segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Longevidade (Atos 13.42-52)

Todas as pessoas que eu conheço falam da vida como algo a ser preservado. Todos gostariam de ter uma vida longa desde que tenham saúde, é claro. A principal aliada nesta busca por uma vida longa e saudável é a medicina, que tem alcançado considerável progresso nesta missão, especialmente nos últimos séculos. Qual será o limite, afinal, para prolongar a vida humana através dos recursos da medicina? Uma matéria da revista Super Interessante[1], em 2005, conta que

O biogerontologista inglês Aubrey de Grey está convencido de que o envelhecimento é um processo biológico que pode perfeitamente vir a ser controlado, da mesma forma que a ciência já conseguiu combater muitas doenças que antes eram tidas como incuráveis.  [...]. [...] Para estimular as pesquisas sobre a longevidade, De Grey criou há alguns anos a Fundação Matusalém. [...] E, aplicando-se o conhecimento adquirido com essas experiências, até 2030 já será possível aumentar a expectativa de vida do homem para algo em torno de 130 anos – quase o dobro da média mundial atual. [...] Sobre o assunto, cientistas reunidos em um painel promovido há alguns anos pela revista Scientific American não deram motivos para muito otimismo: considerando todas as conquistas iminentes, como a terapia gênica e a possibilidade de substituição de quase todos os órgãos naturais, e mesmo a hibernação humana, a expectativa de vida no planeta alcançará, quando muito, 140 anos… Em 2500!

A Bíblia acrescenta, porém, que, para ter vida longa, é preciso se submeter às leis de Deus. O ser humano sempre quis a vida para aproveitar, mas constantemente tem ignorado a presença de Deus na sua vida. Com otimismo científico poderá acreditar que viverá 130 anos, mas a Bíblia nos fala de um motivo muito maior para otimismo, pois oferece aos homens não só uma vida longa, mas a verdadeira vida eterna para aqueles que forem “dignos” dela. Este parágrafo de Atos 13.42-52 nos apresenta pelo menos quatro exigências para que alguém seja digno da vida eterna.

É preciso perseverar (42,43)

“Ao saírem eles, rogaram-lhes que, no sábado seguinte, lhes falassem estas mesmas palavras. Despedida a sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos piedosos seguiram Paulo e Barnabé, e estes, falando-lhes, os persuadiam a perseverar na graça de Deus”.

Paulo e Barnabé persuadiram os que o tinham seguido a perseverarem na graça de Deus. Sabiam que alguns creem somente por pouco tempo, e depois se desviam, como uma semente “que caiu sobre a pedra”, que, “ouvindo a palavra, a recebem com alegria”, mas “não têm raiz, creem apenas por algum tempo e, na hora da provação, se desviam” (Lucas 8.13). Estes não serão salvos, pois Jesus disse: “Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mateus 10.22; 24.13). João também tinha esta consciência, pois ensinou, de modo semelhante, em 1ª João 3.6,9: “Todo aquele que permanece nele não vive pecando; todo aquele que vive pecando não o viu, nem o conheceu [...] Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus”.

Mas a perseverança, por si só, não seria suficiente para se alcançar a vida eterna, pois ainda há outras exigências, como veremos a seguir.

É preciso crer (44-46)

No sábado seguinte, afluiu quase toda a cidade para ouvir a palavra de Deus. Mas os judeus, vendo as multidões, tomaram-se de inveja e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava. Então, Paulo e Barnabé, falando ousadamente, disseram: Cumpria que a vós outros, em primeiro lugar, fosse pregada a palavra de Deus; mas, posto que a rejeitais e a vós mesmos vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios.

Paulo pregou ousadamente a palavra de Deus, mas os judeus foram rebeldes, rejeitaram a palavra, e se julgaram “indignos da vida eterna”.

Quem não crê no evangelho já está julgado (João 3.18), e a si mesmo se dá a sentença de indigno da vida eterna. Eles ouviram a palavra da salvação, mas não creram, e por isto não foram salvos. É preciso crer para ser digno da vida eterna, conforme é dito também em Romanos 10.9,10: “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação”; e em Efésios 2.8,9: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”.

John Wesley[2], dezoito dias depois de sua conversão, em 1738, pregou um sermão diante da Universidade de Oxford. Neste sermão ele rebate algumas objeções à doutrina da salvação pela fé, e num determinado ponto ele diz:

Quando nenhuma objeção ocorre, então, simplesmente nos dizem que a salvação pela fé não deveria ser pregada como primeira doutrina, ou, pelo menos, não deve ser pregada a todo o mundo. Mas o que diz o Espírito Santo? “Ninguém poderá lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo”. Portanto, o fato que “todo aquele que nele crê será salvo” é, e deve ser, o fundamento de toda nossa pregação [...].

