítico, havia oito anos. Pelo tempo decorrido, Enéias pode ter ficado com a impressão de que ficaria assim para sempre. A chegada de Pedro, porém, lhe trouxe boas notícias: “Jesus Cristo te cura”.


Até hoje, passados quase dois mil anos, não se ouve de ocorrências de curas espetaculares como a de Enéias. É verdade que a medicina tem feito conquistas preciosas, entre elas a revolucionária cura de um homem chamado Darek Fidyka, de 40 anos, que


[...] ficou paralisado do peito para baixo após ser esfaqueado várias vezes em 2010 [...]. O tratamento, inédito no mundo, foi realizado por cirurgiões poloneses em colaboração com cientistas em Londres. [...] utilizou células especiais que fazem parte do sentido do olfato (OECs, na sigla em inglês). Elas agem como células de direção, que permitem que as fibras nervosas do sistema olfativo sejam continuamente renovadas. Na primeira de duas operações, os cirurgiões removeram um dos bulbos olfativos do paciente e as células cresceram em cultura. Duas semanas depois, eles transplantaram as células para a medula espinhal, que tinha sido reduzida a uma pequena faixa de tecido, à direita. [...] Fidyka mantém o programa de exercícios que já realizava antes do transplante - cinco horas por dia, cinco dias por semana. Ele notou pela primeira vez que o tratamento havia sido bem sucedido após cerca de três meses, quando sua coxa esquerda começou a desenvolver músculos. Seis meses depois, ele foi capaz de tentar dar seus primeiros passos com a ajuda de barras paralelas, usando muletas e com o apoio de um fisioterapeuta. Dois anos após o tratamento, ele agora pode andar fora do centro de reabilitação utilizando um andador. O neurocirurgião Pawel Tabakow, consultor no Hospital Universitário de Wroclaw, que liderou a equipe de pesquisa polonesa, disse: "É incrível ver como a regeneração da medula espinhal, algo que era considerado impossível por muitos anos, está se tornando uma realidade".


WALSH, Fergus. Homem paralisado volta a andar após transplante de células do nariz. BBC News, 21 de outubro de 2014. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/10/141021_saude_caminha_hb Acesso em 21 abr. 2019.


O milagre operado por meio de Pedro, no entanto, foi tão maravilhoso que Enéias imediatamente se levantou e arrumou o seu leito, perambulou pela cidade, de maneira que todos os habitantes de Lida e Sarona, maravilhados, se converteram. As palavras de Hebreus 12.12 também lhes seriam muito apropriadas naquele momento: “restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos.


Tabita (corça ou gazela): O Senhor dá solução até mesmo para a morte (36-42)


Havia em Jope uma discípula por nome Tabita, nome este que, traduzido, quer dizer Dorcas; era ela notável pelas boas obras e esmolas que fazia. Ora, aconteceu, naqueles dias, que ela adoeceu e veio a morrer; e, depois de a lavarem, puseram-na no cenáculo. Como Lida era perto de Jope, ouvindo os discípulos que Pedro estava ali, enviaram-lhe dois homens que lhe pedissem: Não demores em vir ter conosco. Pedro atendeu e foi com eles. Tendo chegado, conduziram-no para o cenáculo; e todas as viúvas o cercaram, chorando e mostrando-lhe túnicas e vestidos que Dorcas fizera enquanto estava com elas. Mas Pedro, tendo feito sair a todos, pondo-se de joelhos, orou; e, voltando-se para o corpo, disse: Tabita, levanta-te! Ela abriu os olhos e, vendo a Pedro, sentou-se. Ele, dando-lhe a mão, levantou-a; e, chamando os santos, especialmente as viúvas, apresentou-a viva. Isto se tornou conhecido por toda Jope, e muitos creram no Senhor.


Tabita (ou, Dorcas), cujo nome significa “gazela”, símbolo de beleza e delicadeza, foi acometida de uma doença grave, e acabou falecendo. Como será que Tabita estava se sentindo nos últimos dias antes de sua morte? Como estavam se sentindo as pessoas, especialmente as viúvas que ela ajudava? Se fosse como hoje em dia, haveriam correntes de oração por aquela serva de Deus, muitas mensagens de consolo e de encorajamento, muitas “profecias” dizendo que ela iria sair dessa, pois “Deus está no controle”. Mas, no começo, parece que as orações não estavam sendo ouvidas. Pode ser que, de tanto pedir, e ver que a doença não regredia, muitos foram se conformando com a possibilidade de ficar sem a benfeitora.


Somente Deus tem poder sobre a vida, mas permite alguma flexibilidade em seus limites, de forma que, conforme a medicina vai avançando, o homem tem conseguido adiar e, em alguns casos, até reverter temporariamente a morte, como no caso da parada cardíaca, que


[...] ainda é, na maioria das vezes, fatal. Duas das decisões mais desafiadoras na ressuscitação cardíaca são quanto a manter os esforços de ressuscitação e quanto a interromper esforços inúteis. A aceitação e a implementação da ordem formal de não ressuscitar, fez deste um dilema de fim de vida menos frequente. Quando estas decisões devem ser tomadas durante o atendimento, elas devem ser baseadas em fatores não específicos do paciente (o estado pré-parada cardíaca do paciente), no grau de percepção da equipe de quando não é mais possível continuar os esforços de ressuscitação e na obrigação moral de preservar a dignidade humana.


