domingo, 19 de maio de 2019

Aceitável (Atos 10.1-8)

Alguns anos atrás, a população ficou alarmada com rumores de que um jogo muito popular entre crianças e adolescentes, chamado Baleia Azul, os estava levando a cometerem suicídio. De fato, o risco é real, não só pelo fenômeno do jogo em questão, mas também por outros estímulos, quando a ansiedade por ser aceitável em seu grupo de relacionamento acaba levando as pessoas a cometerem loucuras. Um grande problema entre nós, seres humanos, é o medo de não sermos aceitos pela sociedade. Mas, será que as pessoas se preocupam também com a possibilidade de não estarem sendo aceitas por Deus? Cornélio é o exemplo de um homem que se tornou aceitável, ou seja, se tornou um candidato a ser aceito por Deus. Neste parágrafo de Atos 10.1-8, encontramos pelo menos três virtudes de Cornélio que o tornaram aceitável para Deus.


Primeira virtude: Piedade (1,2)


“Morava em Cesaréia um homem de nome Cornélio, centurião da coorte chamada Italiana, piedoso e temente a Deus com toda a sua casa e que fazia muitas esmolas ao povo [...]”


Um homem piedoso tem vantagens quando se trata de aceitação, pois é visto por Deus de um jeito especial, conforme 2ª Pedro 2.9, que diz: “[...] o Senhor sabe livrar da provação os piedosos e reservar, sob castigo, os injustos para o Dia de Juízo”.


Mas não é qualquer tipo de piedade que comove a Deus. Jesus, inclusive, adverte em Mateus 6.2 que, quando “[...] deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita”. E Paulo vai mais longe em 1ª Coríntios 13.3, ao dizer: “[...] ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará”.


A pesquisadora Maria da Conceição Meireles Pereira, num estudo sobre as publicações que sucederam o terremoto de Andaluzia, em 1885, analisa a diferença entre os conceitos de caridade e filantropia e, citando uma das publicações analisadas, observa que um correspondente chamado “[...] Lúcio Fazenda recusa os vocábulos caridade e filantropia porque identifica a primeira com hipocrisia e a segunda com egoísmo; propõe, em sua substituição, os conceitos que elege para título do seu texto: Reciprocidade ou Solidariedade”


PEREIRA , Maria da Conceição Meireles. Caridade Versus Filantropia - Sentimento e Ideologia: A Propósito dos Terramotos da Andaluzia (1885). Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal, 2004. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5016.pdf Acesso em: 23 abr. 2017.


Este ceticismo das pessoas com respeito à suposta piedade de alguns pode se justificar em casos como o mencionado numa reportagem da Gazeta do Povo de 17/05/2009, onde lemos que


“[...] Cerca de 330 mil peças de roupas e alimentos doadas para os atingidos das enchentes em novembro e dezembro do ano passado, em Santa Catarina, foram apreendidas em um galpão, anexo a um brechó, na cidade de Rio Negrinho, no Planalto Norte do estado. O empresário e dono do brechó, Ismael Evelson Ratzkob, 37 anos, foi preso em flagrante. Em depoimento, ele informou para a polícia que pegava os produtos em Ilhota, uma das cidades mais atingidas pela tragédia, e os levava para um depósito particular onde vendia peças para a população por até R$ 1. Ismael teve prisão temporária decretada”.


Doações a SC eram vendidas em brechó. Folhapress, em Gazeta do Povo, 17/05/2009. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/doacoes-a-sc-eram-vendidas-em-brecho-bl0ovwxbqt2uytmglwgq0vbda Acesso em 23 abr. 2017.


Às vezes é difícil decidir sobre como vamos praticar a nossa piedade. A prática mais comum é a de dar esmolas, mas existem controvérsias como as que são expostas no artigo de Nathália Braga, da Revista Super Interessante que, em 18/02/2011, compila algumas respostas à pergunta: “Devemos dar esmolas?”:


“A indiferença é a forma contemporânea da barbárie. É preferível dar porque, às vezes, o que você dá é a diferença entre ter ou não uma oportunidade. Ainda que seja só a oportunidade de comer.”


Rita Amaral, doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo.


“Acho errado. Esmola vicia e leva a pessoa a viver na condição de se acomodar com o pouco que recebe.”


Içami Tiba, Psiquiatra, educador e autor de quem ama educa.


“Depende. Nunca dou dinheiro, mas pago uma refeição. Solidariedade é um dever ético – repartir uma porção do que tem com um amigo em dificuldade é o princípio bíblico do dízimo.”