[....] “Está bem, mas não a todos”. A quem, então, não devemos pregar essa doutrina? Aos pobres? Não, pois eles têm um peculiar direito de ter o evangelho pregado a eles. Aos iletrados? Não. Deus revelou essas coisas aos iletrados e ignorantes desde o começo. Aos jovens? De forma alguma. Deixem que estes, de qualquer modo, venham a Cristo e não os impeçam. Aos pecadores? Aos pecadores muito menos. Ele não veio chamar justos e, sim, pecadores ao arrependimento.

Então, se vamos excluir alguns, os ricos, os letrados, os de boa fama e os homens de integridade moral. É verdade que estes, frequentemente demais, excluem a si de ouvir. Ainda assim, devemos falar as palavras de nosso Senhor, porque assim é o propósito da nossa comissão: “ide e pregai o evangelho a toda a criatura”.

Wesley se esforçou muito, dedicando a sua vida ao progresso do evangelho, pois tinha convicção de que, sem fé no verdadeiro evangelho, ninguém se tornaria digno da vida eterna. Mas ainda existem outras exigências, e veremos isto a seguir.

É preciso ser escolhido por Deus desde a eternidade (47,48)

“Porque o Senhor assim no-lo determinou: Eu te constituí para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação até aos confins da terra. Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”.

Alguém pode dizer: e agora? E se eu não fui escolhido por Deus? Nada do que eu faça vai mudar o que Deus determinou desde a eternidade. “Insensatos!” diria Paulo. Por acaso Deus não é eterno? Ele não é soberano? Uma coisa nós nunca vamos entender completamente, enquanto vivermos sobre a terra: o fato de que Deus não está sujeito ao nosso modo de perceber o tempo, como passado, presente e futuro.

O tempo de Deus é diferente, como costuma dizer reiteradamente o pastor de nossa igreja, em seus sermões: o nosso tempo é “cronos”, mas o tempo de Deus é “kairós”.

Deus disse a Moisés: “Riscarei do meu livro todo aquele que pecar contra mim” (Êxodo 32.33). Disse também ao anjo da igreja de Sardes: “O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida” (Apocalipse 3.5). No dia do fim do mundo, acontecerá que “se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida”, esse será “lançado para dentro do lago de fogo” (Apocalipse 20.15).

Ora, se Deus é eterno, se somente ele pode se chamar “Eu Sou”, o tempo decorrido desde a eternidade, quando ele escreveu em seu livro quem seriam os “eleitos”, só tem sentido para nós, humanos. Considerando que Deus não está limitado ao nosso tempo, por ser eterno, é como se ele estivesse neste momento com o livro e a caneta na mão, olhando para mim e para você. O Deus eterno, o Deus soberano, aquele que inscreve a quem quer, e risca a quem quer, está olhando para mim e para você. Supliquemos, portanto: “Senhor, escreve meu nome na tua lista, considera-me como um de seus eleitos”.

Quando falamos de Cristo para alguém, e o levamos a orar “aceitando a Cristo como seu Senhor e Salvador”, achamos que, se a pessoa orou com sinceridade e fé, Deus escreveu, naquele momento, o seu nome no livro da vida. Que nada! Estava escrito desde a eternidade, como nos afirma, por exemplo, Efésios 1.4-11:

[...] assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça, que Deus derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência, desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu, como as da terra; nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade.

Deus misericordioso permita que eu e você estejamos entre estes escolhidos, pois a sua vontade é soberana.

Existe ainda uma última exigência, mencionada neste parágrafo bíblico, para que alguém seja digno da vida eterna.

É preciso nascer de novo, pelo Espírito Santo (49-52)

E divulgava-se a palavra do Senhor por toda aquela região. Mas os judeus instigaram as mulheres piedosas de alta posição e os principais da cidade e levantaram perseguição contra Paulo e Barnabé, expulsando-os do seu território. E estes, sacudindo contra aqueles o pó dos pés, partiram para Icônio. Os discípulos, porém, transbordavam de alegria e do Espírito Santo.

Paulo e Barnabé foram vítimas da inveja e consequente perseguição por parte dos poderosos incrédulos, e os discípulos que creram na pregação e se converteram, certamente foram atingidos por algum tipo de discriminação e violência, mas, em vez de se lamentarem, ficaram transbordantes de alegria e do Espírito Santo. Isto é o que acontece com todo o que é nascido de novo.

