Em continuação à sua pregação na sinagoga em Antioquia, Paulo menciona o batismo pregado por João Batista, que preparava a vinda do Senhor. Esse “batismo” foi um reavivamento que surgiu em meio à situação de inércia reinante sob o ministério dos fariseus. Sua mensagem foi como água em terra seca, pois o povo estava em grande necessidade. Mas a expectativa do povo devia ser corrigida, pois esperava um livramento literal, não transcendental. O propósito de Deus era renová-los através do arrependimento, de uma mudança de postura de adoração, de uma perspectiva certa com relação à salvação que Deus trouxe através do Senhor Jesus. Podemos dizer que a mensagem contida no batismo de João, conforme lembrada neste discurso de Paulo, trazia pelo menos três apelos.
Primeiro apelo: ajustar a conduta através do arrependimento (23,24)
“Da descendência deste, conforme a promessa, trouxe Deus a Israel o Salvador, que é Jesus, havendo João, primeiro, pregado a todo o povo de Israel, antes da manifestação dele, batismo de arrependimento”.
Para ser salvo, um dos requisitos necessários é se arrepender. O arrependimento, a conversão, a fé, são sintomas que acompanham a salvação de um pecador a quem Jesus remiu da perdição. Mas, mesmo que estejamos remidos, livres da condenação eterna, ainda somos chamados ao arrependimento.
Somos sensibilizados por nossa própria consciência quando fazemos coisas que desagradam a Deus. Nos arrependemos por não termos ido à igreja, por não termos convidado o vizinho para o culto, por não termos evangelizado, por não termos lido a Bíblia, por não termos orado, por termos comido demais.
Mas, apesar do arrependimento eventual, continuamos fazendo coisas das quais iremos nos arrepender. Somos como aquele irmão que peca sete vezes todos os dias, e sete vezes se arrepende (Lucas 17.4). Jesus vai nos perdoar? Sim. E se eu pecar setenta vezes sete? Bom, sempre podemos apelar para Mateus 18.21, 22: “[...] Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. Jesus é, com certeza, mais misericordioso do que irmão que perdoa.
Muito se tem falado nos púlpitos sobre a necessidade de arrependimento, de santidade, de abandonar o pecado. O pregador mostra sua indignação e irritação contra a igreja, porque não tem sido obediente. E se a igreja fizesse um acordo com o pastor? Poderia dizer:
“Tudo bem, pastor, então vamos fazer um acordo. Quantas horas o senhor quer que oremos por dia? Quantas horas de leitura da Bíblia? Posso ver televisão alguns minutos? Quantos minutos? E celular, pode um pouquinho? Vamos lá. Vamos anotar em nossa cadernetinha...”
Será que o pastor ficaria contente? Não ficaria. Se a igreja decidisse orar e ler a Bíblia 24 horas por dia, isso ainda não seria o sinal de um arrependimento genuíno. As pessoas precisam continuar vivendo, e ajustando sua conduta através de um arrependimento latente, vigilante, sempre presente, enquanto o pecado estiver diante de nós, “à porta”, como diz em Gênesis 4.7.
Segundo apelo: ajustar a postura através da correta adoração (25)
“Mas, ao completar João a sua carreira, dizia: Não sou quem supondes; mas após mim vem aquele de cujos pés não sou digno de desatar as sandálias”.
Ao contrário da postura demonstrada por João Batista, hoje corremos o risco de permitir que a nossa adoração seja dominada pelo humanismo, de deixarmos que a autoestima prevaleça, em vez da humilhação perante o Santo Deus.
Para fins de ilustração, vamos confrontar um trecho da música Raridade, um grande sucesso no meio gospel, com Isaías 13.11,12, que mencionam o famoso “ouro puro de Ofir”, mas sob perspectivas diferentes:
[...] Você é um espelho que reflete a imagem do Senhor
Não chore se o mundo ainda não notou
Já é o bastante Deus reconhecer o seu valor
Você é precioso, mais raro que o ouro puro de Ofir [...]
(Música Raridade, Anderson Freire)
Isaías, por sua vez, profetiza:
Castigarei o mundo por causa da sua maldade e os perversos, por causa da sua iniquidade; farei cessar a arrogância dos atrevidos e abaterei a soberba dos violentos. Farei que os homens sejam mais escassos do que o ouro puro, mais raros do que o ouro de Ofir (Isaías 13.11,12).
Podemos notar, nos contextos, que Isaías é muito mais pessimista, com relação aos homens de valor, do que nosso irmão Anderson Freire. É verdade, claro, que Deus nos tem valorizado, nos amando tanto a ponto de dar seu único filho, Jesus Cristo, como sacrifício pelos nossos pecados. Ele mesmo, o Senhor Jesus, dá uma maravilhosa palavra de ânimo àqueles que confessam corajosamente sua fé nele, apesar da resistência, muitas vezes violentas, dos homens: “Não se vendem cinco pardais por dois asses? Entretanto, nenhum deles está em esquecimento diante de Deus. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais! Bem mais valeis do que muitos pardais.” (Lucas 12.6,7).