Frei Betto, Teólogo e escritor.


“Não. A esmola pode aliviar situações de extrema necessidade, mas não contribui para transformar a condição de miserabilidade dos pedintes.”


Waldir Mafra, da care Brasil, Ong que combate a pobreza.


“As pessoas acham que mendigo gosta de pedir, mas eu não gosto. Sei que esse não é o único jeito de viver, mas ainda não vejo outra saída. Se mais gente me ajudasse, talvez eu saísse dessa situação.”


Carla, moradora de rua.


BRAGA, Nathália. Devemos dar esmolas? Revista Super Interessante, 18/02/2011. Disponível em: http://super.abril.com.br/comportamento/devemos-dar-esmolas/ Acesso em: 23 abr. 2017.


O fato é que Cornélio já havia tomado a decisão de ser piedoso, e a maneira principal de praticar sua piedade era fazer “muitas esmolas ao povo”, pelo que se tornou aceitável, tanto pelos homens quanto por Deus.


Segunda Virtude: Fidelidade (2-6)


[...] e, de contínuo, orava a Deus. Esse homem observou claramente durante uma visão, cerca da hora nona do dia, um anjo de Deus que se aproximou dele e lhe disse: Cornélio! Este, fixando nele os olhos e possuído de temor, perguntou: Que é, Senhor? E o anjo lhe disse: As tuas orações e as tuas esmolas subiram para memória diante de Deus. Agora, envia mensageiros a Jope e manda chamar Simão, que tem por sobrenome Pedro. Ele está hospedado com Simão, curtidor, cuja residência está situada à beira-mar.


A fidelidade de Cornélio pode ser notada pelo fato de ele orar continuamente a Deus, e foi justamente nesta prática, na oração da “hora nona” (15 horas, em nosso modelo de nomenclatura atual), é que recebeu a visita do anjo de Deus. Somos exortados pela Bíblia a andarmos na mesma prática fiel, pois a oração é tida por Deus como “sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hebreus 13.15).


A fidelidade é o que nós esperamos uns dos outros. Ao nos casarmos, diante de Deus e das testemunhas, prometemos fidelidade. No nosso trabalho, o patrão espera que sejamos fiéis, tanto para chegar nos horários combinados, quanto para executar adequadamente as nossas tarefas. Os trabalhadores, por sua vez, esperam que o transporte coletivo seja fiel em passar nos horários determinados, e em levá-los para os locais programados. A sociedade, em geral, enaltece aqueles que são fiéis, mas rejeita os infiéis.


Quando um cristão decide ser fiel, é porque quer se assemelhar ao seu Pai, pois, “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1ª João 1.9). A fidelidade de Deus também não deixa que sejamos tentados além de nossas forças (1ª Coríntios 10.13). Gosto muito do Salmo 19 (1-6), que exalta, entre outros atributos, a fidelidade de Deus, ao cantar que


Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol, o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho. Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor.


A terra gira em torno do seu próprio eixo a uma velocidade aproximada de 1700 km/h, e muitos se perguntam: “e se um dia a terra parar?”. É certo que haveria muitas catástrofes, e possivelmente a extinção da vida. Mas todos os dias acordamos e lá está o sol, revelando a glória e a fidelidade de Deus, em manter a terra em movimento, para que continuemos a vida.


A segunda parte do Salmo 19 (7-14) fala da Palavra de Deus (a lei, os preceitos, o temor) e do desejo do salmista de, em contrapartida, também ser fiel ao seu Redentor, o que nós todos, igualmente, deveríamos buscar para que, como Davi ou Cornélio, nos tornemos aceitáveis a Deus.


Terceira virtude: Humildade (7-8)


“Logo que se retirou o anjo que lhe falava, chamou dois dos seus domésticos e um soldado piedoso dos que estavam a seu serviço e, havendo-lhes contado tudo, enviou-os a Jope”.


Cornélio, sendo um importante centurião da coorte, não se deixou dominar pela arrogância. Antes, humildemente, enviou três dos seus servos, cuidadosamente escolhidos, para solicitar a presença do apóstolo Pedro, conforme orientado pelo anjo.


A humildade é requerida dos cristãos em Romanos 12.16, que diz: “Tende o mesmo sentimento uns para com os outros; em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que é humilde; não sejais sábios aos vossos próprios olhos”, e é uma virtude ensinada pelo exemplo do próprio Senhor Jesus que, certa vez, declarou : “[...] sou manso e humilde de coração [...]” (Mateus 11:29).


