sábado, 30 de novembro de 2019

O evangelho e a pedra lapidada (Atos 10.34-43)

Quando eu era adolescente, queria muito cantar uma música, cuja melodia e rimas eram perfeitas, mas eu não a cantava, porque a ideia que a letra transmitia muito me incomodava. Ainda que eu não fosse, à época, convertido ao cristianismo, não conseguia aceitar sua posição, especificamente numa frase que dizia: “Eu quero crer na solução dos evangelhos, obrigando os nossos moços ao poder dos nossos velhos” (música “Cordilheira”, de Sueli Costa e Paulo César Pinheiro). Não era assim que eu via o evangelho pois, embora ainda não tivesse me entregado totalmente a ele, eu o via pelo menos com simpatia. Como é que você vê o evangelho? Assim como uma pedra lapidada, dependendo do ângulo pelo qual você o observa, ele pode se apresentar em diversas facetas.


Pedro apresentou a Cornélio o evangelho no qual deveria crer para ser salvo, para entrar no Reino de Deus e ter a vida eterna. O discurso de Pedro destaca algumas facetas pelas quais o evangelho de Jesus Cristo pode ser percebido.


O Evangelho da paz (34-36)


Então, falou Pedro, dizendo: Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável. Esta é a palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, anunciando-lhes o evangelho da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos.


Primeiramente, Pedro apresenta a Cornélio o evangelho como o anúncio da paz entre judeus e gentios, e destes com Deus. Uma relação que antes de Jesus não era possível.


Hoje, nós sonhamos com a paz entre as nações. Isto é um tema constante entre os chefes de governo no mundo. Exemplo disso foram as tentativas de se achar solução para o conflito da Síria no ano de 2017, conforme nos informou, no início de maio daquele ano, o jornal O Estado de São Paulo:


Rússia, Irã e Turquia assinaram um acordo para criar zonas de exclusão na Síria e, assim, isolar grupos terroristas no país afetado pela guerra. Moscou propõe colocar países não envolvidos diretamente no conflito para fazer parte de operações de paz e o Brasil foi mencionado como alternativa, uma vez que a missão do País no Haiti está chegando ao fim. [...] As Forças Armadas brasileiras mantêm cerca de 1.500 militares em dez diferentes missões da ONU. O maior grupo, com cerca de 850 soldados, está no Haiti. Equipes menores atuam em Chipre, Libéria, Timor Leste, Saara Ocidental, Costa do Marfim, Líbano, Colômbia, Equador e Peru. Ao longo dos últimos 70 anos, a participação do Brasil em mandatos armados das Nações Unidas mobilizou cerca de 68 mil homens e mulheres.


Rússia propõe que Brasil integre missão de paz na Síria. Reportagem de Jamil Chade, Correspondente / Genebra e Roberto Godoy, O Estado de S. Paulo 04 Maio 2017. Disponível em: http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,russia-propoe-que-brasil-integre-missao-de-paz-na-siria,70001764077 Acesso em 31 maio 2017.


A paz foi profetizada desde os tempos antigos, como uma bênção a ser trazida pelo Messias de Israel, conforme os seguintes versículos:


Eis que te nascerá um filho, que será homem sereno, porque lhe darei descanso de todos os seus inimigos em redor; portanto, Salomão será o seu nome; paz e tranquilidade darei a Israel nos seus dias. (1º Crônicas 22.9).


Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz (Isaías 9.6).


Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. (Isaías 53.5)


A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o SENHOR dos Exércitos; e, neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos Exércitos (Ageu 2.9).


Destruirei os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e o arco de guerra será destruído. Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar e desde o Eufrates até às extremidades da terra (Zacarias 9.10).


E, vindo, evangelizou paz a vós outros que estáveis longe e paz também aos que estavam perto (Efésios 2,17).


Vindo, porém, o Messias, foi rejeitado por Israel, e a paz não se instalou, antes foi adiada, e ainda estamos na vigência da profecia de Jesus, que diz em Mateus 10.34: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada”.


Evangelho da libertação (37-39)


Vós conheceis a palavra que se divulgou por toda a Judéia, tendo começado desde a Galileia, depois do batismo que João pregou, como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele; e nós somos testemunhas de tudo o que ele fez na terra dos judeus e em Jerusalém; ao qual também tiraram a vida, pendurando-o no madeiro.