Este estado de espírito pode, no entanto, ser imitado sem que o milagre do novo nascimento tenha de fato ocorrido. É possível falsificar evidências, aparentando uma perseverança na graça, uma fé piedosa, um comportamento digno de quem é eleito de Deus. Mas tudo isso pode não passar de coisas exteriores.

Janes e Jambres, tradicionalmente apontados como os magos de Faraó, que imitaram os milagres de Moisés, e que foram citados em 2ª Timóteo 3.8, são um exemplo de que grandes milagres podem ser simulados por poderes que não são do Deus verdadeiro.

Quando Nicodemos procurou Jesus, possivelmente estava vivendo uma ilusão a respeito de seu verdadeiro relacionamento com Deus, até que ouviu do Mestre: “se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus [...]. O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito” (João 3.3,6).

Para ser digno da vida eterna, é preciso nascer de novo, e assim evidenciar os frutos do Espírito, dentre os quais está a alegria (Efésios 5.22), a qual é independentemente das circunstâncias. Isto aconteceu com discípulos convertidos em Antioquia.

A alegria que vem do Espírito é um “termômetro” que mede a “temperatura” da nossa fé. Quando alguém nos prejudicar, quando alguém nos ofender, quando alguém nos deixar tristes, decepcionados, quando alguém nos perseguir, sendo nós pessoas nascidas do Espírito, lembremo-nos de que Jesus nos considera bem aventurados justamente por este motivo (Mateus 5.10,11). Então, transbordemos de alegria e do Espírito Santo!

Conclusão

Já que, como todos os seres humanos, buscamos a longevidade com saúde, além de nos valermos da medicina, lembremo-nos também de que, quando participamos da Ceia do Senhor, somos advertidos para não participar dela indignamente, sob a pena de ficarmos doentes ou até morrermos. Quando Paulo instruiu a igreja a respeito da Ceia do Senhor, ela era celebrada semanalmente, ou seja: em todos os cultos de domingo. Nós a celebramos, solenemente, uma vez por mês.

A ideia da Ceia é que nos lembremos que Jesus morreu por nós, dando seu corpo para ser crucificado, como se fosse um trigo moído num moinho, para nos dar o alimento, e por isto o seu corpo é simbolizado pelo pão; igualmente é para nos lembrarmos de que Jesus derramou o seu sangue, simbolizado pelo vinho, selando a Nova Aliança que Deus fez conosco, para nos dar a vida eterna.

Mas, embora a Ceia possa ser celebrada uma vez por mês, todo domingo, em tese, devemos nos lembrar do que ela representa. É como se, todo o domingo, no culto, celebrássemos a Ceia do Senhor. A aliança de salvação que ela representa, a lembrança da morte de nosso Senhor, deve estar presente todos os domingos. Então, ao irmos à igreja semanalmente, apropriemo-nos daquela famosa advertência de Paulo em 1ª Coríntios 11.27, para não participarmos do culto ao Senhor indignamente.

Para termos longevidade e nos mostrarmos dignos da vida eterna, compareçamos na presença do Senhor com perseverança, com uma fé piedosa, com um comportamento digno de quem é eleito de Deus, e genuinamente nascido do Espírito Santo.

Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, outubro de 2020.

[1] DEMARCHI,Célia.Quem quer viver 1 000 anos? Super Interessante, 28/02/2005. Disponível em: https://super.abril.com.br/saude/quem-quer-viver-1-000-anos/ Acesso em 24 out. 2017.

[2] WESLEY, John. A Salvação pela Fé. Sermão apresentado na Universidade de Oxford, 11 de junho de 1738. Disponível em: http://www.metodista.org.br/content/interfaces/cms/userfiles/files/documentos-oficiais/SERMAO_1_A_SALVACAO_PELA_FE.pdf Acesso em 23 out. 2017.

(*) Foto do cabeçalho disponível em: https://www.casaderepousobrilhodosol.com.br/2019/01/11/os-segredos-da-longevidade/ Acesso em 26 out. 2020.

(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

.

 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Uma palavra profética (Atos 13.27-41)

Recebi uma mensagem de um amigo, em 2017, perguntando minha opinião sobre um artigo[1], o qual dizia que o mundo ia acabar dia 23 de setembro. Como a minha formação escatológica é pré-milenista, não precisava nem ler o artigo para respondê-lo, bastou eu dar-lhe minha resposta padrão: a de que, no mínimo, o mundo iria durar até 3017 (ou 3024, se contarmos a grande tribulação), pois Jesus ainda não voltara para estabelecer o seu reino milenar literal.

As profecias chamam a atenção, empolgam multidões. Quem não gosta de presenciar acontecimentos extraordinários? Ao apresentar o evangelho aos judeus e prosélitos de Antioquia da Psídia, Paulo os faz relembrar três importantes profecias.

