segunda-feira, 26 de abril de 2021

Ameaçados (Atos 16.16-24)

 


A apresentação do abismo ligado é um método de evangelização que consiste em conscientizar a pessoa de que está separada do amor de Deus e da salvação, e que precisa fazer uma decisão de crer em Jesus, ato simbolizado pela travessia de uma ponte formada pela cruz de Cristo. O ponto mais tenso da apresentação é o momento da decisão. Até ali as pessoas podem ouvir com muita atenção e prazer, mas quando se sentem pressionadas pelo desafio de “atravessar a ponte”, muitas recuam, porque se sentem, de certa forma, ameaçadas.

É com um sentimento semelhante, envolvendo medo e ressentimento, que Paulo e os demais missionários foram tratados na cidade de Filipos, conforme Atos 16.16-24. As pessoas rejeitaram o evangelho porque o acharam ameaçador. Comparando este parágrafo bíblico com a nossa realidade, podemos notar que, ao serem evangelizadas, há pelo menos três ameaças sentidas pelas pessoas, que as fazem rejeitar o evangelho.

Ameaça ao lucro (16-19)

Aconteceu que, indo nós para o lugar de oração, nos saiu ao encontro uma jovem possessa de espírito adivinhador, a qual, adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores. Seguindo a Paulo e a nós, clamava, dizendo: Estes homens são servos do Deus Altíssimo e vos anunciam o caminho da salvação. Isto se repetia por muitos dias. Então, Paulo, já indignado, voltando-se, disse ao espírito: Em nome de Jesus Cristo, eu te mando: retira-te dela. E ele, na mesma hora, saiu. Vendo os seus senhores que se lhes desfizera a esperança do lucro, agarrando em Paulo e Silas, os arrastaram para a praça, à presença das autoridades;

A jovem escrava filipense tinha um dom que é o sonho de consumo dos grandes operadores do mercado financeiro em nossos dias, já que era portadora de informações superprivilegiadas. Ao incomodar o apóstolo Paulo, contudo, este acabou revelando que o dom da moça era de natureza maligna, expulsando o espírito que a possuía, levando as autoridades, até então tolerantes, a identificarem os missionários como uma grande ameaça à economia local, já que, num só golpe, desfizeram a esperança do lucro dos que exploravam a pobre adivinhadora endemoninhada.

O propósito de obter lucro, em si, não é uma coisa má. O dinheiro não é a raiz de todos os males, mas sim o amor ao dinheiro, a falta de escrúpulos, a ganância. É possível e desejável que o enriquecimento aconteça por meios honestos, sem a necessidade de opressão aos mais fracos.

Um artigo do site Globo Ação[1] divulga que

Muitos empreendedores descobriram que os ganhos de uma empresa podem ser redirecionados também para a conquista do bem-estar social de uma determinada comunidade. A mistura de geração de renda com sustentabilidade é o chamado negócio social, termo cunhado pelo economista e professor Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz de 2006”.

Peter Ferdinand Drucker[2], considerado como o pai da administração moderna, disse que

Uma empresa que visa o lucro é, não apenas falsa, mas também irrelevante. O lucro não é a causa da empresa, mas sua validação. Se quisermos saber o que é uma empresa, devemos partir de sua finalidade, que será encontrada fora da própria empresa. E essa finalidade é criar um cliente.

O lucro financeiro não pode ser encarado como uma razão de viver, como bem lembra Augusto Cury[3], ao afirmar que

Fazer coisas fora da agenda é fazer coisas inesperadas, romper a rotina, quebrar a mesmice. É nutrir sua história com aventura. É ser um caminhante nas trajetórias do próprio ser. É gastar tempo com aquilo que lhe dá lucro emocional e não financeiro. É ter um caso de amor com a vida.

Mas o cristão, que deveria ser um exemplo de desapego às coisas do mundo, às vezes tem uma atitude contrária aos princípios do evangelho, conforme 1ª Timóteo 6.3-12:

Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro. De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão. Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado e de que fizeste a boa confissão perante muitas testemunhas.