Outra faceta do evangelho apresentada por Pedro é a da libertação. As opressões do diabo, especialmente as doenças e as possessões demoníacas, não prevaleciam na presença do Senhor Jesus, mas desapareciam instantaneamente. A fé no evangelho de Jesus Cristo dá aos crentes oportunidade de libertação dessas opressões. Longe do evangelho, porém, o mundo “jaz no maligno”, como ilustra o último relatório da OMS concluído em 2011 e divulgado em maio de 2015:


[...] afirma o relatório Estatísticas Mundiais de Saúde 2011 divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) hoje (13/05) [...] Doenças não-transmissíveis como as doenças cardíacas, os derrames, a diabetes e o câncer, agora compõem dois terços de todas as mortes no mundo, devido ao envelhecimento da população e à propagação de fatores de risco associados à globalização e à urbanização. O controle dos fatores de risco como o tabagismo, o sedentarismo, a má alimentação e o uso excessivo de álcool se torna mais crítico. Os números mais recentes da OMS mostram que cerca de quatro em cada dez homens e uma em cada onze mulheres estão usando tabaco e cerca de um em cada oito adultos são obesos.


Novo relatório da OMS traz informações sobre estatísticas de saúde em todo o mundo. Nações Unidas no Brasil, 13/05/2011. Disponível em: https://nacoesunidas.org/novo-relatorio-da-oms-traz-informacoes-sobre-estatisticas-de-saude-em-todo-o-mundo/  Acesso em: 31 maio 2017.


A cura física trazida por Jesus era por graça e misericórdia, mas limitada àqueles que nele criam, e com a finalidade maior de mostrar que ele realmente falava sério, ao afirmar que era o filho de Deus que veio salvar o mundo. Lucas 6.19 diz que “[...] todos da multidão procuravam tocá-lo, porque dele saía poder; e curava todos”.


Mesmo assim a maioria não creu na sua pregação para que pudessem receber a libertação completa oferecida por Deus, como demonstram os versículos abaixo:


E não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles (Mateus 13.58).


E ele lhes respondeu: Por causa da pequenez da vossa fé. Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos será impossível (Mateus 17.20).


Porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os ouvidos e fecharam os olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados (Mateus 13.15).


Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos, nem entendam com o coração, e se convertam, e sejam por mim curados (João 12.40).


Os apóstolos, que deram continuidade à obra de Jesus (pelo menos a uma parte dela), também receberam poder para curar, para libertar os oprimidos do diabo. Mas, no final do livro de Atos, após todas as intensas atividades missionárias dos apóstolos, nós lemos, como se fosse numa sentença judicial, as mesmas palavras proféticas proferidas por Paulo, dirigida aos judeus incrédulos:


Porquanto o coração deste povo se tornou endurecido; com os ouvidos ouviram tardiamente e fecharam os olhos, para que jamais vejam com os olhos, nem ouçam com os ouvidos, para que não entendam com o coração, e se convertam, e por mim sejam curados (Atos 28.27).


Ainda hoje o evangelho é apresentado pela faceta da libertação, e ainda hoje é rara a fé genuína, que poderia abrir o canal pelo qual costuma fluir o poder libertador.


Evangelho do perdão (40-43)


A este ressuscitou Deus no terceiro dia e concedeu que fosse manifesto, não a todo o povo, mas às testemunhas que foram anteriormente escolhidas por Deus, isto é, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressurgiu dentre os mortos; e nos mandou pregar ao povo e testificar que ele é quem foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos. Dele todos os profetas dão testemunho de que, por meio de seu nome, todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados.


Dentre as facetas do evangelho apresentadas, creio que a mais importante é a faceta do perdão. É a nossa maior bênção, pois, sendo perdoados de nossos pecados, escapamos da condenação eterna. Podemos até enfrentar guerras, em vez de paz, sofrer com as opressões do inimigo neste mundo, enquanto aguardamos a libertação, mas, crendo no evangelho de Jesus Cristo, temos a bendita esperança de que estaremos com ele no paraíso, uma vez que recebemos o perdão dos nossos pecados. Antes de ouvirmos e crermos no evangelho, estávamos perdidos, iludidos pelas mentiras de satanás.


Há algum tempo, li a respeito de um jovem alemão que se declarou iludido pelo Estado Islâmico. Seu nome é Ebrahim B., o qual


[...] havia sido recrutado pelos radicais, mas foi acusado de espionagem em agosto do ano passado e quase foi decapitado pelo grupo. Atraído para a Síria com a promessa de um carro e quatro mulheres, o jovem de 26 anos deixou seu país e trabalhou durante alguns meses para o EI, segundo informações do jornal The Independent. Quando foi acusado de ser espião, Ebrahim B. foi trancado em uma cela [...] O destino de Ebrahim B. também era a morte, mas, milagrosamente, ele escapou. O jovem recebeu ordens de levar um combatente ferido a um hospital e, no caminho, conseguiu fugir.


Ex-membro do Estado Islâmico, homem conta como escapou de ser decapitado pelo grupo. Notícias R7, 4/8/2015. Disponível em: http://noticias.r7.com/internacional/ex-membro-do-estado-islamico-homem-conta-como-escapou-de-ser-decapitado-pelo-grupo-04082015 Acesso em 31 maio 2017.