A Profecia da cruz (27-29)

[..] Pois os que habitavam em Jerusalém e as suas autoridades, não conhecendo Jesus nem os ensinos dos profetas que se leem todos os sábados, quando o condenaram, cumpriram as profecias; e, embora não achassem nenhuma causa de morte, pediram a Pilatos que ele fosse morto. Depois de cumprirem tudo o que a respeito dele estava escrito, tirando-o do madeiro, puseram-no em um túmulo.

O renomado pastor Paul Washer, num sermão intitulado “A Cruz de Cristo”[2], enfatiza que a morte de Cristo não foi simplesmente a morte de um mártir, pois “Ele foi abandonado por Deus e moído debaixo da ira Dele em seu lugar”. Ele foi desamparado por Deus, conforme Marcos 15.34, onde o Senhor Jesus cita o Salmo 22, que diz nos versos 1 a 6:

Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que se acham longe de minha salvação as palavras de meu bramido? Deus meu, clamo de dia, e não me respondes; também de noite, porém não tenho sossego. Contudo, tu és santo, entronizado entre os louvores de Israel. Nossos pais confiaram em ti; confiaram, e os livraste. A ti clamaram e se livraram; confiaram em ti e não foram confundidos. Mas eu sou verme e não homem; opróbrio dos homens e desprezado do povo (Salmo 22.1-6).

O sermão do pastor continua dizendo:

Jesus clama, perguntando ao Pai por que o desamparara. Esse desamparo não é simbólico nem poético. É real! [...] Nunca houve um só momento na história em que o povo pactual de Deus houvesse visto um homem justo clamando a Deus sem ser resgatado. No entanto, o Messias sem mancha dependura-se do madeiro completamente desamparado. [...] Ele tinha se convertido em um verme, e já não era homem. Por que o Messias utilizaria tal linguagem pejorativa consigo mesmo? [...] o Senhor tinha feito que toda nossa iniquidade caísse sobre Ele, e como um verme, Ele foi desamparado e moído em nosso lugar.

O pastor lembra que, semelhantemente, em outras passagens, metáforas comparam o Santo Filho de Deus a uma serpente levantada no deserto (Números 21.8). “O homem morre do veneno de seu próprio pecado”, mas “Deus colocou a causa de nossa morte sobre Seu próprio Filho ao levantá-lo alto sobre a cruz”. Outra metáfora o compara ao “cordeiro expiatório que carregava o pecado e que era deixado a ir morrer sozinho no deserto”, o famoso bode expiatório, mencionado em Levítico 16.21.

O sermão ainda continua:

Não é assombroso que um verme, uma serpente venenosa, e um cordeiro sejam postos como tipos de Cristo? [...] Seria blasfemo se não viesse dos santos do Antigo Testamento ― inspirados pelo Espírito Santo (2ª Pedro 1.21). [...] Temos escutado essas verdades antes, porém, as consideramos o suficiente para sermos quebrantados? Na cruz, Ele que é declarado ― santo, santo, santo pelo coro dos serafins, se fez pecado. [...] Ele morreu sob a ira de Deus. [...] Imaginem duas pedras de moinho, uma girando acima da outra. Imaginem que entre as pedras existe um grão de trigo que é esmagado pelo grande peso. Primeiro, é moído até ser irreconhecível, e depois suas partes internas são espalhadas e moídas ao pó. Não há esperança de removê-lo ou reconstruí-lo. Tudo se perdeu e está irreparável. De igual maneira, ao SENHOR agradou moê-lo (Isaías 53:10). [...] não é que Deus se tenha agradado ou encontrado prazer no sofrimento de Seu amado Filho, mas por sua morte, a vontade de Deus se cumpriu. Nenhum outro meio tinha poder de remover o pecado, satisfazer a justiça, e apaziguar a ira de Deus contrária a nós.

Washer lembra da linda história do quase sacrifício de Isaque, no monte Moriá (Deus proverá). O acontecimento do Antigo Testamento prefigurava o que ia acontecer com Cristo. Mas,

Diferente de Isaque, não havia carneiro que morresse em Seu lugar. Ele era o cordeiro que morreria pelos pecados do mundo. Ele é a provisão de Deus para a redenção de Seu povo. [...] É uma injustiça ao Calvário que a verdadeira dor da cruz frequentemente é passada por alto por um tema romântico e menos poderoso. Frequentemente é pregado que o Pai olhou desde o céu e testemunhou o sofrimento que era acumulado sobre Seu Filho por mãos humanas, [...] o crente é salvo não só porque Cristo pagou pelo que fizeram os homens a Cristo na cruz, mas pelo que Deus fez a Ele. Ele o moeu sob toda a força de Sua ira contra nós.

