domingo, 17 de março de 2019

O discípulo (Atos 9.10-22)

Existem muitas coisas que podem nos aborrecer de repente. Um olhar torto, uma conta de luz muito alta, a ausência de pessoas na igreja, são algumas dessas coisas. A vida não seria mais fácil se fosse diferente? Se as pessoas fossem mais gentis conosco, se tivéssemos dinheiro sobrando, se a igreja estivesse cheia, talvez não ficássemos tão aborrecidos. Mas as coisas não são como a gente quer. Glória a Deus! Porque ele tem um plano melhor para nós. Ele quer nos ensinar a viver, e viver de maneira que glorifiquemos o seu nome, de maneira que sejamos conhecidos em todo o mundo como discípulos de Jesus, como filhos de Deus.


O discípulo de Cristo não anda como bem quer, e não deve ficar aborrecido por isso, porque tem que cumprir um programa de aprendizagem, que deixa nele suas marcas. Os discípulos que fazem parte desse programa recebem pelo menos três marcas que o identificam.


Primeira marca: obediência (10-15)


Ora, havia em Damasco um discípulo chamado Ananias. Disse-lhe o Senhor numa visão: Ananias! Ao que respondeu: Eis-me aqui, Senhor! Então, o Senhor lhe ordenou: Dispõe-te, e vai à rua que se chama Direita, e, na casa de Judas, procura por Saulo, apelidado de Tarso; pois ele está orando e viu entrar um homem, chamado Ananias, e impor-lhe as mãos, para que recuperasse a vista. Ananias, porém, respondeu: Senhor, de muitos tenho ouvido a respeito desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém; e para aqui trouxe autorização dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome. Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel;


Ananias, um discípulo que morava em Damasco, recebeu do Senhor uma instrução, através de uma visão: “Dispõe-te, e vai à rua que se chama Direita, e, na casa de Judas, procura por Saulo, apelidado de Tarso”; Ananias achou estranha a ordem do Senhor, e respondeu: “Senhor, de muitos tenho ouvido a respeito desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém; e para aqui trouxe autorização dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome”. Mas o Senhor insistiu que ele fosse, afirmando que Saulo era agora um instrumento escolhido para levar o seu nome “perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel”;


O discipulado é um programa onde se aprende a obediência. Ananias até questionou, num primeiro momento, a ordem recebida, mas, percebendo que o Senhor estava falando sério, foi sem vacilar. Não fez como Jonas, que, recebendo uma missão do Senhor, não quis obedecer, fugindo para Társis, escondendo-se de Deus num porão de navio, preferindo ser lançado ao mar do que ir pregar em Nínive (Jonas 3.3-12). Mas até mesmo Jonas teve que obedecer, pois Deus foi buscá-lo no fundo do abismo, dentro do estômago do grande peixe, ao qual Deus obrigou a devolver sua “refeição”, o profeta, para que finalmente fizesse o seu trabalho (Jonas 2.10; 3.1,2). Ananias não precisou de nada disso. Protestou, no primeiro momento, mas logo viu que o Senhor estava decidido a trabalhar com o rebelde Saulo, aquele que veio a Damasco perseguir a igreja.


Há momentos em que Deus nos mostra caminhos que parecem não fazer sentido, mas é porque ele tem uma visão ampla, enquanto nós temos uma visão muito limitada. Se nós pudéssemos ver como vê o Senhor, não faríamos muitos questionamentos, dos que estamos acostumados a fazer. Obedecer significa fazer coisas que naturalmente não se faria. Acordar cedo no domingo, esforçar-se para chegar cedo nos cultos, cumprimentar todas as pessoas, até mesmo (e principalmente) aquelas com quem não temos muita afinidade, fazer um planejamento do nosso dia, de forma que sobre um tempo razoável para a oração e leitura diária da Bíblia. Deus é soberano, e exige de nós obediência. Spurgeon, falando sobre a soberania de Deus, em seu sermão nº 3284, prega aos pecadores não salvos que assistiam ao culto:


Pecador, é de uma misericórdia indescritível, para você, que o Senhor reine, pois é justamente por que Ele reina que você ainda vive. Se Deus não fosse Rei, a sentença da Justiça seria executada rapidamente, certamente, sem misericórdia. E todo pecador, no momento que peca, deve morrer. Porém, pecador, Ele, que é Rei, é benevolente e diz ao oficial de Justiça, ‘Poupe este homem. Deixe que viva.’ Ele poupou alguns de vocês trinta, quarenta, cinquenta, sessenta – e, talvez, até, 70 anos! Você não teria poupado nenhum dos seus semelhantes que o tenha ofendido por todo este tempo


Assim, pela misericórdia de Deus, os que ainda não foram salvos são pacientemente chamados à obediência. Depois, na segunda parte do seu sermão, ele fala àqueles que já eram salvos, que estavam se alegrando por fazerem parte do reino de Deus, e que eram membros de sua igreja:


Quão notável exemplo da Soberania Divina nós temos nessa igreja, assim como individualmente nos membros dela! Nós estamos entre os poucos de Sião, mas Deus têm nos multiplicado grandemente. Por que isso? Por que Ele nos abençoou tão espantosamente, e passou por outros os quais mal ouviram falar do choro de um convertido recém-nascido? Qual outra razão nós podemos dar senão esta – pois Lhe pareceu bom aos Seus olhos? Portanto, alegremo-nos, mas também que nos alegremos com temor para que o Senhor não nos tire tais experiências abençoadas!