Podemos dizer que Ebrahim B., o jovem iludido e condenado pelo Estado Islâmico, recebeu o perdão quando lhe foi permitido levar um ferido ao hospital, dando ensejo à sua fuga. Sorte diferente tem aquele que não crê no evangelho, pois não escapa da morte eterna, conforme os versículos abaixo:


Todo aquele que proferir uma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas, para o que blasfemar contra o Espírito Santo, não haverá perdão (Lucas 12:10).


[...] para que, vendo, vejam e não percebam; e, ouvindo, ouçam e não entendam; para que não venham a converter-se, e haja perdão para eles (Marcos 4.12).


Conclusão


Para alguns, o evangelho é apenas para “obrigar os nossos moços ao poder dos nossos velhos”. E você, amado leitor, qual faceta do evangelho está contemplando neste momento? Deus te ilumine, para que possa vê-lo também como o evangelho da paz, da libertação e do perdão. É a nossa única chance de salvação.


(*) Foto do cabeçalho disponível em: https://br.pinterest.com/pin/562809284680911858/ Acesso em 01 dez. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.


 

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Feedback (Atos 10.21-33)

Já participei de muitos processos seletivos, em alguns deles fui aprovado, mas em outros, não. Uma prática importante que adotei, por orientação dos coachers, é pedir sempre um feedback aos recrutadores, para saber onde, sob o seu ponto de vista, eu poderia melhorar na próxima vez. Você se importa em saber como as pessoas estão te avaliando?


Não sei se Cornélio se importava, mas podemos observar, neste parágrafo de Atos 10.21-33, algo parecido com um feedback, em que ele foi avaliado sob pelo menos três pontos de vista.


Ponto de vista dos homens comuns: um homem bom (21-24)


E, descendo Pedro para junto dos homens, disse: Aqui me tendes; sou eu a quem buscais? A que viestes? Então, disseram: O centurião Cornélio, homem reto e temente a Deus e tendo bom testemunho de toda a nação judaica, foi instruído por um santo anjo para chamar-te a sua casa e ouvir as tuas palavras. Pedro, pois, convidando-os a entrar, hospedou-os. No dia seguinte, levantou-se e partiu com eles; também alguns irmãos dos que habitavam em Jope foram em sua companhia. No dia imediato, entrou em Cesaréia. Cornélio estava esperando por eles, tendo reunido seus parentes e amigos íntimos.


Os homens enviados por Cornélio precisavam convencer Pedro de que o centurião merecia uma atenção especial. Que melhor argumento, pois, do que dizer que ele tinha um bom testemunho de toda a nação judaica? Se muitos do povo consideravam que um homem era bom, é porque devia ser mesmo. Em épocas e culturas diferentes, o povo pode ter opiniões variadas de quem sejam “homens bons”. Na cidade de Porto Alegre, no século dezoito, por exemplo,


As Câmaras tinham seus cargos ocupados por indivíduos denominados homens bons. Essa designação vaga se referia aos integrantes das elites sócio-econômicas locais, que deveriam atender a uma série de requisitos. Ser maior de 25 anos, casado ou emancipado, católico e sem nenhuma “impureza de sangue”, isto é, nenhum tipo de mestiçagem racial. Era necessário que fossem homens de cabedal, o que significava, geralmente, serem proprietários de terra. Esses indivíduos de reconhecida posição social eram coletivamente chamados de homens bons, ou mais vagamente, povo.


BOXER, Charles R. O império marítimo português 1415-1825, São Paulo, Companhia das Letras, 2002. Pg. 287. Citado por COMISSOLI, Adriano, no artigo: Os “homens bons” e a Câmara de Porto Alegre (1767-1808). Niterói: 2006. Disponível em: http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_arquivos/6/TDE-2008-02-13T110421Z-1282/Publico/Dissert_COMISSOLI_Adriano.pdf Acesso em 28 maio 2017.


Jesus, porém, nos ensinou a provarmos os homens pelos seus frutos, conforme a metáfora de Mateus 7.17,18: “Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons”.


Jesus dá a entender, em Mateus 25.21, que alguns homens serão considerados bons, quando o Senhor lhes disser: “[...] Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. [...]”.


Apesar disto, nós não podemos alegar merecimento nenhum diante de Deus, pois somente poderemos produzir algum bom fruto se ele, na sua graça, nos possibilitar.


Ponto de vista de Pedro: um homem impuro (25-29)


Aconteceu que, indo Pedro a entrar, lhe saiu Cornélio ao encontro e, prostrando-se-lhe aos pés, o adorou. Mas Pedro o levantou, dizendo: Ergue-te, que eu também sou homem. Falando com ele, entrou, encontrando muitos reunidos ali, a quem se dirigiu, dizendo: Vós bem sabeis que é proibido a um judeu ajuntar-se ou mesmo aproximar-se a alguém de outra raça; mas Deus me demonstrou que a nenhum homem considerasse comum ou imundo; por isso, uma vez chamado, vim sem vacilar. Pergunto, pois: por que razão me mandastes chamar?