O apóstolo Paulo, falando na sinagoga de Antioquia, os faz lembrar desta importante profecia da Cruz, a qual eles deviam conhecer. Mas, mesmo sem conhecê-la, ou talvez por isso mesmo, eles a cumpriram. Jesus fala na presença do próprio traidor, em Marcos 14.21: “Pois o Filho do Homem vai, como está escrito a seu respeito; mas ai daquele por intermédio de quem o Filho do Homem está sendo traído! Melhor lhe fora não haver nascido!”

Um filósofo chamado Santayana disse, em 1905[3]: “Aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Se nós não considerarmos devidamente a gravidade e a solenidade desta profecia da Cruz, podemos repetir o mesmo erro dos traidores de Jesus, conforme a advertência no livro de Hebreus 6.6, dada aos que já foram iluminados pela palavra de Deus, mas caíram, de que “é impossível outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia”.

Profecia da ressurreição (30-37)

Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos; e foi visto muitos dias pelos que, com ele, subiram da Galileia para Jerusalém, os quais são agora as suas testemunhas perante o povo. Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais, como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei. E, que Deus o ressuscitou dentre os mortos para que jamais voltasse à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei a vosso favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi. Por isso, também diz em outro Salmo: Não permitirás que o teu Santo veja corrupção. Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção. Porém aquele a quem Deus ressuscitou não viu corrupção.

Prosseguindo em seu discurso na sinagoga, Paulo os faz lembrar da profecia da ressurreição do Messias, e afirma que ela foi cumprida em Jesus, de acordo com o testemunho dos apóstolos e centenas de outros discípulos, a maioria ainda viva naquele momento.

Dizem os especialistas que a ressurreição de Cristo é o fato mais comprovado da história. Não há fato histórico que reúna mais provas de ser verdadeiro, do que a ressurreição de Cristo. Ainda assim, arqueólogos e outros cientistas continuam procurando evidências pró ou contra este fato. Uma notícia veiculada no Portal Terra[4], em fevereiro de 2012, diz que

Um grupo de arqueólogos e especialistas em assuntos religiosos apresentou em Nova York as conclusões de uma pesquisa que apresenta indícios da ressurreição de Jesus a partir de um túmulo localizado em Jerusalém há três décadas. [...] O túmulo em questão foi descoberto em 1981 durante as obras de construção de um prédio no bairro de Talpiot, situado a menos de 4 km da Cidade Antiga de Jerusalém. Um ano antes, neste mesmo lugar, foi encontrado um túmulo que muitos acreditam ser de Jesus e sua família. Ao lado do professor de Arqueologia Rami Arav, da Universidade de Nebraska, e do cineasta canadense de origem judaica Simcha Jacobovici, Tabor conseguiu uma permissão da Autoridade de Antiguidades de Israel para escavar o local entre 2009 e 2010. Em uma das ossadas encontradas, que os especialistas situam em torno do ano 60 d.C., é possível ver a imagem de um grande peixe com uma figura humana na boca, que, segundo os pesquisadores, seria uma representação que evoca a passagem bíblica do profeta Jonas. [...] O professor reconhece que suas conclusões são "controversas".

De fato, este achado arqueológico pode demonstrar que aqueles que sepultaram os corpos também criam que Jesus havia ressuscitado, assim como simbolizava o milagre de Jonas e o grande peixe, mas eu concordo com o professor, em que as conclusões são controversas e que esta evidência é muito frágil para ser tomada como prova da ressurreição de Jesus. Há provas muito mais contundentes que um bom jurista poderia usar como argumentos. Mas para mim, e creio que para todo crente em Jesus, a sua ressurreição não é uma questão de prova, mas de fé. Não é possível ser um verdadeiro crente e duvidar que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como diz Paulo em 1ª Coríntios 15.12-19:

Ora, se é corrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como, pois, afirmam alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos? E, se não há ressurreição de mortos, então, Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé; e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não ressuscitam. Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram. Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens.

A profecia da ressurreição de Jesus foi cumprida, e agora aguardamos o cumprimento da ressurreição de todos os mortos. Uns, para a vida eterna, outros para a vergonha e o horror eterno, conforme Daniel 12.2.

Profecia da salvação (38-41)

Tomai, pois, irmãos, conhecimento de que se vos anuncia remissão de pecados por intermédio deste; e, por meio dele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés. Notai, pois, que não vos sobrevenha o que está dito nos profetas: Vede, ó desprezadores, maravilhai-vos e desvanecei, porque eu realizo, em vossos dias, obra tal que não crereis se alguém vo-la contar.

