terça-feira, 26 de março de 2019

Planos frustrados (Atos 9.23-31)

Muitas pessoas, que se tornaram famosas por seu grande sucesso, passaram antes por rejeições, ou tiveram grandes fracassos. Além de muitos personagens bíblicos, podemos citar Thomas Edison, Bill Gates, Albert Einstein, Henry Ford, entre outros. Este último já teve duas empresas fracassadas, antes da criação da Ford Motor Company, e até mesmo nos anos finais de sua vida não foi isento de fracassos, inclusive de um investimento milionário feito na Amazônia brasileira, a Fordlândia.


A história não foi diferente com o novato apóstolo Saulo. Este parágrafo de Atos 9.23-31 nos apresenta o que parece ser uma sequência de planos frustrados daquele que se tornaria o maior evangelizador do mundo. Antes do sucesso, porém, era preciso que Saulo se ajustasse aos planos de Deus, pela fé. Vamos falar um pouco sobre os planos frustrados de Saulo, em contraste com os planos do Senhor.


Projeto Damasco (23-25)


"Decorridos muitos dias, os judeus deliberaram entre si tirar-lhe a vida; porém o plano deles chegou ao conhecimento de Saulo. Dia e noite guardavam também as portas, para o matarem. Mas os seus discípulos tomaram-no de noite e, colocando-o num cesto, desceram-no pela muralha".


Parece que Saulo decidiu começar, o quanto antes, seu mistério de pregação, mas seu ministério não “deslanchava”. Talvez tivesse a intenção de converter Damasco, e por isso pregava com tanta eloquência, que confundia os judeus, demonstrando que Jesus era o Cristo.


Um jovem de nossa igreja, há muito tempo atrás, ficou encantado com um projeto de evangelização numa grande favela em São Paulo. Seu alvo era ganhar 300 mil almas para Cristo. Nosso pastor, mais experiente, tentou dissuadi-lo, vaticinando que esse projeto, da maneira como planejava executar, em vez de glorificar a Deus, iria afastá-lo da Igreja, uma vez que, indo morar em São Paulo, perderia o vínculo com a congregação, onde ainda estava sendo treinado como obreiro. Argumentou que, se estava pronto para evangelizar na favela, por que não evangelizava seus vizinhos, sua casa, seus colegas de trabalho? Recebeu como resposta um versículo que diz: “[...] Não há profeta sem honra, senão na sua terra, entre os seus parentes e na sua casa” (Marcos 6.4). O velho pastor, então, retrucou: “quem disse que você é um profeta, para poder aplicar este versículo para si”? Não obstante, o jovem, encantado, se foi, seguindo seus planos. Dos 300 mil convertidos, porém, nunca mais ouvimos falar.


Saulo nunca chegou a estabelecer uma igreja em Damasco, como fez em outras regiões mais tarde, no tempo determinado por Deus. Em vez disso, a situação ficou tão insustentável, que teve que elaborar um “plano B”, desta vez para fugir da cidade fortemente vigiada. E para isso contou humildemente com a ajuda dos demais discípulos, que o desceram dentro de um cesto, pelas altas muralhas.


Projeto Jerusalém (26,27)


"Tendo chegado a Jerusalém, procurou juntar-se com os discípulos; todos, porém, o temiam, não acreditando que ele fosse discípulo. Mas Barnabé, tomando-o consigo, levou-o aos apóstolos; e contou-lhes como ele vira o Senhor no caminho, e que este lhe falara, e como em Damasco pregara ousadamente em nome de Jesus".


Saulo quis ajuntar-se com os discípulos em Jerusalém, mas não acreditaram nele. Precisou da intervenção de Barnabé para ter acesso aos apóstolos, mesmo assim, só conseguiu falar com Pedro e com Tiago, conforme Gálatas 1.18,19. Qual seria agora o plano de Saulo? Será que planejava se estabelecer em Jerusalém, fortalecendo a base dos apóstolos, para dar apoio aos demais missionários?


Uma vez li sobre uma estratégia de missões, em que procuravam apoiar o envio de brasileiros para países como o Iraque, onde americanos eram muito rejeitados pelo povo, mas brasileiros eram bem-vindos, e podiam assim ser mais eficientes na evangelização. Será que uma coisa semelhante passou pela cabeça de Saulo? Já que era muito visado e não podia pregar livremente sem que os judeus o perseguissem, poderia ficar em Jerusalém e treinar outros que tivessem maior acesso entre o povo, e menor expressão pública. Se tinha um plano assim, é certo que não vingaria, pois não poderia contar com o apoio da maioria dos discípulos de Jerusalém, os quais nem acreditavam que ele fosse, de fato, discípulo.


Projeto helenistas (28-30)


"Estava com eles em Jerusalém, entrando e saindo, pregando ousadamente em nome do Senhor. Falava e discutia com os helenistas; mas eles procuravam tirar-lhe a vida. Tendo, porém, isto chegado ao conhecimento dos irmãos, levaram-no até Cesaréia e dali o enviaram para Tarso".


Persistindo ainda em seu ministério, direcionou seus esforços para evangelizar os helenistas, um grupo de judeus menos conservadores, que falavam a língua grega e não eram tão rigorosos quanto às tradições, como eram os fariseus. Esse plano podia parecer bem razoável, visto que Saulo podia compreender muito bem o seu modo de pensar, já que nascera em meio aos judeus da Cilícia, onde a maioria era simpática à cultura grega. Podia até ser um plano bem pensado, mas, o principal resultado foi a deportação para sua terra natal, para o bem de sua segurança.


Os planos do Senhor (31)


"A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número".


Os planos do Senhor, porém, não podem ser frustrados. Ele tinha planos de que a igreja tivesse paz, e que se edificasse, caminhasse no temor do Senhor e, no conforto do Espírito Santo, crescesse em número.


Pode ser que Saulo, até aquele momento, estivesse ainda trabalhando no seu próprio entendimento, como Sara e Abraão, que “ajudaram Deus” com o “projeto Hagar” (Gênesis 16.1,2), ou como Rebeca e Jacó, com seu “projeto primogenitura” (Gênesis 25.23; 27.5-10), ou ainda como os apóstolos, no “projeto décimo segundo” (Atos 1.15-26). Saulo bem poderia ter seu próprio projeto de evangelização, que não estava dando certo, mas talvez não imaginasse que tudo fazia parte do plano de Deus, que já estava, sim, em todas aquelas dificuldades, realizando os seus propósitos.