Existem, no meio evangélico, muitos jargões, mas se fôssemos bem criteriosos na definição de certos termos, quem seriam os puros, e quem seriam os impuros, de acordo com os conceitos atuais? Haveria separação segura entre o que é “secular” e o que é “espiritual”? O que seria “viver para Cristo” e “viver para o mundo”? Como distinguiríamos “coisas materiais” e “coisas espirituais”? É possível que algumas pessoas se dediquem tanto a Deus, de forma que estejam em um nível mais elevado de santidade? Jesus mesmo, com seus discípulos, foi taxado de impuro, quando os fariseus e escribas o interpelaram: “[...] Por que não andam os teus discípulos de conformidade com a tradição dos anciãos, mas comem com as mãos por lavar?” Mas lhes rebateu a crítica:


[...] Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o contamina. [...] Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem (Marcos 7.5,15, 21-23).


Paulo advertiu os Coríntios para não andarem com impuros, mas para deixar claro, se explica dizendo:


Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo. Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais. Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor (1ª Coríntios 5.9-13).


O fato é que todos somos humanos, todos somos pecadores. Não podemos nos esconder atrás de títulos como o de pastor, presbítero, diácono, pois são apenas títulos que, embora normalmente conquistados por mérito honroso, afetam apenas a vida na terra. Estamos no mesmo barco, somos sujeitos às mesmas paixões, temos todos as mesmas lutas contra a nossa natureza humana e contra o pecado. Por isso, sob o nosso ponto de vista, a salvação de Cristo pode alcançar o pior dos pecadores. Há esperança para todos, em toda parte, caso se arrependam.


Ponto de vista de Deus: um homem aceitável (30-33)


Respondeu-lhe Cornélio: Faz, hoje, quatro dias que, por volta desta hora, estava eu observando em minha casa a hora nona de oração, e eis que se apresentou diante de mim um varão de vestes resplandecentes e disse: Cornélio, a tua oração foi ouvida, e as tuas esmolas, lembradas na presença de Deus. Manda, pois, alguém a Jope a chamar Simão, por sobrenome Pedro; acha-se este hospedado em casa de Simão, curtidor, à beira-mar. Portanto, sem demora, mandei chamar-te, e fizeste bem em vir. Agora, pois, estamos todos aqui, na presença de Deus, prontos para ouvir tudo o que te foi ordenado da parte do Senhor.


Alguns crentes, ao serem ajudados por não crentes, às vezes dizem: “e nem crente ele é...!”. Não esperavam de um incrédulo um ato de bondade. Ao mesmo tempo, esperavam que os crentes fossem mais bondosos. Condenam assim os crentes e exaltam os incrédulos que praticaram atos de bondade. Mas os atos de bondade, ou atos de justiça, embora sejam nossa obrigação, nem por isso serão aceitos. Deus deixou isso claro desde o início da revelação, como no caso das ofertas de Abel e de Caim (Gênesis 4.3-5). O Profeta Isaías (64.6) chega a tratar alguns tipos de “justiças” como verdadeiros “trapos de imundícia”.


Ainda assim, os atos de bondade não devem ser considerados exclusividade de crentes, nem se deve esperar deles que sejam sempre bondosos. Todo ato de bondade é dom de Deus, e deve ser sempre reconhecido como tal. Se veio por meio de uma pessoa que não crê na salvação por meio do Senhor Jesus Cristo, o “obrigado” passa a ter maior responsabilidade, mormente a de orar pela salvação do benfeitor, porque a salvação não vem por meio da justiça humana, mas por meio da justiça cumprida em Jesus, o Cordeiro de Deus. Oremos por todos os “aceitáveis”, para que eles reconheçam em Jesus o único e suficiente Salvador, para que seus pecados sejam cobertos pelo sangue de Jesus, e assim estejam aptos para entrar no Reino de Deus, porque, para ele, não é questão de ser considerado pelos homens como bom, ou de ser considerado por outros como impuro. O que importa é ser aceitável. Porque a impureza do homem pode ser purificada pelo sangue de Jesus.


Por outro lado, “[...] o SENHOR é justo, ele ama a justiça; os retos lhe contemplarão a face (Salmos 11.7). Ezequiel escreveu longos trechos falando do reconhecimento de Deus quando o homem pratica a justiça (vide versísulos 3.20; 14.14,20; 18.5,19-22,24,26,27; 33.12-14,16,18,19). Até o apóstolo Paulo, que defendeu veementemente a salvação somente pela graça de Deus, em Cristo, independentemente das obras de justiça, não nega o valor de um homem andar em justiça, conforme destaca no início de seu grande tratado teológico (vide Romanos 2.7,10-24).