São muitos, porém, os que escolhem o caminho da arrogância. Talvez o maior exemplo disto, na história, seja a do partido Nazista de Hitler, que popularizou e fez sua própria aplicação macabra da teoria da “Raça Ariana”. Numa matéria da revista Mundo estranho, em abril de 2011, lemos que este


É um conceito surgido no século 19 e que hoje está desacreditado. “A raça ariana seria supostamente a linhagem ‘mais pura’ dos seres humanos, constituída apenas por indivíduos altos, fortes, claros e inteligentes, representando assim, de acordo com critérios arbitrários, uma raça superior às demais”, afirma o biólogo Danilo Vicensotto, da Universidade de São Paulo (USP). A palavra “ariano” deriva de arya (“nobre”, em sânscrito) e serviu para denominar um povo de origem controversa. “Na verdade, os arianos não são uma raça, e sim um grupo lingüístico, mais conhecido como indo-europeu”, diz o historiador Robert Rozett, da biblioteca Yad Vashem, em Israel.


Em meados do século 19, o diplomata e escritor francês conde de Gobineau propôs o conceito de ‘raça ariana’, defendendo a superioridade dos brancos sobre negros, amarelos e semitas. Gobineau classificava como ‘arianos’ os povos nórdicos e germânicos, que para ele representavam o ápice da civilização, sendo responsáveis por todo o progresso da humanidade ao longo da história. As idéias do conde francês tiveram aceitação na Europa da época, em especial entre intelectuais alemães. Na Alemanha do século 20, o conceito foi assimilado pelo Partido Nazista e por seu líder Adolf Hitler, servindo de base para a política de extermínio de judeus e de outros ‘povos não-arianos’.”


O que é a Raça Ariana? Por “Redação Mundo Estranho”, Site Super Interessante ,18/04/2011. Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/historia/o-que-e-a-raca-ariana/ Acesso em: 23 abr. 2017.


Talvez alguns cristãos achem que somos uma espécie de “Raça Ariana”, e que somos superiores aos demais pecadores. Mas não é isto o que a Bíblia ensina. Tiago (4.6) alerta para o fato de que “[...] Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes”. O apóstolo Pedro, em sua primeira carta (5.5), também faz um apelo à humildade: “[...] outrossim, no trato de uns com os outros, cingi-vos todos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, contudo, aos humildes concede a sua graça”. Portanto não devemos, nunca, nos jugarmos melhores do que ninguém, se quisermos estar entre aqueles que recebem a graça de Deus, a qual Cornélio, tendo sido julgado aceitável, humildemente recebeu.


Conclusão


Você tem o desejo de ser aceitável no seu grupo de relacionamento? E quanto a Deus, você se considera aceitável para ele? Ser aceitável não significa ser, necessariamente, aceito. Cornélio podia ser aceitável, mas um anjo lhe foi enviado, para avisar que chamasse Simão Pedro, para que ouvisse a mensagem do evangelho, para que, crendo, fosse finalmente aceito por Deus. Você já foi aceito por Deus? Pode ser que você não tenha sido piedoso em sua vida, como deveria; não tenha sido fiel em ler a Bíblia e orar, ou não tenha se tornado aceitável por meio da humildade, reconhecendo que é um pecador, arrependendo-se e convertendo-se pela fé no evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas hoje pode ser o tempo “sobremodo oportuno”, e o “dia da salvação” (2ª Coríntios 6.2).


Quanto aos que têm consciência de que já foram aceitos por Deus, continuem dignos da vocação a que foram chamados, buscando o que é aceitável para Deus, exercitando a piedade, a fidelidade e a humildade.


(*) Imagem do cabeçalho disponível em: http://www.psicologoroberte.com.br/aceitacao/ Acesso em 19 maio 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.


 

Um comentário:

  1. Impactante artigo! Dar ou não esmola? Confesso que tenho dificuldade em dar: Ralei para conquistar este dinheiro, a pessoa beneficiada vai dar valor a isto? Fará bom proveito? E principalmente porque dói tanto dar 1 real ou 10 reais? Esse meu apego aos bens materiais vai me levar a onde? Esta semana tive a oportunidade de enxergar o quão é importante estarmos ciente sobre isto, recebi uma proposta de emprego onde ganharia bem menos porém aprenderia muito mais. Se você não tem o exercício rotineiro de praticar seus valores nas pequenas coisas, quando se deparar com as grandes vai estar despreparado. Acredito que isso vale para tudo, desde a empatia por outro ser humano, até jogar um papel de bala no chão.
    Me esforço para fazer ao menos a minha parte.

    Este artigo me fez pensar.

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