Imagino que Saulo era um jovem que gostava de ser independente, que era bem seguro de si, consciente de sua inteligência, superior aos demais de sua idade (Gálatas 1.14). Devia ser cheio de ideias, de críticas ao sistema vigente. Agora, que era um cristão, e apóstolo recrutado diretamente pelo Cristo ressuscitado, poderia fazer, da maneira certa, o trabalho do apostolado, de modo que frutificasse sobremaneira. Mas o Senhor tem uma maneira especial de trabalhar com os seus servos, de conduzi-los amorosamente à humildade e à simplicidade, para que a glória nunca seja do “vaso de barro”, mas de Deus (2Co 4.7). Saulo podia pensar que já estava maduro para o ministério, mas não. “Muitos propósitos há no coração do homem, mas o desígnio do SENHOR permanecerá” (Provérbios 19:21). 


(*) Imagem do cabeçalho disponível em: https://www.heliopeixoto.com/planos-de-deus-nao-podem-ser-frustrados/#.XJocwPdKiUk Acesso em 26 mar. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.


 

domingo, 17 de março de 2019

O discípulo (Atos 9.10-22)

Existem muitas coisas que podem nos aborrecer de repente. Um olhar torto, uma conta de luz muito alta, a ausência de pessoas na igreja, são algumas dessas coisas. A vida não seria mais fácil se fosse diferente? Se as pessoas fossem mais gentis conosco, se tivéssemos dinheiro sobrando, se a igreja estivesse cheia, talvez não ficássemos tão aborrecidos. Mas as coisas não são como a gente quer. Glória a Deus! Porque ele tem um plano melhor para nós. Ele quer nos ensinar a viver, e viver de maneira que glorifiquemos o seu nome, de maneira que sejamos conhecidos em todo o mundo como discípulos de Jesus, como filhos de Deus.


O discípulo de Cristo não anda como bem quer, e não deve ficar aborrecido por isso, porque tem que cumprir um programa de aprendizagem, que deixa nele suas marcas. Os discípulos que fazem parte desse programa recebem pelo menos três marcas que o identificam.


Primeira marca: obediência (10-15)


Ora, havia em Damasco um discípulo chamado Ananias. Disse-lhe o Senhor numa visão: Ananias! Ao que respondeu: Eis-me aqui, Senhor! Então, o Senhor lhe ordenou: Dispõe-te, e vai à rua que se chama Direita, e, na casa de Judas, procura por Saulo, apelidado de Tarso; pois ele está orando e viu entrar um homem, chamado Ananias, e impor-lhe as mãos, para que recuperasse a vista. Ananias, porém, respondeu: Senhor, de muitos tenho ouvido a respeito desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém; e para aqui trouxe autorização dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome. Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel;


Ananias, um discípulo que morava em Damasco, recebeu do Senhor uma instrução, através de uma visão: “Dispõe-te, e vai à rua que se chama Direita, e, na casa de Judas, procura por Saulo, apelidado de Tarso”; Ananias achou estranha a ordem do Senhor, e respondeu: “Senhor, de muitos tenho ouvido a respeito desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém; e para aqui trouxe autorização dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome”. Mas o Senhor insistiu que ele fosse, afirmando que Saulo era agora um instrumento escolhido para levar o seu nome “perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel”;


O discipulado é um programa onde se aprende a obediência. Ananias até questionou, num primeiro momento, a ordem recebida, mas, percebendo que o Senhor estava falando sério, foi sem vacilar. Não fez como Jonas, que, recebendo uma missão do Senhor, não quis obedecer, fugindo para Társis, escondendo-se de Deus num porão de navio, preferindo ser lançado ao mar do que ir pregar em Nínive (Jonas 3.3-12). Mas até mesmo Jonas teve que obedecer, pois Deus foi buscá-lo no fundo do abismo, dentro do estômago do grande peixe, ao qual Deus obrigou a devolver sua “refeição”, o profeta, para que finalmente fizesse o seu trabalho (Jonas 2.10; 3.1,2). Ananias não precisou de nada disso. Protestou, no primeiro momento, mas logo viu que o Senhor estava decidido a trabalhar com o rebelde Saulo, aquele que veio a Damasco perseguir a igreja.


Há momentos em que Deus nos mostra caminhos que parecem não fazer sentido, mas é porque ele tem uma visão ampla, enquanto nós temos uma visão muito limitada. Se nós pudéssemos ver como vê o Senhor, não faríamos muitos questionamentos, dos que estamos acostumados a fazer. Obedecer significa fazer coisas que naturalmente não se faria. Acordar cedo no domingo, esforçar-se para chegar cedo nos cultos, cumprimentar todas as pessoas, até mesmo (e principalmente) aquelas com quem não temos muita afinidade, fazer um planejamento do nosso dia, de forma que sobre um tempo razoável para a oração e leitura diária da Bíblia. Deus é soberano, e exige de nós obediência. Spurgeon, falando sobre a soberania de Deus, em seu sermão nº 3284, prega aos pecadores não salvos que assistiam ao culto:


Pecador, é de uma misericórdia indescritível, para você, que o Senhor reine, pois é justamente por que Ele reina que você ainda vive. Se Deus não fosse Rei, a sentença da Justiça seria executada rapidamente, certamente, sem misericórdia. E todo pecador, no momento que peca, deve morrer. Porém, pecador, Ele, que é Rei, é benevolente e diz ao oficial de Justiça, ‘Poupe este homem. Deixe que viva.’ Ele poupou alguns de vocês trinta, quarenta, cinquenta, sessenta – e, talvez, até, 70 anos! Você não teria poupado nenhum dos seus semelhantes que o tenha ofendido por todo este tempo


Assim, pela misericórdia de Deus, os que ainda não foram salvos são pacientemente chamados à obediência. Depois, na segunda parte do seu sermão, ele fala àqueles que já eram salvos, que estavam se alegrando por fazerem parte do reino de Deus, e que eram membros de sua igreja:


Quão notável exemplo da Soberania Divina nós temos nessa igreja, assim como individualmente nos membros dela! Nós estamos entre os poucos de Sião, mas Deus têm nos multiplicado grandemente. Por que isso? Por que Ele nos abençoou tão espantosamente, e passou por outros os quais mal ouviram falar do choro de um convertido recém-nascido? Qual outra razão nós podemos dar senão esta – pois Lhe pareceu bom aos Seus olhos? Portanto, alegremo-nos, mas também que nos alegremos com temor para que o Senhor não nos tire tais experiências abençoadas!