Conclusão


Se você pedisse um feedback às pessoas de sua influência, como elas iriam te classificar? Uma pessoa boa, uma pessoa impura, uma pessoa aceitável?


Mas para Deus, quem você é? Como é que Deus, que lá do alto te observa, enxerga a maneira como você tem se comportado? Não podemos nos enganar, não podemos zombar de Deus. Devemos reconhecer a Jesus como nosso único e suficiente Salvador e Senhor e, ainda que as boas obras, por si só, não possam salvar, devemos nos esforçar para ser aceitáveis àquele a quem pertence a salvação.


(*) Foto do cabeçalho disponível em: https://www.napratica.org.br/como-pedir-feedback-e-usar/ Acesso em. 26 nov. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

domingo, 9 de junho de 2019

O cristão de plantão (Atos 10.9-20)

Você já sentiu um certo desânimo (para não falar preguiça), quando tem algum tempo livre, e não sabe o que fazer com ele? Especialmente perto do meio dia, quando o sol está mais quente, é difícil decidir fazer algo que seja útil. Mas se nós fôssemos bombeiros de plantão, ao soar do alarme, estaríamos sempre prontos para assumir nossa missão de resgate. O cristão que verdadeiramente deseja servir a Cristo deve ter esta mesma postura. E podemos dizer, baseados neste parágrafo de Atos 10.9-20, que existem pelo menos três maneiras pelas quais Deus direciona os cristãos que se dispuserem a ficar de plantão, para que façam a sua vontade em determinado momento.


Primeira maneira: Deus direciona através da oração (9)


“No dia seguinte, indo eles de caminho e estando já perto da cidade, subiu Pedro ao eirado, por volta da hora sexta, a fim de orar.”


Era por volta de meio-dia (é o que significa “hora sexta” no texto bíblico). O almoço ainda não estava pronto. O que fazer? Ficar sentado em frente à praia de Jope, observando as ondas e as pessoas que passam? Procurar alguém que também está à toa para bater um papo? Parece que Pedro tomou a melhor decisão para o momento: procurou um lugar isolado para orar. Podia muito bem, naquele momento, estar se perguntando: “O que é que eu estou fazendo aqui, na casa de um curtidor?”. Deus tinha usado grandemente o apóstolo para curar Enéias e ressuscitar Dorcas, mas agora tudo parecia monótono, nada acontecia, nada fazia sentido. Então ele pode ter pensado: “vou orar a respeito disso”.


Orar sempre é uma boa opção. Às vezes, até, é a única opção, especialmente quando nos vemos impotentes diante de poderes malignos que nos cercam. Foi assim que aconteceu com o rei Ezequias, que ficou muito angustiado quando recebeu uma carta ameaçadora do rei da Assíria e, sem saber o que fazer a respeito, foi à casa do Senhor e estendeu a carta diante do altar, como se estivesse pedindo que o Senhor lesse a carta e desse a sua opinião, conforme lemos em 2º Reis 19. 14-20:


Tendo Ezequias recebido a carta das mãos dos mensageiros, leu-a; então, subiu à Casa do SENHOR, estendeu-a perante o SENHOR e orou perante o SENHOR, dizendo: Ó SENHOR, Deus de Israel, que estás entronizado acima dos querubins, tu somente és o Deus de todos os reinos da terra; tu fizeste os céus e a terra. Inclina, ó SENHOR, o ouvido e ouve; abre, SENHOR, os olhos e vê; ouve todas as palavras de Senaqueribe, as quais ele enviou para afrontar o Deus vivo. Verdade é, SENHOR, que os reis da Assíria assolaram todas as nações e suas terras e lançaram no fogo os deuses deles, porque deuses não eram, senão obra de mãos de homens, madeira e pedra; por isso, os destruíram. Agora, pois, ó SENHOR, nosso Deus, livra-nos das suas mãos, para que todos os reinos da terra saibam que só tu és o SENHOR Deus.


Lemos nos versículos seguintes que Deus, por meio do profeta Isaías, deu a resposta que Ezequias buscava. Quando nós, cristãos de plantão, estivermos em dúvida sobre o que fazer, podemos fazer como Pedro ou como o rei de Israel, buscando uma luz através da oração.


Segunda maneira: Deus direciona através de visões (das Escrituras) (10-16)


Estando com fome, quis comer; mas, enquanto lhe preparavam a comida, sobreveio-lhe um êxtase; então, viu o céu aberto e descendo um objeto como se fosse um grande lençol, o qual era baixado à terra pelas quatro pontas, contendo toda sorte de quadrúpedes, répteis da terra e aves do céu. E ouviu-se uma voz que se dirigia a ele: Levanta-te, Pedro! Mata e come. Mas Pedro replicou: De modo nenhum, Senhor! Porque jamais comi coisa alguma comum e imunda. Segunda vez, a voz lhe falou: Ao que Deus purificou não consideres comum. Sucedeu isto por três vezes, e, logo, aquele objeto foi recolhido ao céu.