Pozner CN, Martindale JL, Geyer BC. Cardicac Ressuscitation. ACP Medicine. 2012. Tradução: Keli Cristina Polese.Disponível em: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/acp-medicine/6372/ressuscitacao_cardiaca.htm Acesso em 21 abr. 2019.


A morte de Dorcas, para alguns, pode ter sido o final da esperança. Mas outros, seguindo o exemplo de Abraão, “esperando contra a esperança” (Rm 4.18), mandaram chamar Pedro, pois talvez pudesse fazer alguma coisa. E fez. A ordem de ressuscitá-la veio de Deus, por meio de resposta à consulta do apóstolo, em oração. A notícia do feito extraordinário levou à conversão de muita gente, na cidade de Jope.


Duas perguntas poderiam surgir em meio a este espetacular acontecimento: por que Deus ouviu a oração de Pedro, ressuscitando a Tabita, apesar de não ter ouvido a oração das viúvas anteriormente? Ou será que a presença de Pedro, como instrumento de Deus para operar o milagre da ressurreição, foi justamente a resposta à oração delas?


Simão, o curtidor (ouvido, atendido): O Senhor faz diluir preconceitos (43)


“Pedro ficou em Jope muitos dias, em casa de um curtidor chamado Simão”.


Simão, o curtidor, cujo nome significa “ouvido, atendido”, fazia o seu humilde, difícil e, para muitos, repugnante trabalho, mas teve a honra de hospedar o apóstolo Pedro em sua casa.


Simão não estava doente. Seu trabalho era a sua cruz, visto que sua profissão era alvo de muitos preconceitos. Por isso, podemos dizer que foi um milagre do cristianismo o fato de Pedro ter aceitado se hospedar na casa de um curtidor. O trabalho do curtidor se dá em várias etapas, conforme nos instrui alguns sites na Internet:


Salga: Processo este que permite ao couro ser transportado e armazenado por vários dias, já que a vida útil do couro após a esfola é de apenas 6 horas.


Remolho: Este processo permite a retirada do sal, utilizado para a conserva e inicia-se o primeiro passo para a transformação de pele em couro.


Depilação: Nesta etapa utiliza-se o enxofre em sua forma de sulfeto de sódio para dissolver os pelos, compostos quase totalmente por queratina, substância esta que é atacada pelo enxofre.


Caleiro: Este é o momento onde se adiciona cal hidratada para provocar o intumescimento das peles, a fim de promover a limpeza entre as fibras, permitindo que os próximos processos tenham maior eficácia.


Desencalagem: Após obter a limpeza entre fibras, retira-se esta cal, e inicia-se a acidificação das mesmas para então se iniciar o processo de curtimento.


Neste momento utiliza-se também alguns tipos de enzimas para auxiliar neste processo de retirados de substâncias que resistiram ao caleiro, a este processo damos o nome de PURGA.


Acidificação e Curtimento: Neste momento, fornecemos aos couros uma quantidade de ácidos inorgânicos para que possamos acertar o pH destas peles e então inicia-se o processo de curtimento que é a oferta de tanantes minerais (cromo, alumínio, titânio, zircónio etc...) ou vegetais ricos em taninos (casca de angico, barbatimão, castanheira, quebracho, mimosa, acácia, mirabolano, gambier etc).


Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Curtume?oldid=44545654 Acesso em: 29 mar. 2017.


Este ofício consistia em tratar a pele dos animais mortos com um tipo de pasta de visgo. Em seguida eram enrolados e ficavam assim até que os pelos se soltassem. Após essa etapa, retirava-se qualquer carne e gordura ainda existente para então se mergulhar a pele em uma solução de visto e sumagre.


Disponível em: http://www.insejecrib.com.br/estudos-biblicos/5a-licao-simao-o-curtidor/2 Acesso em: 29 mar. 2017.


O processo comum de curtir consistia em lavar as peles em água corrente e deixá-las, em seguida, durante vários dias, em banhos envelhecidos de água de cal, operação prévia da descabelagem. Depois de tratadas pela cal e depiladas, as peles eram novamente lavadas e mergulhadas num banho tanante obtido pela maceração de cascas de carvalho, folhas de sumagre, raízes, caules, etc. Nesse banho se curtiam, na longa permanência que durava mêses. Secavam-se, depois, ao ar e, por fim, engorduravam-se com óleos e sebo, tornando-se impermeáveis e flexíveis.


AMADO , António Peres Correia. A industria de curtumes: Evolução e Aspectos Químicos P. 210. Revista Portuguesa de Química, vol. I, Lisboa, 1958 Disponível em: http://www.spq.pt/magazines/RPQ/225/article/332/pdf Acesso em: 29 mar. 2017.