A Consequência da Soberania Divina. Sermão Nº. 3284. Entregue por C. H. Spurgeon, no Tabernáculo Metropolitano, Newington, na Noite do Dia do Senhor, 4 de Fevereiro de 1866. Publicado na Quinta-Feira, 11 de Janeiro de 1912. Disponível em: http://projetospurgeon.com.br/wp-content/uploads/2012/02/A-Consequencia-da-Soberania-Divina.pdf Acesso em: 26 fev. 2017.


Assim, com temor, os que foram salvos também devem obediência. Ananias foi um discípulo obediente, mas não ficou muito famoso por isso. O desobediente Jonas, que recebeu missão semelhante e fugiu de Deus, até as crianças conhecem. É assim que acontece muitas vezes. Quase ninguém fala do obediente irmão do pródigo, mas do desobediente filho pródigo, a fama correu o mundo. Todos esses, porém, tiveram que obedecer igualmente, por bem ou por mal.


Deus ensina os seus filhos. Ensinou a Jonas, ensinou a Ananias, ensinou a Saulo. Ele ensinará a obediência a todos os seus filhos, os que se matricularem na sua escola de discipulado, para fazerem parte do seu programa de aprendizado.


Segunda marca: o sofrimento (16-18)


[...] pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome. Então, Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos, dizendo: Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo. Imediatamente, lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e tornou a ver. A seguir, levantou-se e foi batizado.


O Senhor disse que mostraria a Saulo o quanto lhe importaria sofrer pelo seu nome. Ananias foi então, impôs as mãos sobre Saulo, dizendo: “Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo”. Imediatamente caíram dos olhos dele algo parecido com escamas, e tornou a ver, levantou-se e foi batizado.


É possível que Saulo nunca tenha recuperado a vista completamente. Há passagens na Bíblia que nos levam a crer que a dificuldade de enxergar o tenha acompanhado até o resto de sua vida, como nas passagens abaixo:


“E vós sabeis que vos preguei o evangelho a primeira vez por causa de uma enfermidade física. [...] Que é feito, pois, da vossa exultação? Pois vos dou testemunho de que, se possível fora, teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar” (Gálatas 4.13,15).


‘Vede com que letras grandes vos escrevi de meu próprio punho” (Gálatas 6.11).


“E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte” (2ª Coríntios 12.7).


Mas não era só a suposta falta de visão que Saulo teve que sofrer. Ele dá testemunho de variados tipos de sofrimentos que suportou em seu apostolado, como em 2ª Coríntios 11.23-28:


[...] em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos de morte, muitas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um; fui três vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma noite e um dia passei na voragem do mar; em jornadas, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez. Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as igrejas.


O sofrimento de Saulo não foi sem medida, mas controlado, de forma que contribuísse para o seu aprendizado e para a sua missão. Havia um plano bem definido no qual, em meio aos sofrimentos, Saulo testificaria para reis, povos gentios, e para os filhos de Israel. Tudo fazia parte de um programa de treinamento, era um esforço calculado, como o de um atleta que esmurra seu corpo e o reduz à escravidão (1ª Coríntios 9.27). Saulo entendeu, ou pelo menos aceitou, e se apropriou da “sina” de sofredor, como se fosse uma conta de investimento, onde ajuntaria grandes riquezas espirituais, a serem resgatadas na vida porvir. Ele mesmo declara essa atitude em 2ª Timóteo 1.12: “[...] sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia”.


Você está disposto a ser um discípulo de Cristo? O sofrimento marcará a sua vida, pois isso faz parte do programa de aprendizado que Deus planejou.


Terceira marca: desenvolvimento de caráter (19-22)


E, depois de ter-se alimentado, sentiu-se fortalecido. Então, permaneceu em Damasco alguns dias com os discípulos. E logo pregava, nas sinagogas, a Jesus, afirmando que este é o Filho de Deus. Ora, todos os que o ouviam estavam atônitos e diziam: Não é este o que exterminava em Jerusalém os que invocavam o nome de Jesus e para aqui veio precisamente com o fim de os levar amarrados aos principais sacerdotes? Saulo, porém, mais e mais se fortalecia e confundia os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo.


Depois de ter sido curado e batizado, Saulo se alimentou e sentiu-se fortalecido, permanecendo alguns dias em Damasco com os demais discípulos. Não passou muito tempo e já estava pregando nas sinagogas que Jesus é o Filho de Deus. Todos os que o ouviam pregar ficavam atônitos dizendo: “Não é este o que exterminava em Jerusalém os que invocavam o nome de Jesus?” Pois sabiam que tinha vindo para levar os crentes presos para o sumo sacerdote. Mas em vez disso, “mais e mais se fortalecia e confundia os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo”.


Saulo não começou instantaneamente o seu ministério, mas começou devagar, alimentando-se após longo jejum, passando alguns dias com os discípulos, recuperando-se do choque que o levou à conversão. Sabemos, por meio de Gálatas 1.17,18, que ele foi para as regiões da Arábia. Imagino que tenha sido uma espécie de retiro, para meditação e aprendizado, antes de voltar a Damasco e colocar as mãos à obra. Assim o novo discípulo foi se fortalecendo mais e mais, e aperfeiçoando sua argumentação em favor do evangelho. Antes de tornar-se o grande missionário aos gentios, ainda ficou algum tempo em Jerusalém, Cesaréia e Tarso, sua terra natal (Atos 9.28-30), e depois se reuniu por um ano na Igreja de Antioquia (Atos 11.25,26). Já no final de sua carreira, notamos nas entrelinhas que o esforço intenso fez Saulo se enfraquecer fisicamente, mas não espiritualmente. Tornou-se como um dos heróis da fé de Hebreus 11.34, que “extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza tiraram força [...]”, e compartilhou seu segredo em 2ª Coríntios 4.16: “Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia”. É assim que Saulo foi se fortalecendo mais e mais, como diz em 2ª Timóteo 4.17:“Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de forças, para que, por meu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida [...]”.


