domingo, 10 de março de 2019

A viagem a Damasco (Atos 9.1-9)

Eu e minha esposa gostamos de viajar, tirar fotos, descontrair. Toda vez que temos a oportunidade de fazer uma longa viagem, nas férias ou num feriado prolongado, parece que voltamos renovados. No parágrafo de Atos 9.1-9, lemos que Saulo, ao fazer uma viagem, também voltou renovado, como uma outra pessoa. E não poderia ser diferente, pois aquela foi a viagem da sua conversão. Uma conversão dramática, uma mudança radical em sua vida. Isto porque, conforme suas próprias palavras, ele era, antes, o “principal dos pecadores” (1ª Timóteo 1.15). 


No caminho de Damasco há uma sequência de fases bem distintas. Na primeira fase, Saulo anda segundo o seu próprio entendimento, seguindo os seus impulsos, perdido em suas próprias obsessões, respirando ameaças e morte. Na segunda fase, ele tem um encontro com Jesus, a quem perseguia, e toda a força que o movia cai por terra. Saulo ficou desnorteado, abalado, vazio de si. Deixa cair as cartas dos sacerdotes, e, com elas, cai a sua importante missão policial, a qual nunca mais retomaria. Entra em Damasco como um guerreiro vencido, debilitado, amparado por seus companheiros. Inicia então a terceira e mais importante fase de sua vida: a conversão. Saulo faz um retorno, uma curva de 180 graus. Descobriu que estava errado, e agora precisava encontrar o caminho de volta, para consertar o que fosse possível, para se reencontrar com o seu Criador.


Será que a nossa vida é parecida com a de Saulo? Se fôssemos comparar nossas vidas com o caminho de Damasco, em que fase estaríamos hoje? Analisemos cada fase desse caminho.


Primeira fase: Perdendo-se nas próprias obsessões (1,2)


Saulo, respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote e lhe pediu cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de que, caso achasse alguns que eram do Caminho, assim homens como mulheres, os levasse presos para Jerusalém.


Saulo respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor, e, para ele, o melhor caminho era pedir ao sumo sacerdote cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de que, caso achasse alguns que eram do outro Caminho, fossem homens, fossem mulheres, os levasse presos para Jerusalém. Ele pensava que tinha o controle de sua vida, nem passava pela sua cabeça que estava perdido. Tinha uma meta, um alvo bem definido, não se distraía com nada que pudesse fazê-lo desviar. Passava longe de sua consciência a voz da advertência bíblica de que “há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte” (Provérbios 14.12). Estava surdo para o conselho de Provérbios (3.5): “Confia no SENHOR de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento”. Mais do que se estribando em seu próprio entendimento, Saulo estava completamente prostrado diante do seu modo de entender o mundo. Sua determinação em perseguir o Caminho de Jesus era uma obsessão. Não bastava perseguir e dispersar os cristãos, pretendia persegui-los por onde quer que se dirigissem, mesmo que fugissem para Damasco, distante mais de 200 Km de Jerusalém. Quantas pessoas, hoje em dia, estão nessa fase do caminho, perdidos em suas próprias obsessões. De acordo com um folder da UFRGS,


Obsessões são pensamentos, ideias, imagens, palavras, frases, números ou impulsos que invadem a consciência da pessoa de forma repetitiva e persistente. Sentidas como estranhas ou impróprias, geralmente são acompanhadas de desconforto, medo, angústia, culpa ou desprazer. O indivíduo obsessivo, mesmo desejando ou se esforçando, não consegue afastá-las ou suprimi-las de sua mente. Apesar de serem consideradas absurdas ou ilógicas, as obsessões causam aflição elevam a pessoa a fazer algo (rituais ou compulsões) ou a evitar fazê-lo (evitações) para livrar-se do medo ou do desconforto. As obsessões mais comuns se relacionam com: sujeira, contaminação; dúvidas; simetria, perfeição, exatidão ou alinhamento; impulsos ou pensamentos de ferir, insultar ou agredir outras pessoas; sexo ou obscenidades; armazenar, poupar, guardar coisas inúteis ou economizar; preocupações com doenças ou com o corpo; religião (pecado, culpa, escrúpulos, sacrilégios ou blasfêmias); pensamento mágico (números especiais, cores, datas e horários).


 


Cordioli, Aristides Volpato. Heldt , Elizeth. Litvin Raffin, Andréa. Transtorno obsessivo compulsivo: perguntas e respostas. Porto Alegre: UFRGS, 2004. Disponível em: http://www.ufrgs.br/psiquiatria/psiq/FOLDER%20TOC%20vers%C3%A3o%2010_05.pdf Acesso em: 05 fef. 2017.