A Consequência da Soberania Divina. Sermão Nº. 3284. Entregue por C. H. Spurgeon, no Tabernáculo Metropolitano, Newington, na Noite do Dia do Senhor, 4 de Fevereiro de 1866. Publicado na Quinta-Feira, 11 de Janeiro de 1912. Disponível em: http://projetospurgeon.com.br/wp-content/uploads/2012/02/A-Consequencia-da-Soberania-Divina.pdf Acesso em: 26 fev. 2017.


Assim, com temor, os que foram salvos também devem obediência. Ananias foi um discípulo obediente, mas não ficou muito famoso por isso. O desobediente Jonas, que recebeu missão semelhante e fugiu de Deus, até as crianças conhecem. É assim que acontece muitas vezes. Quase ninguém fala do obediente irmão do pródigo, mas do desobediente filho pródigo, a fama correu o mundo. Todos esses, porém, tiveram que obedecer igualmente, por bem ou por mal.


Deus ensina os seus filhos. Ensinou a Jonas, ensinou a Ananias, ensinou a Saulo. Ele ensinará a obediência a todos os seus filhos, os que se matricularem na sua escola de discipulado, para fazerem parte do seu programa de aprendizado.


Segunda marca: o sofrimento (16-18)


[...] pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome. Então, Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos, dizendo: Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo. Imediatamente, lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e tornou a ver. A seguir, levantou-se e foi batizado.


O Senhor disse que mostraria a Saulo o quanto lhe importaria sofrer pelo seu nome. Ananias foi então, impôs as mãos sobre Saulo, dizendo: “Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo”. Imediatamente caíram dos olhos dele algo parecido com escamas, e tornou a ver, levantou-se e foi batizado.


É possível que Saulo nunca tenha recuperado a vista completamente. Há passagens na Bíblia que nos levam a crer que a dificuldade de enxergar o tenha acompanhado até o resto de sua vida, como nas passagens abaixo:


“E vós sabeis que vos preguei o evangelho a primeira vez por causa de uma enfermidade física. [...] Que é feito, pois, da vossa exultação? Pois vos dou testemunho de que, se possível fora, teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar” (Gálatas 4.13,15).


‘Vede com que letras grandes vos escrevi de meu próprio punho” (Gálatas 6.11).


“E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte” (2ª Coríntios 12.7).


Mas não era só a suposta falta de visão que Saulo teve que sofrer. Ele dá testemunho de variados tipos de sofrimentos que suportou em seu apostolado, como em 2ª Coríntios 11.23-28:


[...] em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos de morte, muitas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um; fui três vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma noite e um dia passei na voragem do mar; em jornadas, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez. Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as igrejas.


O sofrimento de Saulo não foi sem medida, mas controlado, de forma que contribuísse para o seu aprendizado e para a sua missão. Havia um plano bem definido no qual, em meio aos sofrimentos, Saulo testificaria para reis, povos gentios, e para os filhos de Israel. Tudo fazia parte de um programa de treinamento, era um esforço calculado, como o de um atleta que esmurra seu corpo e o reduz à escravidão (1ª Coríntios 9.27). Saulo entendeu, ou pelo menos aceitou, e se apropriou da “sina” de sofredor, como se fosse uma conta de investimento, onde ajuntaria grandes riquezas espirituais, a serem resgatadas na vida porvir. Ele mesmo declara essa atitude em 2ª Timóteo 1.12: “[...] sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia”.


Você está disposto a ser um discípulo de Cristo? O sofrimento marcará a sua vida, pois isso faz parte do programa de aprendizado que Deus planejou.


Terceira marca: desenvolvimento de caráter (19-22)


E, depois de ter-se alimentado, sentiu-se fortalecido. Então, permaneceu em Damasco alguns dias com os discípulos. E logo pregava, nas sinagogas, a Jesus, afirmando que este é o Filho de Deus. Ora, todos os que o ouviam estavam atônitos e diziam: Não é este o que exterminava em Jerusalém os que invocavam o nome de Jesus e para aqui veio precisamente com o fim de os levar amarrados aos principais sacerdotes? Saulo, porém, mais e mais se fortalecia e confundia os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo.