Os seminaristas que estudaram no IBE, em Araçatuba, e retornaram à nossa igreja, sempre têm muitas histórias interessantes para contar. Dizem que havia alguns professores e diretores muito exigentes, e às vezes os alunos até se revoltavam com algumas injustiças da parte da liderança. Mas toda essa dificuldade no relacionamento entre alunos e professores se justificava com a premissa de que era preciso “trabalhar no caráter” dos alunos. Não era bastante aprender teologia, pois se o caráter não fosse devidamente desenvolvido, não haveria preparação suficiente para enfrentar a vida que se seguia fora do seminário. Saulo era um mestre em teologia, mas ainda assim, o seu caráter precisava ser desenvolvido. Precisava ser curado por um discípulo que antes era objeto de seu ódio; precisava ser batizado, dando testemunho de que agora abraçava a fé que, outrora, procurava destruir; precisava contar com a hospitalidade e o perdão dos humildes discípulos que viera para prender e arrastar para Jerusalém; precisava sofrer resistência dos judeus que, atônitos, ouviam sua pregação, aparentemente contraditória.


Se você quiser ser um discípulo de Jesus, matricule-se no programa que Deus lhe preparou, consciente de que será necessário trabalhar no seu caráter. Não basta ser sábio, inteligente, formoso, nobre. Se Deus se importasse com essas qualidades apenas, poderia enviar anjos para fazerem o trabalho de evangelistas. Mas a tarefa nos foi dada a nós, com todas as dificuldades inerentes, porque Deus quer, entre outras coisas, desenvolver o nosso caráter.


Conclusão


Você quer ser um discípulo de Jesus? Quer fazer parte do programa que vai apresentá-lo a Deus “aprovado, como um obreiro que não tem de que se envergonhar” (2 Timóteo 2.15)? Então matricule-se! Seja consciente de que o caminho do discipulado é um caminho de obediência e de sofrimento, mas Deus te dará forças, pois um de seus objetivos é moldar o seu caráter. Talvez você esteja pensando que é melhor não, porque você não gosta de sofrer, e não está disposto a obedecer sem reservas aos mandamentos de Jesus. Mas sua alma anseia por fortalecimento espiritual, e não há melhor caminho do que o discipulado, para atingir os objetivos que o Pai amoroso tem para você. Lembre-se da advertência do Senhor em Lucas 9.24: “Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará”. Saulo e Ananias, e certamente milhões de discípulos anônimos de Jesus já concluíram o seu curso, já colaram grau, e hoje estão no céu aguardando o seu galardão. Vamos nos juntar a eles? Assim, as marcas da obediência, do sofrimento e do desenvolvimento do caráter se tornarão bem visíveis em nós, para que sejamos dignos de sermos chamados discípulos de Cristo.


(*) Imagem do cabeçalho disponível em: http://www.pibnilopolis.org.br/o-discipulo-como-agente-de-transformacao-e-vida/ Acesso em 17 mar. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.


 


 

domingo, 10 de março de 2019

A viagem a Damasco (Atos 9.1-9)

Eu e minha esposa gostamos de viajar, tirar fotos, descontrair. Toda vez que temos a oportunidade de fazer uma longa viagem, nas férias ou num feriado prolongado, parece que voltamos renovados. No parágrafo de Atos 9.1-9, lemos que Saulo, ao fazer uma viagem, também voltou renovado, como uma outra pessoa. E não poderia ser diferente, pois aquela foi a viagem da sua conversão. Uma conversão dramática, uma mudança radical em sua vida. Isto porque, conforme suas próprias palavras, ele era, antes, o “principal dos pecadores” (1ª Timóteo 1.15). 


No caminho de Damasco há uma sequência de fases bem distintas. Na primeira fase, Saulo anda segundo o seu próprio entendimento, seguindo os seus impulsos, perdido em suas próprias obsessões, respirando ameaças e morte. Na segunda fase, ele tem um encontro com Jesus, a quem perseguia, e toda a força que o movia cai por terra. Saulo ficou desnorteado, abalado, vazio de si. Deixa cair as cartas dos sacerdotes, e, com elas, cai a sua importante missão policial, a qual nunca mais retomaria. Entra em Damasco como um guerreiro vencido, debilitado, amparado por seus companheiros. Inicia então a terceira e mais importante fase de sua vida: a conversão. Saulo faz um retorno, uma curva de 180 graus. Descobriu que estava errado, e agora precisava encontrar o caminho de volta, para consertar o que fosse possível, para se reencontrar com o seu Criador.


Será que a nossa vida é parecida com a de Saulo? Se fôssemos comparar nossas vidas com o caminho de Damasco, em que fase estaríamos hoje? Analisemos cada fase desse caminho.


Primeira fase: Perdendo-se nas próprias obsessões (1,2)


Saulo, respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote e lhe pediu cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de que, caso achasse alguns que eram do Caminho, assim homens como mulheres, os levasse presos para Jerusalém.


Saulo respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor, e, para ele, o melhor caminho era pedir ao sumo sacerdote cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de que, caso achasse alguns que eram do outro Caminho, fossem homens, fossem mulheres, os levasse presos para Jerusalém. Ele pensava que tinha o controle de sua vida, nem passava pela sua cabeça que estava perdido. Tinha uma meta, um alvo bem definido, não se distraía com nada que pudesse fazê-lo desviar. Passava longe de sua consciência a voz da advertência bíblica de que “há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte” (Provérbios 14.12). Estava surdo para o conselho de Provérbios (3.5): “Confia no SENHOR de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento”. Mais do que se estribando em seu próprio entendimento, Saulo estava completamente prostrado diante do seu modo de entender o mundo. Sua determinação em perseguir o Caminho de Jesus era uma obsessão. Não bastava perseguir e dispersar os cristãos, pretendia persegui-los por onde quer que se dirigissem, mesmo que fugissem para Damasco, distante mais de 200 Km de Jerusalém. Quantas pessoas, hoje em dia, estão nessa fase do caminho, perdidos em suas próprias obsessões. De acordo com um folder da UFRGS,


Obsessões são pensamentos, ideias, imagens, palavras, frases, números ou impulsos que invadem a consciência da pessoa de forma repetitiva e persistente. Sentidas como estranhas ou impróprias, geralmente são acompanhadas de desconforto, medo, angústia, culpa ou desprazer. O indivíduo obsessivo, mesmo desejando ou se esforçando, não consegue afastá-las ou suprimi-las de sua mente. Apesar de serem consideradas absurdas ou ilógicas, as obsessões causam aflição elevam a pessoa a fazer algo (rituais ou compulsões) ou a evitar fazê-lo (evitações) para livrar-se do medo ou do desconforto. As obsessões mais comuns se relacionam com: sujeira, contaminação; dúvidas; simetria, perfeição, exatidão ou alinhamento; impulsos ou pensamentos de ferir, insultar ou agredir outras pessoas; sexo ou obscenidades; armazenar, poupar, guardar coisas inúteis ou economizar; preocupações com doenças ou com o corpo; religião (pecado, culpa, escrúpulos, sacrilégios ou blasfêmias); pensamento mágico (números especiais, cores, datas e horários).