Deus nos fala diretamente através das Escrituras. Esta visão, por exemplo, pela qual Pedro foi orientado a não discriminar os gentios, não foi só ele quem teve, pois está escrita na Bíblia, portanto, todos nós que a lemos, recebemos a mensagem que veio pelo êxtase do apóstolo. Nós, que temos em nossas mãos as Escrituras, “vimos” Deus criando o mundo e os seres viventes, “vimos” o Êxodo com as manifestações de poder divino que o acompanharam. Tomamos conhecimento das profecias, e “testemunhamos” o cumprimento de todas elas. Jesus foi exposto como crucificado diante de nossos olhos (Gálatas 3.1), e nos maravilhamos diante das evidências de sua ressurreição.


As Escrituras, assim como as visões diretas que alguns personagens bíblicos receberam, nos dão esclarecimentos a respeito de decisões que normalmente são contrárias ao nosso querer, à nossa tendência pecaminosa. Há coisas que só fazemos porque as Escrituras nos orientam neste sentido. Hebreus 4.12 nos diz que “[...] a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.”


Quem, naturalmente, amaria os seus inimigos, se as Escrituras não tivessem ordenado? Quantos casais, que perseveram em meio às dificuldades inerentes ao matrimônio, não se separariam por “incompatibilidade de gênios” se as Escrituras não dissessem que a união matrimonial é “até que a morte os separe”?


Quando estamos em dúvida sobre o que fazer, nós, cristãos de plantão, podemos buscar uma luz através das “visões”, que temos ricamente através das Escrituras.


Terceira maneira: Deus direciona através de necessidades prementes (17-20)


Enquanto Pedro estava perplexo sobre qual seria o significado da visão, eis que os homens enviados da parte de Cornélio, tendo perguntado pela casa de Simão, pararam junto à porta; e, chamando, indagavam se estava ali hospedado Simão, por sobrenome Pedro. Enquanto meditava Pedro acerca da visão, disse-lhe o Espírito: Estão aí dois homens que te procuram; levanta-te, pois, desce e vai com eles, nada duvidando; porque eu os enviei.


Assim como Josué tinha que parar de orar e começar a agir (Josué 7.10), assim também Pedro tinha que parar de meditar e atender aos homens que o procuravam. Às vezes temos que nos dedicar a coisas menos “nobres”, “botar a mão na massa”, atender às necessidades das pessoas que estão ao nosso redor. Uma criança que requer atenção, um conflito se formando no íntimo da esposa, atarefada por causa do serviço doméstico, um incidente que se interpõe para desviá-lo e atrasá-lo em seu apressado caminho.


O pastor Jaime Kemp, certa vez, em um de seus vídeos sobre relacionamento familiar, contou a história de um pai que perguntou ao filho:


“– Filho,você sabe que eu te amo?


– Sim, papai.


– Como você sabe que eu te amo?


– Não sei, papai... Ah! Eu sei sim. Você me ama porque aquele dia, quando saía correndo para o trabalho, eu pedi que antes consertasse a minha bicicleta e você fez o que eu te pedi, mesmo que estivesse com muita pressa.”


Gosto muito de uma música que cantamos, que diz: “Bem de manhã, embora o céu sereno pareça um dia calmo anunciar, vigia e ora o coração pequeno: um temporal pode abrigar”. Às vezes acordamos e tudo está bem, tudo no seu lugar, nos preparamos para mais um dia de trabalho, para cumprirmos a nossa rotina. Mas de repente começa a tocar o telefone, três pessoas ao mesmo tempo querem falar com você, cada um com um problema diferente, e você se vê obrigado a deixar tudo o que estava fazendo, mudar toda a sua rotina do dia para tentar acudir aos que te pedem ajuda.


Quando fazemos uma lista de prioridades, e entre os itens estão “pessoas” e “coisas”, quem nós vamos colocar em primeiro lugar? A despeito de estejamos cientes do nosso dever, somos constantemente tentados a dar maior valor a coisas, em detrimento das pessoas.


Imaginemos um casal em seu leito, numa noite fria, acomodado, pronto para uma boa noite de descanso, e o bebê no outro quarto começa a chorar. Um dos dois terá que se levantar e ver o que está acontecendo. Mas, e se a criança já não for mais um bebê, e de algum modo também pedir sua atenção, por motivo de insegurança ou até mesmo de “manha”? A motivação do pai ou da mãe já não será tão forte para atendê-la. Ainda menos quando se tratar de um filho adulto, pedindo um favor qualquer. Mas, mesmo que a motivação já não seja tão forte, o bom pai e a boa mãe sempre acabam fazendo sacrifícios para atender ao chamado de um filho, porque a missão de pai e de mãe, assim como de avós, dura a vida inteira.