Estas são sérias advertências, pois a busca do lucro a qualquer custo pode afastar a pessoa da piedade e do verdadeiro evangelho, encarando-o simplesmente como uma ameaça ao seu lucro.

Ameaça à tradição (20-21)

“[...] e, levando-os aos pretores, disseram: Estes homens, sendo judeus, perturbam a nossa cidade, propagando costumes que não podemos receber, nem praticar, porque somos romanos”.

As autoridades de Filipos apresentaram como argumento, para deter os evangelistas, que eles propagavam costumes contrários à sua tradição. O medo e o ressentimento por sentir que o evangelho ameaça a sua tradição pode afastar as pessoas da decisão de seguirem a Cristo. Este pode ser o caso que acontece em lugares como o Nepal, segundo o site Guia-me[4], o qual informou, em 2017, que

O presidente do Nepal assinou um projeto de lei que efetivamente proíbe a evangelização, a conversão religiosa e o ato de "ferir o sentimento religioso" - norma que inclui a proibição ao trabalho de missionários cristãos no país. [...] Quem for condenado de acordo com a nova lei - incluindo visitantes estrangeiros - pode ser condenada a até cinco anos de prisão por "tentar converter uma pessoa" ou "prejudicar a religião, fé ou crença de que qualquer casta, grupo étnico ou comunidade".

Aqui no Brasil, também, o evangelho pode ser afetado por este fenômeno, quando as pessoas o rejeitam por se sentirem ameaçadas em suas tradições. Temos aqui muitas comunidades indígenas, judaicas, muçulmanas, além de ideologias, as mais diversas.

Quando alguém se converte, crendo no evangelho de Jesus Cristo, é natural que comece a questionar algumas tradições que antes seguia. Afinal, ele se torna uma “nova criatura”, para a qual as “coisas antigas já passaram”, e “se fizeram novas” (2ª Coríntios 5.17). Mas não é necessário que o novo convertido rejeite completamente as suas tradições e, em muitos casos, ele acaba fazendo somente alguns ajustes.

As festividades do solstício do inverno (ou do verão, no hemisfério sul), por exemplo, poderiam continuar acontecendo, mas agora com uma motivação diferente, celebrando o nascimento de Jesus Cristo (ainda que saibamos que esta provavelmente não é a sua verdadeira data natalícia).

Já as festividades do solstício do verão (ou do inverno, no hemisfério sul), ideais para comemorar o nascimento de João Batista que, segundo o relato bíblico, nasceu seis meses antes do Salvador, são aproveitadas principalmente pelos cristãos católicos. Entre os evangélicos, porém, há resistência em participar das festas juninas, pelo que algumas igrejas decidiram inovar, criando a festa de “Sem João”, de acordo com um artigo no site da UOL[5]:

Santo Antônio, São João e São Pedro. As festas juninas estão entre as celebrações mais populares do país, mas contêm o elemento religioso, do catolicismo, que costumava afastar evangélicos das comemorações. Há ainda elementos de festa pagã --os cultos solares, que já aconteciam na Antiguidade nos dias de solstício de verão no hemisfério Norte-- e sincretismos religiosos --é o início do ano agrícola para os indígenas brasileiros, que cultivavam o milho, um dos principais integrantes da mesa junina-- abominados pelas igrejas evangélicas. O fim dessa resistência, no entanto, foi ensaiado e já é praticado em comunidades evangélicas do Nordeste ao Sul, sem no entanto elementos que remetam ao que os adeptos desaprovam. As fogueiras, por exemplo, nem sempre são acesas. Os santos não existem (a Festa de São João virou a de “Sem João, com Cristo”) e as bebidas não incluem álcool. O quentão (cachaça fervida com gengibre) virou o “crentão” (algum suco fervido com gengibre). Há até o vinho crente, feito com suco de uva.

A Bíblia nos ensina, em: 1ª Tessalonicenses 5.21: “julgai todas as coisas, retende o que é bom”. Portanto, não há motivo para os cristãos não reterem o que é bom nas tradições que herdaram de seus antepassados.