Depois de ter sido curado e batizado, Saulo se alimentou e sentiu-se fortalecido, permanecendo alguns dias em Damasco com os demais discípulos. Não passou muito tempo e já estava pregando nas sinagogas que Jesus é o Filho de Deus. Todos os que o ouviam pregar ficavam atônitos dizendo: “Não é este o que exterminava em Jerusalém os que invocavam o nome de Jesus?” Pois sabiam que tinha vindo para levar os crentes presos para o sumo sacerdote. Mas em vez disso, “mais e mais se fortalecia e confundia os judeus que moravam em Damasco, demonstrando que Jesus é o Cristo”.


Saulo não começou instantaneamente o seu ministério, mas começou devagar, alimentando-se após longo jejum, passando alguns dias com os discípulos, recuperando-se do choque que o levou à conversão. Sabemos, por meio de Gálatas 1.17,18, que ele foi para as regiões da Arábia. Imagino que tenha sido uma espécie de retiro, para meditação e aprendizado, antes de voltar a Damasco e colocar as mãos à obra. Assim o novo discípulo foi se fortalecendo mais e mais, e aperfeiçoando sua argumentação em favor do evangelho. Antes de tornar-se o grande missionário aos gentios, ainda ficou algum tempo em Jerusalém, Cesaréia e Tarso, sua terra natal (Atos 9.28-30), e depois se reuniu por um ano na Igreja de Antioquia (Atos 11.25,26). Já no final de sua carreira, notamos nas entrelinhas que o esforço intenso fez Saulo se enfraquecer fisicamente, mas não espiritualmente. Tornou-se como um dos heróis da fé de Hebreus 11.34, que “extinguiram a violência do fogo, escaparam ao fio da espada, da fraqueza tiraram força [...]”, e compartilhou seu segredo em 2ª Coríntios 4.16: “Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia”. É assim que Saulo foi se fortalecendo mais e mais, como diz em 2ª Timóteo 4.17:“Mas o Senhor me assistiu e me revestiu de forças, para que, por meu intermédio, a pregação fosse plenamente cumprida [...]”.


Os seminaristas que estudaram no IBE, em Araçatuba, e retornaram à nossa igreja, sempre têm muitas histórias interessantes para contar. Dizem que havia alguns professores e diretores muito exigentes, e às vezes os alunos até se revoltavam com algumas injustiças da parte da liderança. Mas toda essa dificuldade no relacionamento entre alunos e professores se justificava com a premissa de que era preciso “trabalhar no caráter” dos alunos. Não era bastante aprender teologia, pois se o caráter não fosse devidamente desenvolvido, não haveria preparação suficiente para enfrentar a vida que se seguia fora do seminário. Saulo era um mestre em teologia, mas ainda assim, o seu caráter precisava ser desenvolvido. Precisava ser curado por um discípulo que antes era objeto de seu ódio; precisava ser batizado, dando testemunho de que agora abraçava a fé que, outrora, procurava destruir; precisava contar com a hospitalidade e o perdão dos humildes discípulos que viera para prender e arrastar para Jerusalém; precisava sofrer resistência dos judeus que, atônitos, ouviam sua pregação, aparentemente contraditória.


Se você quiser ser um discípulo de Jesus, matricule-se no programa que Deus lhe preparou, consciente de que será necessário trabalhar no seu caráter. Não basta ser sábio, inteligente, formoso, nobre. Se Deus se importasse com essas qualidades apenas, poderia enviar anjos para fazerem o trabalho de evangelistas. Mas a tarefa nos foi dada a nós, com todas as dificuldades inerentes, porque Deus quer, entre outras coisas, desenvolver o nosso caráter.


Conclusão


Você quer ser um discípulo de Jesus? Quer fazer parte do programa que vai apresentá-lo a Deus “aprovado, como um obreiro que não tem de que se envergonhar” (2 Timóteo 2.15)? Então matricule-se! Seja consciente de que o caminho do discipulado é um caminho de obediência e de sofrimento, mas Deus te dará forças, pois um de seus objetivos é moldar o seu caráter. Talvez você esteja pensando que é melhor não, porque você não gosta de sofrer, e não está disposto a obedecer sem reservas aos mandamentos de Jesus. Mas sua alma anseia por fortalecimento espiritual, e não há melhor caminho do que o discipulado, para atingir os objetivos que o Pai amoroso tem para você. Lembre-se da advertência do Senhor em Lucas 9.24: “Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará”. Saulo e Ananias, e certamente milhões de discípulos anônimos de Jesus já concluíram o seu curso, já colaram grau, e hoje estão no céu aguardando o seu galardão. Vamos nos juntar a eles? Assim, as marcas da obediência, do sofrimento e do desenvolvimento do caráter se tornarão bem visíveis em nós, para que sejamos dignos de sermos chamados discípulos de Cristo.


(*) Imagem do cabeçalho disponível em: http://www.pibnilopolis.org.br/o-discipulo-como-agente-de-transformacao-e-vida/ Acesso em 17 mar. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.


 


 

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