 


Cordioli, Aristides Volpato. Heldt , Elizeth. Litvin Raffin, Andréa. Transtorno obsessivo compulsivo: perguntas e respostas. Porto Alegre: UFRGS, 2004. Disponível em: http://www.ufrgs.br/psiquiatria/psiq/FOLDER%20TOC%20vers%C3%A3o%2010_05.pdf Acesso em: 05 fef. 2017.


Será que eu ou você estamos também passando por essa fase no caminho de nossas vidas? Será que alguma obsessão da lista acima se identifica com o nosso comportamento atual?


Segunda fase: Caindo por terra (3-6)


Seguindo ele estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor, e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Ele perguntou: Quem és tu, Senhor? E a resposta foi: Eu sou Jesus, a quem tu persegues; mas levanta-te e entra na cidade, onde te dirão o que te convém fazer.


Quando Saulo estava já próximo de Damasco, de repente uma luz do céu brilhou ao seu redor, fazendo-o cair por terra. Era Jesus glorificado, que se fez ouvir: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Saulo perguntou: “Quem és tu, Senhor?” Era Jesus, a quem Saulo perseguia, o qual lhe ordenou levantar-se e entrar na cidade, onde devia aguardar mais instruções.


Nessa fase do caminho houve uma crise inesperada, um súbito encontro com a luz divina, uma experiência que nunca mais iria esquecer. Assim acontece conosco também, quando somos pegos de surpresa por tempestades. Não somente as tempestades climáticas, mas também as tempestades emocionais, para as quais não estávamos preparados. Talvez não se trate de um acontecimento tão espetacular como o de Saulo, ou uma sequência de tragédias tão contundentes como ocorreu na vida de Jó que, de uma hora para outra, teve sua vida virada do avesso. Mas, quando Deus decide tocar em uma área crítica de qualquer pessoa, ela nunca mais será a mesma. Tudo cai por terra.


Já houve na sua vida um momento em que enfrentou grande angústia? Alguma vez aconteceu algo que mudou o rumo de sua vida? Uma doença, um acidente, uma morte precoce? Para que todos os nossos planos caiam por terra, nem sempre precisa acontecer uma coisa ruim.


Certa vez, eu li uma interessante história sobre um folheto salvador:


Todos os domingos de manhã, depois do Grupo de Oração na Igreja, o coordenador do grupo e seu filho de 11 anos saíam pela cidade e entregavam folhetos [...]. Numa tarde [...], fazia muito frio lá fora e também chovia muito. [...] Depois de caminhar por horas na chuva, estava todo molhado, mas faltava um último folheto. [...] Então ele se virou em direção à primeira casa que viu e [...] tocou a campainha, mas ninguém respondeu. Ele tocou de novo, mais uma vez, mas ninguém abriu a porta. Finalmente, o menino se virou para ir embora, mas algo o deteve. Mais uma vez, ele tocou a campainha e bateu na porta bem forte. [...] A porta se abriu bem devagar. Uma senhora idosa com um olhar triste [...] perguntou: O que você deseja, meu filho? [...] Senhora, [...] vim aqui para lhe entregar o meu último folheto[...]. No domingo seguinte na Igreja, [...] uma senhora idosa se pôs de pé. E começou a falar. [...] No domingo passado, um dia frio e chuvoso, [...] eu peguei uma corda e uma cadeira e subi para o sótão da minha casa, amarrei a corda numa madeira do telhado, subi na cadeira e coloquei a corda em volta do meu pescoço [...] quando [...] o toque da campainha me assustou. [...] A campainha era insistente; [...] Afrouxei a corda do meu pescoço e fui à porta [...], pois na minha varanda estava o menino mais radiante que já vi em minha vida. [...] Ele me entregou este folheto que eu tenho em minhas mãos. [...] Li cada palavra deste folheto. Então eu subi para o sótão, peguei minha corda e a cadeira. Eu não iria precisar mais delas. [...] vim aqui pessoalmente para dizer OBRIGADO [...].


O último folheto. Disponível em: http://www.hpbysandra.com.br/ultimo_folheto.html Acesso em 05 fev. 2017.


Aquela senhora idosa ia se suicidar, mas o Senhor interveio com uma coisa boa, com uma demonstração de amor que mudou a sua vida. Mas quando não ouvimos a voz mansa e suave de Jesus nos chamando, ele pode derrubar nossos planos obstinados através de outra metodologia.


Nossa igreja conhece uma jovem senhora, cujo filho sofreu, há alguns anos, um terrível desastre que quase lhe tirou a vida. Eu e minha esposa tivemos a oportunidade de visitá-los pouco depois do acidente. Seu filho já estava quase totalmente recuperado, e nos recebeu à porta. Logo veio também a senhora. Estávamos tentados a dizer que o acidente foi uma intervenção de Deus para que eles despertassem espiritualmente e voltassem para a igreja, mas não precisamos falar. Ela mesma disse que reconhecia a mão de Deus, tanto em permitir o acidente, quanto em poupar a vida de seu filho. Disse que iam dar atenção à voz divina, e que iam voltar à comunhão da igreja.


Pode ser que algum dia você ou eu nos sintamos assim, como se tudo caísse por terra. Os nossos sonhos, os nossos planos, o nosso ritmo, de repente é quebrado pela intervenção do Senhor. Quando isso acontecer, ouçamos a sua voz, e perguntemos como Saulo perguntou: “Quem é tu, Senhor?” e “que farei, Senhor?” (Atos 22.10). As cartas do sumo sacerdote já não tinham mais utilidade, podiam ser deixadas ali mesmo, no chão. Seus projetos, sua respiração de ameaças e morte já não faziam mais sentido. Tudo estava ali, como o próprio Saulo, caído na terra.


Terceira fase: Convertendo-se ao Senhor (7-9)


Os seus companheiros de viagem pararam emudecidos, ouvindo a voz, não vendo, contudo, ninguém. Então, se levantou Saulo da terra e, abrindo os olhos, nada podia ver. E, guiando-o pela mão, levaram-no para Damasco. Esteve três dias sem ver, durante os quais nada comeu, nem bebeu.