A terceira profecia citada por Paulo é uma promessa que nos dá a certeza da salvação, conforme as palavras de João 3.36: “Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”.

No portal da CNBB[5], em maio de 2017, foi divulgado em parte o resultado de uma pesquisa, dizendo que,

Atualmente, o planeta possui cerca de 7 bilhões de pessoas e aproximadamente 2,18 bilhões de pessoas que dizem professar a fé cristã. Esses dados foram revelados em um relatório do instituto de pesquisa americano Pew Research Center, e mostra uma predominância entre as duas maiores tradições cristãs do planeta: catolicismo e protestantismo. De acordo com o Pew Research, as principais tradições cristãs são a católica, com 51,4% dos fiéis; os evangélicos, 36% (sendo que a maioria segue a linha pentecostal); e os ortodoxos, que somam 12,6%.

Será que esses 2,18 bilhões de pessoas cristãs, cerca de um terço da população mundial, é o número de pessoas salvas atualmente no mundo? Só Deus sabe, porque não basta dizer que crê, mas tem que crer realmente, conforme Romanos 10.9,10: “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação”.

Esta profecia da Salvação se cumprirá no final de tudo, de acordo com o que lemos em Apocalipse 21.10,11,27:

[...] e me transportou, em espírito, até a uma grande e elevada montanha e me mostrou a santa cidade, Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, a qual tem a glória de Deus. O seu fulgor era semelhante a uma pedra preciosíssima, como pedra de jaspe cristalina. [...] Nela, nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira, mas somente os inscritos no Livro da Vida do Cordeiro.

Não obstante, os que creem em Jesus já a têm como certa, como se já estivesse cumprida, seguindo o modo de falar do Mestre em João 5.24: “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida”.

Conclusão:

Vimos neste texto bíblico que há pelo menos três profecias, das quais, como filhos de Deus, temos a obrigação de tomar conhecimento: Profecia da Cruz, Profecia da Ressurreição, Profecia da Salvação.

O mundo não acabou em 23 de setembro de 2017, mas existem outras profecias que estão se cumprindo ou que ainda vão se cumprir, como por exemplo:

“Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos” (2ª Timóteo 4.3);

Ou esta outra:

“Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera fosses frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és quente nem frio, estou a ponto de vomitar-te da minha boca; pois dizes: Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma, e nem sabes que tu és infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu” (Apocalipse 3.15-17).

Oremos, pois, e nos esforcemos, para que estas profecias de afastamento de Deus, de esfriamento da fé, não se cumpram através de nós, e aguardemos firmes e atentos na esperança, porque, assim como as que se cumpriram, todas as demais profecias da Palavra de Deus se cumprirão.

Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, outubro de 2020.

(*) Foto do cabeçalho: Getty Images. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-41359071 Acesso em 19 out. 2020.

(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

[1] A profecia de Nibiru, o suposto planeta que alguns grupos dizem que levará ao fim do mundo no dia 23. BBC News, 22 setembro 2017. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-41359071 Acesso em 19 out. 2020.

[2] WASHER, Paul David. A Cruz de Cristo. Disponível em: https://files.comunidades.net/topbook/acruzdecristo.pdf Acesso em 08 out. 2017

[3] SANTAYANA, George.  A Vida da Razão, volume I, ali no capítulo XII, livro publicado em 1905. Citado em: https://super.abril.com.br/blog/superblog/frase-da-semana-8220-aqueles-que-nao-conseguem-lembrar-o-passado-estao-condenados-a-repeti-lo-8221/ Acesso em 08 out. 2017. 

[4] Arqueólogos apontam novos indícios sobre ressurreição de Jesus. Portal Terra – Pesquisa, 28/02/2012. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/pesquisa/arqueologos-apontam-novos-indicios-sobre-ressurreicao-de-jesus,c04a00beca2da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html Acesso em 08 out. 2017. 

[5] Cristãos no mundo: 2,18 bilhões de pessoas dizem professar a fé cristã segundo instituto. Portal CNBB - Ecumenismo, 19/05/2017. Disponível em: http://cnbb.net.br/cristaos-no-mundo-7-bilhoes-de-pessoa-dizem-professar-a-fe-crista-segundo-instituto-de-pesquisa-pew-research/ Acesso em 08 out. 2017.