Será que eu ou você estamos também passando por essa fase no caminho de nossas vidas? Será que alguma obsessão da lista acima se identifica com o nosso comportamento atual?


Segunda fase: Caindo por terra (3-6)


Seguindo ele estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor, e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Ele perguntou: Quem és tu, Senhor? E a resposta foi: Eu sou Jesus, a quem tu persegues; mas levanta-te e entra na cidade, onde te dirão o que te convém fazer.


Quando Saulo estava já próximo de Damasco, de repente uma luz do céu brilhou ao seu redor, fazendo-o cair por terra. Era Jesus glorificado, que se fez ouvir: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Saulo perguntou: “Quem és tu, Senhor?” Era Jesus, a quem Saulo perseguia, o qual lhe ordenou levantar-se e entrar na cidade, onde devia aguardar mais instruções.


Nessa fase do caminho houve uma crise inesperada, um súbito encontro com a luz divina, uma experiência que nunca mais iria esquecer. Assim acontece conosco também, quando somos pegos de surpresa por tempestades. Não somente as tempestades climáticas, mas também as tempestades emocionais, para as quais não estávamos preparados. Talvez não se trate de um acontecimento tão espetacular como o de Saulo, ou uma sequência de tragédias tão contundentes como ocorreu na vida de Jó que, de uma hora para outra, teve sua vida virada do avesso. Mas, quando Deus decide tocar em uma área crítica de qualquer pessoa, ela nunca mais será a mesma. Tudo cai por terra.


Já houve na sua vida um momento em que enfrentou grande angústia? Alguma vez aconteceu algo que mudou o rumo de sua vida? Uma doença, um acidente, uma morte precoce? Para que todos os nossos planos caiam por terra, nem sempre precisa acontecer uma coisa ruim.


Certa vez, eu li uma interessante história sobre um folheto salvador:


Todos os domingos de manhã, depois do Grupo de Oração na Igreja, o coordenador do grupo e seu filho de 11 anos saíam pela cidade e entregavam folhetos [...]. Numa tarde [...], fazia muito frio lá fora e também chovia muito. [...] Depois de caminhar por horas na chuva, estava todo molhado, mas faltava um último folheto. [...] Então ele se virou em direção à primeira casa que viu e [...] tocou a campainha, mas ninguém respondeu. Ele tocou de novo, mais uma vez, mas ninguém abriu a porta. Finalmente, o menino se virou para ir embora, mas algo o deteve. Mais uma vez, ele tocou a campainha e bateu na porta bem forte. [...] A porta se abriu bem devagar. Uma senhora idosa com um olhar triste [...] perguntou: O que você deseja, meu filho? [...] Senhora, [...] vim aqui para lhe entregar o meu último folheto[...]. No domingo seguinte na Igreja, [...] uma senhora idosa se pôs de pé. E começou a falar. [...] No domingo passado, um dia frio e chuvoso, [...] eu peguei uma corda e uma cadeira e subi para o sótão da minha casa, amarrei a corda numa madeira do telhado, subi na cadeira e coloquei a corda em volta do meu pescoço [...] quando [...] o toque da campainha me assustou. [...] A campainha era insistente; [...] Afrouxei a corda do meu pescoço e fui à porta [...], pois na minha varanda estava o menino mais radiante que já vi em minha vida. [...] Ele me entregou este folheto que eu tenho em minhas mãos. [...] Li cada palavra deste folheto. Então eu subi para o sótão, peguei minha corda e a cadeira. Eu não iria precisar mais delas. [...] vim aqui pessoalmente para dizer OBRIGADO [...].


O último folheto. Disponível em: http://www.hpbysandra.com.br/ultimo_folheto.html Acesso em 05 fev. 2017.


Aquela senhora idosa ia se suicidar, mas o Senhor interveio com uma coisa boa, com uma demonstração de amor que mudou a sua vida. Mas quando não ouvimos a voz mansa e suave de Jesus nos chamando, ele pode derrubar nossos planos obstinados através de outra metodologia.


Nossa igreja conhece uma jovem senhora, cujo filho sofreu, há alguns anos, um terrível desastre que quase lhe tirou a vida. Eu e minha esposa tivemos a oportunidade de visitá-los pouco depois do acidente. Seu filho já estava quase totalmente recuperado, e nos recebeu à porta. Logo veio também a senhora. Estávamos tentados a dizer que o acidente foi uma intervenção de Deus para que eles despertassem espiritualmente e voltassem para a igreja, mas não precisamos falar. Ela mesma disse que reconhecia a mão de Deus, tanto em permitir o acidente, quanto em poupar a vida de seu filho. Disse que iam dar atenção à voz divina, e que iam voltar à comunhão da igreja.