Às vezes, porém, Deus quer que demos atenção a pessoas com as quais não temos laços fraternos assim tão fortes. São, talvez, os “pequeninos” dos quais falou Jesus, alertando para que tomássemos cuidado para não escandalizá-los, sob a pena de castigos piores do que ser lançado ao fundo do mar com uma pedra amarrada no pescoço (Marcos 9.42). Se os “pequeninos” clamarem a Deus se queixando de nós, que demos maior valor a outras coisas do que às suas reais necessidades, não é assim que nos veremos escandalizando os “pequeninos” de Jesus?


Quando estamos em dúvida sobre o que fazer, nós, os cristãos de plantão, podemos ser orientados pelas circunstâncias das necessidades prementes das pessoas ao nosso alcance.


Conclusão


Como é que você está se sentindo hoje? Desanimado, com preguiça, em dúvida sobre o que fazer para ocupar o seu tempo? Vamos assumir a postura de plantonistas cristãos, recorrendo à oração, às revelações das Escrituras, estando também atentos aos alertas que se dão ao nosso redor, como bombeiros que estão sempre prontos para ajudar quem tiver necessidade.


(*) Foto do cabeçalho disponível em: https://www.cbm.df.gov.br/2012-11-12-17-42-33/2012-11-13-16-14-57?task=document.viewdoc&id=10993 Acesso em 10 jun. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.


domingo, 19 de maio de 2019

Aceitável (Atos 10.1-8)

Alguns anos atrás, a população ficou alarmada com rumores de que um jogo muito popular entre crianças e adolescentes, chamado Baleia Azul, os estava levando a cometerem suicídio. De fato, o risco é real, não só pelo fenômeno do jogo em questão, mas também por outros estímulos, quando a ansiedade por ser aceitável em seu grupo de relacionamento acaba levando as pessoas a cometerem loucuras. Um grande problema entre nós, seres humanos, é o medo de não sermos aceitos pela sociedade. Mas, será que as pessoas se preocupam também com a possibilidade de não estarem sendo aceitas por Deus? Cornélio é o exemplo de um homem que se tornou aceitável, ou seja, se tornou um candidato a ser aceito por Deus. Neste parágrafo de Atos 10.1-8, encontramos pelo menos três virtudes de Cornélio que o tornaram aceitável para Deus.


Primeira virtude: Piedade (1,2)


“Morava em Cesaréia um homem de nome Cornélio, centurião da coorte chamada Italiana, piedoso e temente a Deus com toda a sua casa e que fazia muitas esmolas ao povo [...]”


Um homem piedoso tem vantagens quando se trata de aceitação, pois é visto por Deus de um jeito especial, conforme 2ª Pedro 2.9, que diz: “[...] o Senhor sabe livrar da provação os piedosos e reservar, sob castigo, os injustos para o Dia de Juízo”.


Mas não é qualquer tipo de piedade que comove a Deus. Jesus, inclusive, adverte em Mateus 6.2 que, quando “[...] deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita”. E Paulo vai mais longe em 1ª Coríntios 13.3, ao dizer: “[...] ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará”.


A pesquisadora Maria da Conceição Meireles Pereira, num estudo sobre as publicações que sucederam o terremoto de Andaluzia, em 1885, analisa a diferença entre os conceitos de caridade e filantropia e, citando uma das publicações analisadas, observa que um correspondente chamado “[...] Lúcio Fazenda recusa os vocábulos caridade e filantropia porque identifica a primeira com hipocrisia e a segunda com egoísmo; propõe, em sua substituição, os conceitos que elege para título do seu texto: Reciprocidade ou Solidariedade”


PEREIRA , Maria da Conceição Meireles. Caridade Versus Filantropia - Sentimento e Ideologia: A Propósito dos Terramotos da Andaluzia (1885). Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal, 2004. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5016.pdf Acesso em: 23 abr. 2017.


Este ceticismo das pessoas com respeito à suposta piedade de alguns pode se justificar em casos como o mencionado numa reportagem da Gazeta do Povo de 17/05/2009, onde lemos que


“[...] Cerca de 330 mil peças de roupas e alimentos doadas para os atingidos das enchentes em novembro e dezembro do ano passado, em Santa Catarina, foram apreendidas em um galpão, anexo a um brechó, na cidade de Rio Negrinho, no Planalto Norte do estado. O empresário e dono do brechó, Ismael Evelson Ratzkob, 37 anos, foi preso em flagrante. Em depoimento, ele informou para a polícia que pegava os produtos em Ilhota, uma das cidades mais atingidas pela tragédia, e os levava para um depósito particular onde vendia peças para a população por até R$ 1. Ismael teve prisão temporária decretada”.