Ameaça ao status. (22-24)

Levantou-se a multidão, unida contra eles, e os pretores, rasgando-lhes as vestes, mandaram açoitá-los com varas. E, depois de lhes darem muitos açoites, os lançaram no cárcere, ordenando ao carcereiro que os guardasse com toda a segurança. Este, recebendo tal ordem, levou-os para o cárcere interior e lhes prendeu os pés no tronco.

Os donos da escrava adivinhadora usaram uma estratégia de acusação que comoveu o povo e fez os pretores mandarem açoitar os missionários, provavelmente por medo de perderem seu status perante a multidão, e, consequentemente, perante o imperador. Sua situação lembra a de Pilatos, quando teve que julgar Jesus e, mesmo considerando-justo, o condenou por medo da acusação da multidão em João 19.12 “[...] se soltas a este, não és amigo de César! Todo aquele que se faz rei é contra César!”.

O carcereiro de Filipos também achava que seu status e sua segurança dependiam do seu zelo, por isso prendeu Paulo e Silas no mais interior do cárcere, e ainda os acorrentou os pés ao tronco. Mas essa impressão de segurança foi perdida ao ver que Deus abrira todas as portas e soltara todas as correntes. Foi então que conheceu a verdadeira segurança quando, finalmente, creu em Jesus.

O evangelista indiano Sundar Singh nasceu em 03 set. de 1889, era filho do governador e sardar (chefe) Sher Singh, no Estado Sik de Patiala, no distrito de Rampur. Ele se converteu em 18 dezembro 1904. De acordo com a Wikipedia[6],

[...] Ele viajou por toda a Índia vestindo um roupão amarelo sem comida e sem qualquer residência permanente. Ele viveu somente da caridade de outras pessoas. [...] Em 1906, ele foi ao Tibet, pela primeira vez em sua vida. Esse país o atraiu, principalmente por causa da grande resistência contra o evangelismo. Sundar visitava o Tibet a cada verão. Em 1929, ele visitou o país novamente e nunca mais foi visto desde então. Sundar manifesta em sua vida o versículo escrito em Marcos 8:35 que diz: "Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la, mas quem perder a vida para mim e para o Evangelho vai salvá-la.".

No livro “O Apóstolo dos pés sangrentos”, Boanerges Ribeiro[7] conta que, após sua conversão,

O ambiente familiar tornava-se cada dia mais carregado. Afinal, Sher Singh resolveu enfrentar a situação e procurou o filho. Expôs-lhe seus aborrecimentos. Se Sundar continuasse obstinado no seu cristianismo, ele acabaria perdendo o respeito do Distrito. Afinal, era sardar, e se em sua própria casa se manifestava a apostasia, com que autoridade imporia ao povo acatamento aos princípios e costumes siks? Não somente ele, mas toda a família já sofria a teima de Sundar. Pois então ele não podia dirigir seu fervor religioso para outro lado, se lhe era mesmo impossível abandonar esse fanatismo que manifestava desde a infância? Não viviam tão bem com a religião de seus antepassados? Para que, agora, esse estranho capricho? O cristianismo era a religião de estrangeiros – dos estrangeiros que oprimiam a Índia. Falava com calma e gravidade, como se o filho menor fosse um adulto que lhe merecesse todo o respeito e consideração. E quando o moço respondeu, com firmeza, que não se tratava de mania nova, mas de uma realidade que o dominava e à qual consagraria a vida, fez a derradeira tentativa: bem, pois que se fizesse cristão, se isto lhe agradava. Mas o pai lhe pedia ao menos um obséquio: não lhe enxovalhasse o nome pregando a torto e a direito que tinha nova religião. Seguisse a Cristo em silêncio, em casa. Que necessidade havia de lançar publicamente lama sobre o nome honrado da família? (p.13).

Podemos ver na fala do pai de Sundar a sua preocupação com seu status, sua segurança, sua estabilidade. Por outro lado, Sundar encontrou tudo isto em Cristo, que é “[...] poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia” (2ª Timóteo 1.12).