Pode ser que algum dia você ou eu nos sintamos assim, como se tudo caísse por terra. Os nossos sonhos, os nossos planos, o nosso ritmo, de repente é quebrado pela intervenção do Senhor. Quando isso acontecer, ouçamos a sua voz, e perguntemos como Saulo perguntou: “Quem é tu, Senhor?” e “que farei, Senhor?” (Atos 22.10). As cartas do sumo sacerdote já não tinham mais utilidade, podiam ser deixadas ali mesmo, no chão. Seus projetos, sua respiração de ameaças e morte já não faziam mais sentido. Tudo estava ali, como o próprio Saulo, caído na terra.


Terceira fase: Convertendo-se ao Senhor (7-9)


Os seus companheiros de viagem pararam emudecidos, ouvindo a voz, não vendo, contudo, ninguém. Então, se levantou Saulo da terra e, abrindo os olhos, nada podia ver. E, guiando-o pela mão, levaram-no para Damasco. Esteve três dias sem ver, durante os quais nada comeu, nem bebeu.


Os companheiros de viagem de Saulo pararam emudecidos. Ouviram a voz, mas não viram ninguém. Saulo se levantou da terra e, quando abriu os olhos, percebeu que estava cego. Guiando-o pela mão, seus companheiros o levaram para Damasco. Lá ficou três dias, sem ver, e durante esse tempo nada comeu, nem bebeu.


Sabemos, pelo versículo 11 deste capítulo, que Saulo estava orando. Estava prostrado diante do trono do Senhor. Não era mais aquele jovem determinado que deixou Jerusalém com uma missão obstinada. Agora estava à disposição de Jesus, esperando instruções antes de dar o próximo passo, e a oração era a melhor maneira de ouvir a sua voz. Todo homem que, sinceramente, quer saber a vontade de Deus para a sua vida, deve ser um homem de oração. Homens de Deus famosos deixaram também esse testemunho, homens como David Livingstone, um escocês, que


Foi um dos personagens mais impressionantes do século 19. Foi cientista, explorador e evangelista [...] descobriu e mapeou vários rios e foi o primeiro homem branco a percorrer a África de Norte a Sul, ida e volta. Sua vida chegou ao fim quando intentou descobrir a nascente do rio Nilo [...]. Morreu orando, ajoelhado à beira da cama” (Sombrio et al., p.43)


SOMBRIO, Alexandre, et al. Dia a Dia com Deus. Curitiba: Publicações RBC, 2011.


O fato de Saulo estar orando evidenciava sua conversão. Ele estava voltando, havia feito uma curva de 180 graus no seu caminho, pois reconheceu que andara errado, e se arrependeu. A conversão não foi o final do caminho de Saulo, até Damasco. Sua caminhada, sob o ponto de vista da conversão, estava apenas começando. E começou muito bem, buscando a orientação do Senhor através da oração. Até onde sabemos, Saulo nunca mais se desviou do caminho estreito, até completar a sua carreira. Mas nem todos são assim. Há momentos na vida de um crente em que ele precisa parar e analisar se não está se desviando do caminho que iniciou quando da sua conversão. Podemos achar que estamos no caminho certo, mas é necessário consultar o Senhor, através da Bíblia e da oração, para provar se de fato não nos desviamos do caminho estreito. Vejam o caso de Pedro, que estava andando com Jesus havia mais de três anos. Tinha mudado drasticamente sua vida. Tinha abandonado tudo para seguir Jesus. Tinha confessado diante de todos que aquele homem era o Cristo, o filho de Deus, mas Jesus o abordou com palavras que poderiam lhe parecer estranhas naquela altura de sua vida: “Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos” (Lucas 22.32). Como assim, “quando te converteres”!? Pedro podia achar que já era convertido, as pessoas que o observavam podiam também chegar a essa conclusão, mas aos olhos do Senhor Jesus, Pedro ainda não tinha chegado a essa fase.


Conclusão


Meditando sobre estas coisas, podemos nos perguntar: “Em que fase estamos?” Perdidos em nossas próprias obsessões? Ainda não caímos por terra, nos prostrando diante do grande poder do Senhor? O que ele precisa fazer para nos derrubar do nosso próprio entendimento, sobre o qual estamos estribados? Hoje não é o dia de nos convertermos ao Senhor? De voltarmos do caminho errado pelo qual estamos teimosamente trilhando? Será que a contracorrente deste mundo está vencendo os nossos esforços, de modo que retrocedemos alguns passos? Deixemos o Espírito do Senhor nos dar essa resposta. Examinemo-nos a nós mesmos, e oremos: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno” (Salmos 139.23,24).


(*) Foto do cabeçalho: Arco Romano, Damasco, Síria. David Samuel Santos, 18/06/2010. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/samuel_santos/4840926639/ Acesso em 10 mar. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

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