Os companheiros de viagem de Saulo pararam emudecidos. Ouviram a voz, mas não viram ninguém. Saulo se levantou da terra e, quando abriu os olhos, percebeu que estava cego. Guiando-o pela mão, seus companheiros o levaram para Damasco. Lá ficou três dias, sem ver, e durante esse tempo nada comeu, nem bebeu.


Sabemos, pelo versículo 11 deste capítulo, que Saulo estava orando. Estava prostrado diante do trono do Senhor. Não era mais aquele jovem determinado que deixou Jerusalém com uma missão obstinada. Agora estava à disposição de Jesus, esperando instruções antes de dar o próximo passo, e a oração era a melhor maneira de ouvir a sua voz. Todo homem que, sinceramente, quer saber a vontade de Deus para a sua vida, deve ser um homem de oração. Homens de Deus famosos deixaram também esse testemunho, homens como David Livingstone, um escocês, que


Foi um dos personagens mais impressionantes do século 19. Foi cientista, explorador e evangelista [...] descobriu e mapeou vários rios e foi o primeiro homem branco a percorrer a África de Norte a Sul, ida e volta. Sua vida chegou ao fim quando intentou descobrir a nascente do rio Nilo [...]. Morreu orando, ajoelhado à beira da cama” (Sombrio et al., p.43)


SOMBRIO, Alexandre, et al. Dia a Dia com Deus. Curitiba: Publicações RBC, 2011.


O fato de Saulo estar orando evidenciava sua conversão. Ele estava voltando, havia feito uma curva de 180 graus no seu caminho, pois reconheceu que andara errado, e se arrependeu. A conversão não foi o final do caminho de Saulo, até Damasco. Sua caminhada, sob o ponto de vista da conversão, estava apenas começando. E começou muito bem, buscando a orientação do Senhor através da oração. Até onde sabemos, Saulo nunca mais se desviou do caminho estreito, até completar a sua carreira. Mas nem todos são assim. Há momentos na vida de um crente em que ele precisa parar e analisar se não está se desviando do caminho que iniciou quando da sua conversão. Podemos achar que estamos no caminho certo, mas é necessário consultar o Senhor, através da Bíblia e da oração, para provar se de fato não nos desviamos do caminho estreito. Vejam o caso de Pedro, que estava andando com Jesus havia mais de três anos. Tinha mudado drasticamente sua vida. Tinha abandonado tudo para seguir Jesus. Tinha confessado diante de todos que aquele homem era o Cristo, o filho de Deus, mas Jesus o abordou com palavras que poderiam lhe parecer estranhas naquela altura de sua vida: “Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos” (Lucas 22.32). Como assim, “quando te converteres”!? Pedro podia achar que já era convertido, as pessoas que o observavam podiam também chegar a essa conclusão, mas aos olhos do Senhor Jesus, Pedro ainda não tinha chegado a essa fase.


Conclusão


Meditando sobre estas coisas, podemos nos perguntar: “Em que fase estamos?” Perdidos em nossas próprias obsessões? Ainda não caímos por terra, nos prostrando diante do grande poder do Senhor? O que ele precisa fazer para nos derrubar do nosso próprio entendimento, sobre o qual estamos estribados? Hoje não é o dia de nos convertermos ao Senhor? De voltarmos do caminho errado pelo qual estamos teimosamente trilhando? Será que a contracorrente deste mundo está vencendo os nossos esforços, de modo que retrocedemos alguns passos? Deixemos o Espírito do Senhor nos dar essa resposta. Examinemo-nos a nós mesmos, e oremos: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno” (Salmos 139.23,24).


(*) Foto do cabeçalho: Arco Romano, Damasco, Síria. David Samuel Santos, 18/06/2010. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/samuel_santos/4840926639/ Acesso em 10 mar. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

domingo, 3 de março de 2019

O maior tesouro (Atos 8.26-40)

Nos acampamentos de carnaval de que participávamos quando jovens, sempre fazíamos brincadeiras emocionantes que envolviam a todos. Uma das preferidas era a “caça ao tesouro”. No site do jornal O Globo, em meados do ano passado, nós lemos que


Em algum lugar da França está enterrada uma pequena estatueta de uma coruja feita de ouro e prata. Quem a encontrá-la ganhará não apenas a escultura original como prêmio, mas será reconhecido como o vencedor da mais longa caça ao tesouro do mundo, que já dura 25 anos. "Sur La Trace de La Chouette d'Or" (algo como "A Caça à Coruja de Ouro", em português) foi um livro ilustrado publicado pela primeira vez em 1993, logo depois que seu autor, Max Valentin, secretamente escondeu a escultura da coruja em um local na França conhecido apenas por ele. [...] Um quarto de século depois, milhares de "chouetteurs" — como os caçadores da coruja se intitulam — continuam estudando os 11 enigmas do livro Max Valentin, que podem ser baixados gratuitamente na internet. Eles trocam teorias em fóruns de bate-papo on-line e se reúnem em encontros anuais. Existe até uma associação criada pelos "caçadores", a A2CO.


A caça ao tesouro mais longa do mundo intriga a França há 25 anos. Site O Globo/Sociedade, 13/08/2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/a-caca-ao-tesouro-mais-longa-do-mundo-intriga-franca-ha-25-anos-22973888 Acesso em 03 mar. 2019.


No parágrafo de Atos 8.26-40, encontramos a história de um eunuco etíope, que era superintendente do tesouro do seu país, mas buscava para si um maior tesouro, o tesouro espiritual. Sendo um alto oficial, estava acostumado a elaborar estratégias e tomar grandes decisões. E o eunuco tomou pelo menos quatro grandes decisões que o levaram a conquistar o seu verdadeiro tesouro.


Primeira grande decisão: Buscou o Deus revelado nas escrituras sagradas (26,27)


Um anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para o lado do Sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza; este se acha deserto. Ele se levantou e foi. Eis que um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar em Jerusalém,


Sendo um homem bem-sucedido, abastado, culto, leu nessas escrituras os relatos de Moisés sobre a criação, o dilúvio, a saga de Abraão e seus descendentes, a história do próprio Moisés, cujo Deus poderoso subjugou os deuses do Egito (Êxodo 12.12), país que ficava ao norte da Etiópia. Tomou então a decisão de buscar esse Deus, e certamente o comunicou à Rainha, que por meio de seu alto oficial, repetiu o nobre feito de sua antecessora (1º Reis 10.1) elogiada pelo próprio Senhor Jesus em Mateus 12.42: “A rainha do Sul se levantará, no Juízo, com esta geração e a condenará; porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis aqui está quem é maior do que Salomão”.