Como se pode imaginar pela descrição acima, quem tinha a profissão de curtidor provavelmente incomodava muito seus vizinhos com o forte odor, tanto do couro e dos resíduos a serem tratados, como dos produtos químicos utilizados no processo. Quanto aos judeus, o incômodo era ainda maior, visto que tinham uma preocupação adicional quanto à pureza cerimonial, imposta em sua lei.


Será que as pessoas da igreja, de maneira semelhante, têm em seus corações repulsas, não só de profissionais que fazem trabalhos sujos, mas também de quem não vem regularmente aos cultos, de quem se veste de determinadas maneiras, de quem pertence a essa ou aquela classe social, que vem de família nobre ou mora num bairro de má fama? Esse tipo de repulsa nós chamamos de preconceito.


Antigamente, achávamos normal termos conceitos pré-definidos a respeito de certos temas e de pessoas, mas de uns tempos para cá, o preconceito tornou-se um termo proibitivo. Apropriando-se dessa nova tendência, em alta posição na lista dos que sofrem preconceito, estão os homossexuais. Como é que nós, cristãos, devemos tratar esse assunto tão delicado? O homossexualismo é pecado, disso não temos dúvidas, mas como devemos ajudar os homens efeminados e as mulheres masculinizadas que porventura se convertem e vêm fazer parte de nossa comunidade? Como vamos conviver de modo natural com os seus trejeitos, os quais poderão, muito bem, estar presentes, mesmo que tenham abandonado o pecado do sexo ilícito? Cada vez que um homem ou mulher se expressar de um jeito peculiar, ou fizer atividades que classificamos como sendo do sexo oposto, isso será para nós uma tentação para tratar o irmão ou a irmã com desprezo e desconfiança.


Uma vez, um jovem crente, convertido do homossexualismo, empolgado com a vida cristã, movido pelas pregações emotivas que ouvia na igreja, decidiu se entregar a Deus para o ministério de tempo integral. Pediu demissão do trabalho e reuniu dinheiro suficiente para pagar seus próprios estudos num seminário bíblico. Para se matricular, porém, precisava do apoio expresso, por escrito, de sua igreja. A igreja ficou então dividida em suas opiniões. Alguns achavam que não era bom, que o rapaz seria tentado e, ao mesmo tempo, seria uma tentação aos demais alunos com quem deveria conviver intimamente nas salas de aula, nas atividades estudantis e nos alojamentos durante, pelo menos, quatro anos. Outros achavam que a igreja devia dar-lhe todo o apoio pois, afinal, ele se convertera, e nada o desabonava em sua conduta, tendo demonstrado fidelidade na assistência aos cultos e no serviço cristão desde sua conversão até aquele momento. Se Deus tinha transformado sua vida, se é verdade que, ao confessarmos os nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar e nos purificar de toda injustiça (1 João 1.9), então porque deveria a igreja tratar um convertido do homossexualismo de forma diferente de um convertido da promiscuidade, do adultério, da idolatria?


O debate na igreja não aconteceu abertamente, mas ficou implícito na atitude discrepante dos líderes, por quem o jovem foi aconselhado sobre sua importante decisão. Aconteceu que, repentinamente e inexplicavelmente, ele desistiu do seminário. Desistiu também da igreja e da vida cristã. Numa noite, após o culto, chamou o pastor para uma conversa particular e disse que havia decidido voltar à sua vida anterior de pecado, e por isso achou justo fazer essa comunicação e entregar sua carta de demissão à igreja.


Que sentimentos deveriam afluir desse acontecimento? Sentimento de alívio porque o seminário ficou livre de um aluno problemático? Sentimento de pesar porque a igreja perdeu um jovem promissor, cujo testemunho de conversão havia rendido, por breve tempo, muitas glórias a Deus? Sentimento de culpa porque não tratou devidamente de uma questão de preconceito, que levou um pequenino a tropeçar na fé? Deus há de revelar, no dia do juízo, que tipo de sentimento esse acontecimento deveria gerar na igreja, mas é fato que todos eles, e outros mais, foram gerados.


Conclusão


Vimos, neste parágrafo de Atos, que Pedro foi protagonista na realização de três grandes milagres, dois dos quais eu e você, provavelmente, nunca iremos operar em toda a nossa vida. Mas, se pudéssemos classificar milagres pelo seu nível de dificuldade, deveríamos colocar o milagre de se desvencilhar de preconceitos maliciosos e nocivos como o mais difícil de todos, visto que depende muito mais da fé daquele que Deus escolhe para ser o seu protagonista.


Este milagre, porém, é o mínimo que se espera ver em cada um de nós. Jesus disse em João 13.35: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros”. Pouco depois, em João 14.12, também falou: “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai”. Deus nos deu poder, ao descer sobre nós o Espírito Santo (Atos 1.8), poder de não nos conformarmos com esse século, mas de nos transformarmos pela renovação de nossa mente (Romanos 12.2).


(*) Imagem no cabeçalho disponível em: https://br.sputniknews.com/europa/2019041813710623-notre-dame-causas-incendio/ Acesso em 21 abr. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

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