 

 

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

O batismo de João (Atos 13.23-26)

 


Em continuação à sua pregação na sinagoga em Antioquia, Paulo menciona o batismo pregado por João Batista, que preparava a vinda do Senhor. Esse “batismo” foi um reavivamento que surgiu em meio à situação de inércia reinante sob o ministério dos fariseus. Sua mensagem foi como água em terra seca, pois o povo estava em grande necessidade. Mas a expectativa do povo devia ser corrigida, pois esperava um livramento literal, não transcendental. O propósito de Deus era renová-los através do arrependimento, de uma mudança de postura de adoração, de uma perspectiva certa com relação à salvação que Deus trouxe através do Senhor Jesus. Podemos dizer que a mensagem contida no batismo de João, conforme lembrada neste discurso de Paulo, trazia pelo menos três apelos.

Primeiro apelo: ajustar a conduta através do arrependimento (23,24)

“Da descendência deste, conforme a promessa, trouxe Deus a Israel o Salvador, que é Jesus, havendo João, primeiro, pregado a todo o povo de Israel, antes da manifestação dele, batismo de arrependimento”.

Para ser salvo, um dos requisitos necessários é se arrepender. O arrependimento, a conversão, a fé, são sintomas que acompanham a salvação de um pecador a quem Jesus remiu da perdição. Mas, mesmo que estejamos remidos, livres da condenação eterna, ainda somos chamados ao arrependimento.

Somos sensibilizados por nossa própria consciência quando fazemos coisas que desagradam a Deus. Nos arrependemos por não termos ido à igreja, por não termos convidado o vizinho para o culto, por não termos evangelizado, por não termos lido a Bíblia, por não termos orado, por termos comido demais.

Mas, apesar do arrependimento eventual, continuamos fazendo coisas das quais iremos nos arrepender. Somos como aquele irmão que peca sete vezes todos os dias, e sete vezes se arrepende (Lucas 17.4). Jesus vai nos perdoar? Sim. E se eu pecar setenta vezes sete? Bom, sempre podemos apelar para Mateus 18.21, 22: “[...] Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. Jesus é, com certeza, mais misericordioso do que irmão que perdoa.

Muito se tem falado nos púlpitos sobre a necessidade de arrependimento, de santidade, de abandonar o pecado. O pregador mostra sua indignação e irritação contra a igreja, porque não tem sido obediente. E se a igreja fizesse um acordo com o pastor? Poderia dizer:

 “Tudo bem, pastor, então vamos fazer um acordo. Quantas horas o senhor quer que oremos por dia? Quantas horas de leitura da Bíblia? Posso ver televisão alguns minutos? Quantos minutos? E celular, pode um pouquinho? Vamos lá. Vamos anotar em nossa cadernetinha...”

Será que o pastor ficaria contente? Não ficaria. Se a igreja decidisse orar e ler a Bíblia 24 horas por dia, isso ainda não seria o sinal de um arrependimento genuíno. As pessoas precisam continuar vivendo, e ajustando sua conduta através de um arrependimento latente, vigilante, sempre presente, enquanto o pecado estiver diante de nós, “à porta”, como diz em Gênesis 4.7.

Segundo apelo: ajustar a postura através da correta adoração (25)

“Mas, ao completar João a sua carreira, dizia: Não sou quem supondes; mas após mim vem aquele de cujos pés não sou digno de desatar as sandálias”.

Ao contrário da postura demonstrada por João Batista, hoje corremos o risco de permitir que a nossa adoração seja dominada pelo humanismo, de deixarmos que a autoestima prevaleça, em vez da humilhação perante o Santo Deus.

Para fins de ilustração, vamos confrontar um trecho da música Raridade, um grande sucesso no meio gospel, com Isaías 13.11,12, que mencionam o famoso “ouro puro de Ofir”, mas sob perspectivas diferentes:

[...] Você é um espelho que reflete a imagem do Senhor

Não chore se o mundo ainda não notou

Já é o bastante Deus reconhecer o seu valor

Você é precioso, mais raro que o ouro puro de Ofir [...]

(Música Raridade, Anderson Freire)

Isaías, por sua vez, profetiza:

Castigarei o mundo por causa da sua maldade e os perversos, por causa da sua iniquidade; farei cessar a arrogância dos atrevidos e abaterei a soberba dos violentos. Farei que os homens sejam mais escassos do que o ouro puro, mais raros do que o ouro de Ofir (Isaías 13.11,12).

Podemos notar, nos contextos, que Isaías é muito mais pessimista, com relação aos homens de valor, do que nosso irmão Anderson Freire. É verdade, claro, que Deus nos tem valorizado, nos amando tanto a ponto de dar seu único filho, Jesus Cristo, como sacrifício pelos nossos pecados. Ele mesmo, o Senhor Jesus, dá uma maravilhosa palavra de ânimo àqueles que confessam corajosamente sua fé nele, apesar da resistência, muitas vezes violentas, dos homens: “Não se vendem cinco pardais por dois asses? Entretanto, nenhum deles está em esquecimento diante de Deus. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais! Bem mais valeis do que muitos pardais.” (Lucas 12.6,7).