A história da Etiópia está documentada como uma das mais antigas do mundo. Na Wikipédia nós lemos que,


Junto com os países vizinhos de Eritreia, Sudão, Djibouti, Somália e Somalilândia, esta região hospedou também o Império de Axum. A origem de Axum, por sua vez, remonta ao reino de Sabá (ou Shebah), no Iêmen, referido na Bíblia, que, por volta do ano 1000 a.C., se estendia, aparentemente, por todo o Corno de África e por parte da Península Arábica. Desde aproximadamente o século IV a.C. os gregos chamavam de "Etiópia" a todos os países com população de raça negra, sem distinguir reinos nem países. Portanto, a Etiópia, segundo os gregos poderia ser a Núbia do sul de Egito e Sudão, ou poderia ser o Império de Axum, que se concentrava nos arredores da Eritreia e ao norte da própria Etiópia, mas não há certeza histórica sobre isso. Fontes gregas referem que o Império de Axum era extremamente rico no século I e a cidade de Adúlis (que fica no país vizinho da Eritreia) é frequentemente mencionada como um dos mais importantes portos de África. Documentos oficiais, contudo, colocam a cidade de Axum como a capital onde se encontrava a corte da Rainha de Sabá. Esse reino tinha, no século II, direito de receber tributos de estados da Península Arábica e tinha inclusivamente conquistado o Reino de Cuche, no actual Sudão. Há indicações do carácter cosmopolita desse reino, com populações judaicas, núbias, cristãs e mesmo minorias budistas.


História da Etiópia. Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Eti%C3%B3pia  Acesso em 28 jan. 2017, citando a fonte: Ancient African History – Ancient Abyssinia. Sankofa Project Guide.


O interesse do tesoureiro etíope em conhecer a Deus poderia nos levar a meditarmos: como é o Deus que conhecemos? Quem nos influenciou durante a vida para criar um conceito sobre quem é Deus? Uma personalidade famosa, apresentadora de programas infantis, consumava chamar Deus de “o cara lá de cima”; alguns pais, ao falar com Deus na presença de seus filhinhos, o invocam como “papai do céu”. Um amigo crente, já falecido, compartilhou que tinha dificuldades psicológicas quando pensava em Deus como uma figura paterna, porque a ideia que ele tinha de um pai não era encorajadora. Seu pai era um homem rico, amante de sua mãe, que não lhe dava atenção, como dava para seus outros filhos, frutos do casamento legítimo que mantinha paralelamente. Se ele dependesse apenas desse conceito paterno para conhecer o Deus verdadeiro, provavelmente iria odiá-lo em vez de amá-lo. Mas, para sua felicidade, converteu-se a Jesus Cristo e passou a aprender qual é o verdadeiro caráter do Deus que se revelou na Bíblia Sagrada. O eunuco etíope seguiu pelo mesmo caminho. Tomou a grande decisão de conhecer o Deus das Escrituras.


Segunda grande decisão: Ocupou o seu tempo lendo as escrituras sagradas (28,29)


[...] estava de volta e, assentado no seu carro, vinha lendo o profeta Isaías. Então, disse o Espírito a Filipe: Aproxima-te desse carro e acompanha-o.


De acordo com o Google Maps (1), a distância entre Jerusalém e a Etiópia moderna, via A1, é de 131 h (4.204,6 km). A Etiópia mencionada neste texto, porém, pode estar se referindo a um lugar mais próximo, como o Sudão, no sul do Egito, cuja distância, então, seria cerca de 106 h (2.549 km) via A1 (2).


(1) Disponível em: https://www.google.com.br/maps/dir/Jerusal%C3%A9m,+Israel/Eti%C3%B3pia/@20.1827035,26.4993529,5z/data=!3m1!4b1!4m14!4m13!1m5!1m1!1s0x1502d7d634c1fc4b:0xd96f623e456ee1cb!2m2!1d35.21371!2d31.768319!1m5!1m1!1s0x1635d0cedd6cfd2b:0x7bf6a67f5348c55a!2m2!1d40.489673!2d9.145!3e0 Acesso em: 28 jan. 2017.


(2) Disponível em: https://www.google.com.br/maps/dir/Jerusal%C3%A9m,+Israel/Cartum,+Khartoum,+Sud%C3%A3o/@23.419318,23.8635836,5z/am=t/data=!3m1!4b1!4m13!4m12!1m5!1m1!1s0x1502d7d634c1fc4b:0xd96f623e456ee1cb!2m2!1d35.21371!2d31.768319!1m5!1m1!1s0x168e8fde9837cabf:0x191f55de7e67db40!2m2!1d32.5598994!2d15.5006544 Acesso em: 28 jan. 2017.


Os viajantes de hoje têm recursos extraordinários. Um dia minha esposa e eu viajamos para Ribeirão Preto numa van alugada. O motorista acionou o ar condicionado e ligou a TV, que passava um filme de comédia. O tempo passou tão rápido, que nem percebemos quando chegou no destino. Se você não é um escravo do trabalho, como muitos acabam se tornando nestes tempos modernos, talvez tenha alguns momentos durante o dia para relaxar. Nestes momentos, como você aproveita o tempo? Alguns gostam de jogar “games”, outros, de ver televisão, outros gostam de sair, mas os que amam o Senhor sempre reservam um pouco de tempo para a leitura da Bíblia, diariamente. O eunuco estava assentado confortavelmente em seu carro, enquanto o condutor e sua escolta o dirigiam naquela longa viagem. Que fazer durante todo o tempo do trajeto? Ele veio prevenido. Tinha consigo um rolo do profeta Isaías, para passar o tempo. O eunuco etíope tomou a grande decisão de ocupar seu tempo lendo as escrituras sagradas.


Terceira grande decisão: Procurou compreender melhor as escrituras sagradas (30-34)


Correndo Filipe, ouviu-o ler o profeta Isaías e perguntou: Compreendes o que vens lendo? Ele respondeu: Como poderei entender, se alguém não me explicar? E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele. Ora, a passagem da Escritura que estava lendo era esta: Foi levado como ovelha ao matadouro; e, como um cordeiro mudo perante o seu tosquiador, assim ele não abriu a boca. Na sua humilhação, lhe negaram justiça; quem lhe poderá descrever a geração? Porque da terra a sua vida é tirada. Então, o eunuco disse a Filipe: Peço-te que me expliques a quem se refere o profeta. Fala de si mesmo ou de algum outro?