Conclusão

Imagine-se à beira do abismo, prestes a dar o primeiro passo e atravessar aquela ponte que vai levá-lo, com segurança, ao lado onde vai se encontrar com Deus, abandonando tudo o que este mundo oferece de maneira ilusória. A sua travessia representa a sua salvação, já que este mundo “jaz no maligno” (1ª João 5.19). Mas esta travessia lhe parece uma ameaça, seja em termos de lucro, de tradição ou de status. Atravessar ou não a ponte sobre o abismo que o separa de Deus é uma questão de fé em Jesus Cristo, o Salvador morto na cruz, por nossos pecados, sepultado, e ressuscitado no terceiro dia, segundo as Escrituras.

Mas, se argumentos racionais ajudarem, considere que o dinheiro não traz a felicidade. A verdadeira felicidade está em Jesus. Isaías 55.2-6 diz:

Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão, e o vosso suor, naquilo que não satisfaz? Ouvi-me atentamente, comei o que é bom e vos deleitareis com finos manjares.  Inclinai os ouvidos e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi. Eis que eu o dei por testemunho aos povos, como príncipe e governador dos povos. Eis que chamarás a uma nação que não conheces, e uma nação que nunca te conheceu correrá para junto de ti, por amor do SENHOR, teu Deus, e do Santo de Israel, porque este te glorificou. Buscai o SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto.

A tradição só é importante na medida em que serve a um bom propósito. Ela não pode se sobrepor aos mandamentos de Deus. Jesus advertiu os fariseus por essa causa, em Mateus 15.3 “[...] Por que transgredis vós também o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição?”

O melhor status, a verdadeira segurança, está em Jesus. Provérbios 1.32,33 diz que “Os néscios são mortos por seu desvio, e aos loucos a sua impressão de bem-estar os leva à perdição. Mas o que me der ouvidos habitará seguro, tranquilo e sem temor do mal”.

O evangelho do Senhor Jesus Cristo não é uma ameaça, mas sim uma bênção eterna.

Artigo elaborado por: Arildo Louzano da Silveira. São José do Rio Preto, abril de 2021.

(*) Foto do cabeçalho disponível em: อยากทราบว่ากรรมอะไรที่ทำให้ต้องฆ่าตัวตาย | พลังจิต (palungjit.org) Acesso em. 26 abr. 2021.

(**) Citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

[1] Empresas não buscam apenas lucro, mas também o bem-estar social. Site da Globo Ação, 17/11/2012. Disponível em: http://redeglobo.globo.com/acao/noticia/2012/11/empresas-nao-buscam-apenas-o-lucro-mas-tambem-o-bem-estar-social.html Acesso em 18 fev. 2018.

[2] Disponível em: https://kdfrases.com/frase/164307 Acesso em 18 fev. 2018.

[3] CURY, Augusto Jorge. Dez leis para ser feliz: Ferramentas para se apaixonar pela vida. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 18.

[4] Cristãos são proibidos de evangelizar, após aprovação de nova lei no Nepal. Fonte: Guiame, com informações do God Reports, nov. 2017. Disponível em: https://guiame.com.br/gospel/missoes-acao-social/cristaos-sao-proibidos-de-evangelizar-apos-aprovacao-de-nova-lei-no-nepal.html Acesso em 18 fev. 2018.

[5] SILVA, Marcos Sergio. Festa "sem João" evangélica adapta a junina com música gospel e "crentão" sem álcool. UOL/Cotidiano, 23/06/2027. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/06/23/festa-sem-joao-evangelica-adapta-a-junina-com-musica-gospel-e-crentao-sem-alcool.htm Acesso em 25 abr. 2021.

[6] Sadhu Sundar Singh. Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sadhu_Sundar_Singh Acesso em 18 fev. 2018.

[7] RIBEIRO, Boanerges. O Apóstolo dos pés sangrentos. São Paulo: CPAD, 1988.

Um comentário:

  1. Muito bom ensaios Pastor Arildo, temer a evangelização é continuar escravo do mundo.

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