Para que reconheçamos o amor e a valorização que recebemos de Deus, basta que nos consideremos mais valiosos do que cinco pardais. Nos dias de hoje, porém, não seria prudente nos arriscarmos a subir nossa “cotação” e, com ousadia, nos compararmos ao valor de cinco araras azuis.

O que deveríamos valorizar, na verdade, muito mais do que o ouro de Ofir, é algo que não se encontra “na terra dos viventes”, conforme Jó 28.12-16:

Mas onde se achará a sabedoria? E onde está o lugar do entendimento? O homem não conhece o valor dela, nem se acha ela na terra dos viventes. O abismo diz: Ela não está em mim; e o mar diz: Não está comigo. Não se dá por ela ouro fino, nem se pesa prata em câmbio dela. O seu valor não se pode avaliar pelo ouro de Ofir, nem pelo precioso ônix, nem pela safira.

Quanto a nós, pecadores que fomos resgatados pelo precioso sangue do filho de Deus, me parece melhor nos contentarmos em cantar músicas mais parecidas como a do Padre Zezinho, que diz:

Eu não sou digno, ó meu Senhor

Eu não sou digno

De que Tu entres, ó meu Senhor, na minha casa

Porque és tão Santo e eu pecador

Eu nem me atrevo a te pedir este favor

[...]

Mas se disseres uma palavra

A minha casa se transformará

Uma palavra é suficiente

Suavemente ela nos salvará

A dignidade, como retratada nas Escrituras, pode nos parecer um conceito contraditório, pois, reconhecendo que não se tem, se conquista; julgando que se tem, se perde, conforme podemos deduzir de Mateus 16.25: “Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á”; e de Mateus 10.38 “[...] quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim.”

Tomemos, pois, a nossa cruz, e ajustemos a nossa postura através de uma correta adoração.

Terceiro apelo – ajustar a perspectiva através da fé no verdadeiro evangelho (26)

“Irmãos, descendência de Abraão e vós outros os que temeis a Deus, a nós nos foi enviada a palavra desta salvação”.

Note-se que Paulo fala de uma salvação específica: “desta salvação”. Podiam estar esperando outro tipo de salvação, não transcendental, mas literal, um restabelecimento do reino na terra aqui e agora. Não era, porém, desta salvação que Paulo veio falar, não era esta salvação que Deus enviou através de Jesus.

É possível que até mesmo João Batista, apesar de ser portador da Palavra de Deus, estivesse contaminado com uma perspectiva distorcida a respeito da salvação que anunciava. Digo isto por causa da pergunta que, do cárcere, mandou seus discípulos fazerem a Jesus: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Mateus 11.3). Mas certamente a resposta de Jesus foi suficiente para a fé do jovem profeta: “os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho. E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Mateus 11.5,6).

João Batista se consolou e descansou nas palavras de Cristo, ajustando sua perspectiva pela fé no verdadeiro evangelho, o qual anunciara de forma tão brilhante, tendo completado tão precocemente a sua carreira.

O conteúdo da pregação, seja de Paulo, seja de Pedro, seja de João (o evangelista), comumente incluía uma menção a João Batista, como se quisessem reafirmar que suas pregações estavam em sintonia. Talvez isto contribuísse para corrigir a perspectiva distorcida de que a salvação anunciada era imediata, visível, terrena, como seria mais popular entre os judeus, ansiosos por se libertarem do jugo romano e voltarem à antiga glória dos tempos de Davi e Salomão.

Conclusão

O mesmo desvio de perspectiva que houve por parte dos judeus daquele tempo pode ser observado ainda hoje nas igrejas. Deseja-se libertações e curas, mas o propósito de Deus é superior, pois ele deseja que “nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2ª Pedro 3.9).

Atendamos, pois, à força dos apelos presentes na pregação do próprio João Batista, precursor do Senhor Jesus. Ajustemos nossa conduta através do arrependimento; ajustemos nossa postura através da correta adoração; ajustemos nossa perspectiva através da fé no verdadeiro evangelho, ainda que não deixemos de clamar: Maranata! Vem, Senhor Jesus!

Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, outubro de 2020.

(*) Foto do cabeçalho Batismo de Cristo 1481-1483. Por Perugino, na Capela Sistina, no Vaticano. Disponível em: Acesso em. https://pt.wikipedia.org/wiki/Batismo_de_Jesus Acesso em 08 out. 2020.

(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.