A leitura da Bíblia às vezes nos traz momentos de grande esclarecimento, às vezes nos deixa com muitas dúvidas. Há passagens difíceis de se compreender. O motivo de ficarmos em dúvida a respeito de algumas passagens bíblicas pode ser falta de experiência, falta de persistência, até mesmo falta de fé. Quando eu era jovem, descobri que a Escola Dominical era grande fonte de conhecimento. Costumava dizer que mais da metade do conhecimento que tinha adquirido da Bíblia vinha de minha perseverança em assistir às aulas aos domingos de manhã. É que, às vezes, precisamos da ajuda de irmãos para que possamos abrir nossas mentes para alguns detalhes. Às vezes o professor, ou até mesmo outros alunos, têm informações que são a chave para a compreensão dos textos difíceis.


O pastor e escritor Tim Lahaye, em seu livro intitulado “Como estudar a Bíblia Sozinho” (3), na página 82, aconselha os leitores a adquirirem bons livros para auxiliarem seus estudos, e até sugere alguns que foram muito úteis para ele mesmo: Manual Bíblico – Halley; concordância, baseada na edição ''Revista e Atualizada".; Dicionário da Bíblia de John D. Davis e o "Novo Dicionário da Bíblia", Edições Vida Nova; Novo Comentário da Bíblia – Edições Vida Nova; Harmonia dos Evangelhos de S. L. Watson e W. E. Allen; Conhecendo as Doutrinas da Bíblia, de Myer Pearlman; Mais que um Carpinteiro, de Josh McDowell.


(3) LAHAYE, Tim. Como Estudar a Bíblia Sozinho. Venda Nova (MG): Editora Betânia,1984.


Mas, espere um pouco, por que Lahaye indica tantos livros auxiliares, se disse que era para estudar a Bíblia sozinho?! Sim, mas não tão sozinho, conforme a própria Bíblia dá a entender nos versículos abaixo:


  • Provérbios 1.8 Filho meu, ouve o ensino de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe.
  • Provérbios 13.14 O ensino do sábio é fonte de vida, para que se evitem os laços da morte.
  • 1 Coríntios 4.17 Por esta causa, vos mandei Timóteo, que é meu filho amado e fiel no Senhor, o qual vos lembrará os meus caminhos em Cristo Jesus, como, por toda parte, ensino em cada igreja.
  • 1 Timóteo 4.13 Até à minha chegada, aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino.
  • 1 Timóteo 5.17 Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino.

O eunuco tomou a grande decisão de conhecer melhor as Escrituras, e, que bom que tinha Filipe por perto!


Quarta grande decisão: Converteu-se ao Caminho revelado nas escrituras sagradas (36-40)


Seguindo eles caminho fora, chegando a certo lugar onde havia água, disse o eunuco: Eis aqui água; que impede que seja eu batizado? Filipe respondeu: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus. Então, mandou parar o carro, ambos desceram à água, e Filipe batizou o eunuco. Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, não o vendo mais o eunuco; e este foi seguindo o seu caminho, cheio de júbilo. Mas Filipe veio a achar-se em Azoto; e, passando além, evangelizava todas as cidades até chegar a Cesareia.


De nada valeriam as grandes decisões anteriores, se o eunuco etíope não tivesse tomado esta última grande decisão. Depois do batismo, cada um seguiu o seu caminho, mas o eunuco já não era mais o mesmo homem. Agora ele estava cheio de júbilo, um dos frutos do Espírito Santo, que certamente agora nele habitava. Se ele não tivesse decidido naquela hora, será que haveria nova oportunidade?  Será que, noutra estrada deserta, O Espírito iria enviar outra vez um Filipe para lhe explicar de novo o evangelho? Improvável. Paulo exorta os Coríntios a não perderem oportunidades como estas, em 2ª Coríntios 6.1,2  “E nós, na qualidade de cooperadores com ele, também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus  (porque ele diz: Eu te ouvi no tempo da oportunidade e te socorri no dia da salvação; eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvação)”;


O Eunuco teve uma grande oportunidade, e tomou a grande decisão de obedecer ao evangelho, pedindo para ser batizado, dando seu testemunho diante de todos os seus servos que faziam parte da comitiva, e de quem mais quisesse presenciar a cerimônia, que demonstrava sua nova fé em Jesus, o Filho de Deus.


Conclusão


Este parágrafo de Atos nos falou de grandes decisões, que levaram um homem a encontrar o seu maior tesouro. Ele também fala da importância da obediência (Filipe obedeceu e ganhou uma alma); da alegria motivada pela obediência (o eunuco obedeceu e ficou alegre); e da recompensa da obediência (Filipe foi honrado por ter sido arrebatado para uma nova missão). Pode ser que você tenha gostado deste artigo. Talvez Deus tenha tocado no seu coração para você começar a mudar alguns hábitos. Talvez você ainda não tenha tomado a maior decisão de sua vida, a de aceitar a Jesus como seu Senhor e Salvador, entregar sua vida a ele, confessando e se arrependendo dos seus pecados. Faça como o eunuco etíope. Seu interesse por ler este artigo pode indicar que está buscando o Deus revelado na Bíblia Sagrada. Você decidiu dedicar algum tempo para a leitura, e prestou atenção na explicação da Palavra de Deus. Agora, eu te convido a “parar o carro”, olhar para as águas da oportunidade que estão à sua volta, e se fazer também a mesma pergunta: “que impede que seja eu batizado?” Ou, “que impede que eu me torne um filho de Deus pela fé em Jesus Cristo”? ou, “que impede que eu atravesse a ponte sobre o abismo do pecado que me separa de Deus, o Pai?” Ou, “que impede que eu abandone hoje mesmo todos os meus vícios, toda a minha amargura, todo o meu orgulho, ou o que quer que seja, e me renda à vontade do Senhor para minha vida?” Que impede?... Neste momento eu estou orando por você, amado leitor.


(*) Foto do cabeçalho: A escultura da coruja em pleno voo, feita pelo artista Michel Becker Foto: Reprodução. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/a-caca-ao-tesouro-mais-longa-do-mundo-intriga-franca-ha-25-anos-22973888 Acesso em 03 mar. 2019.


Este e outros artigos deste Blog fazem parte do livro "A Igreja em Expansão (Atos 6 a 14)", disponível em um dos links abaixo:

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