Para que reconheçamos o amor e a valorização que recebemos de Deus, basta que nos consideremos mais valiosos do que cinco pardais. Nos dias de hoje, porém, não seria prudente nos arriscarmos a subir nossa “cotação” e, com ousadia, nos compararmos ao valor de cinco araras azuis.
O que deveríamos valorizar, na verdade, muito mais do que o ouro de Ofir, é algo que não se encontra “na terra dos viventes”, conforme Jó 28.12-16:
Mas onde se achará a sabedoria? E onde está o lugar do entendimento? O homem não conhece o valor dela, nem se acha ela na terra dos viventes. O abismo diz: Ela não está em mim; e o mar diz: Não está comigo. Não se dá por ela ouro fino, nem se pesa prata em câmbio dela. O seu valor não se pode avaliar pelo ouro de Ofir, nem pelo precioso ônix, nem pela safira.
Quanto a nós, pecadores que fomos resgatados pelo precioso sangue do filho de Deus, me parece melhor nos contentarmos em cantar músicas mais parecidas como a do Padre Zezinho, que diz:
Eu não sou digno, ó meu Senhor
Eu não sou digno
De que Tu entres, ó meu Senhor, na minha casa
Porque és tão Santo e eu pecador
Eu nem me atrevo a te pedir este favor
[...]
Mas se disseres uma palavra
A minha casa se transformará
Uma palavra é suficiente
Suavemente ela nos salvará
A dignidade, como retratada nas Escrituras, pode nos parecer um conceito contraditório, pois, reconhecendo que não se tem, se conquista; julgando que se tem, se perde, conforme podemos deduzir de Mateus 16.25: “Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á”; e de Mateus 10.38 “[...] quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim.”
Tomemos, pois, a nossa cruz, e ajustemos a nossa postura através de uma correta adoração.
Terceiro apelo – ajustar a perspectiva através da fé no verdadeiro evangelho (26)
“Irmãos, descendência de Abraão e vós outros os que temeis a Deus, a nós nos foi enviada a palavra desta salvação”.
Note-se que Paulo fala de uma salvação específica: “desta salvação”. Podiam estar esperando outro tipo de salvação, não transcendental, mas literal, um restabelecimento do reino na terra aqui e agora. Não era, porém, desta salvação que Paulo veio falar, não era esta salvação que Deus enviou através de Jesus.
É possível que até mesmo João Batista, apesar de ser portador da Palavra de Deus, estivesse contaminado com uma perspectiva distorcida a respeito da salvação que anunciava. Digo isto por causa da pergunta que, do cárcere, mandou seus discípulos fazerem a Jesus: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Mateus 11.3). Mas certamente a resposta de Jesus foi suficiente para a fé do jovem profeta: “os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho. E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Mateus 11.5,6).
João Batista se consolou e descansou nas palavras de Cristo, ajustando sua perspectiva pela fé no verdadeiro evangelho, o qual anunciara de forma tão brilhante, tendo completado tão precocemente a sua carreira.
O conteúdo da pregação, seja de Paulo, seja de Pedro, seja de João (o evangelista), comumente incluía uma menção a João Batista, como se quisessem reafirmar que suas pregações estavam em sintonia. Talvez isto contribuísse para corrigir a perspectiva distorcida de que a salvação anunciada era imediata, visível, terrena, como seria mais popular entre os judeus, ansiosos por se libertarem do jugo romano e voltarem à antiga glória dos tempos de Davi e Salomão.
Conclusão
O mesmo desvio de perspectiva que houve por parte dos judeus daquele tempo pode ser observado ainda hoje nas igrejas. Deseja-se libertações e curas, mas o propósito de Deus é superior, pois ele deseja que “nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2ª Pedro 3.9).
Atendamos, pois, à força dos apelos presentes na pregação do próprio João Batista, precursor do Senhor Jesus. Ajustemos nossa conduta através do arrependimento; ajustemos nossa postura através da correta adoração; ajustemos nossa perspectiva através da fé no verdadeiro evangelho, ainda que não deixemos de clamar: Maranata! Vem, Senhor Jesus!
Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, outubro de 2020.
(*) Foto do cabeçalho Batismo de Cristo 1481-1483. Por Perugino, na Capela Sistina, no Vaticano. Disponível em: Acesso em. https://pt.wikipedia.org/wiki/Batismo_de_Jesus Acesso em 08 out. 2020.
(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.
Linda reflexão, com certeza temos necessidade nos dias difíceis que estamos vivendo, elevar os olhos ao Pai Deus com Fé e confiar. Maranata
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