Doações a SC eram vendidas em brechó. Folhapress, em Gazeta do Povo, 17/05/2009. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/doacoes-a-sc-eram-vendidas-em-brecho-bl0ovwxbqt2uytmglwgq0vbda Acesso em 23 abr. 2017.


Às vezes é difícil decidir sobre como vamos praticar a nossa piedade. A prática mais comum é a de dar esmolas, mas existem controvérsias como as que são expostas no artigo de Nathália Braga, da Revista Super Interessante que, em 18/02/2011, compila algumas respostas à pergunta: “Devemos dar esmolas?”:


“A indiferença é a forma contemporânea da barbárie. É preferível dar porque, às vezes, o que você dá é a diferença entre ter ou não uma oportunidade. Ainda que seja só a oportunidade de comer.”


Rita Amaral, doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo.


“Acho errado. Esmola vicia e leva a pessoa a viver na condição de se acomodar com o pouco que recebe.”


Içami Tiba, Psiquiatra, educador e autor de quem ama educa.


“Depende. Nunca dou dinheiro, mas pago uma refeição. Solidariedade é um dever ético – repartir uma porção do que tem com um amigo em dificuldade é o princípio bíblico do dízimo.”


Frei Betto, Teólogo e escritor.


“Não. A esmola pode aliviar situações de extrema necessidade, mas não contribui para transformar a condição de miserabilidade dos pedintes.”


Waldir Mafra, da care Brasil, Ong que combate a pobreza.


“As pessoas acham que mendigo gosta de pedir, mas eu não gosto. Sei que esse não é o único jeito de viver, mas ainda não vejo outra saída. Se mais gente me ajudasse, talvez eu saísse dessa situação.”


Carla, moradora de rua.


BRAGA, Nathália. Devemos dar esmolas? Revista Super Interessante, 18/02/2011. Disponível em: http://super.abril.com.br/comportamento/devemos-dar-esmolas/ Acesso em: 23 abr. 2017.


O fato é que Cornélio já havia tomado a decisão de ser piedoso, e a maneira principal de praticar sua piedade era fazer “muitas esmolas ao povo”, pelo que se tornou aceitável, tanto pelos homens quanto por Deus.


Segunda Virtude: Fidelidade (2-6)


[...] e, de contínuo, orava a Deus. Esse homem observou claramente durante uma visão, cerca da hora nona do dia, um anjo de Deus que se aproximou dele e lhe disse: Cornélio! Este, fixando nele os olhos e possuído de temor, perguntou: Que é, Senhor? E o anjo lhe disse: As tuas orações e as tuas esmolas subiram para memória diante de Deus. Agora, envia mensageiros a Jope e manda chamar Simão, que tem por sobrenome Pedro. Ele está hospedado com Simão, curtidor, cuja residência está situada à beira-mar.


A fidelidade de Cornélio pode ser notada pelo fato de ele orar continuamente a Deus, e foi justamente nesta prática, na oração da “hora nona” (15 horas, em nosso modelo de nomenclatura atual), é que recebeu a visita do anjo de Deus. Somos exortados pela Bíblia a andarmos na mesma prática fiel, pois a oração é tida por Deus como “sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hebreus 13.15).


A fidelidade é o que nós esperamos uns dos outros. Ao nos casarmos, diante de Deus e das testemunhas, prometemos fidelidade. No nosso trabalho, o patrão espera que sejamos fiéis, tanto para chegar nos horários combinados, quanto para executar adequadamente as nossas tarefas. Os trabalhadores, por sua vez, esperam que o transporte coletivo seja fiel em passar nos horários determinados, e em levá-los para os locais programados. A sociedade, em geral, enaltece aqueles que são fiéis, mas rejeita os infiéis.


Quando um cristão decide ser fiel, é porque quer se assemelhar ao seu Pai, pois, “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1ª João 1.9). A fidelidade de Deus também não deixa que sejamos tentados além de nossas forças (1ª Coríntios 10.13). Gosto muito do Salmo 19 (1-6), que exalta, entre outros atributos, a fidelidade de Deus, ao cantar que


Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol, o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho. Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor.


A terra gira em torno do seu próprio eixo a uma velocidade aproximada de 1700 km/h, e muitos se perguntam: “e se um dia a terra parar?”. É certo que haveria muitas catástrofes, e possivelmente a extinção da vida. Mas todos os dias acordamos e lá está o sol, revelando a glória e a fidelidade de Deus, em manter a terra em movimento, para que continuemos a vida.


A segunda parte do Salmo 19 (7-14) fala da Palavra de Deus (a lei, os preceitos, o temor) e do desejo do salmista de, em contrapartida, também ser fiel ao seu Redentor, o que nós todos, igualmente, deveríamos buscar para que, como Davi ou Cornélio, nos tornemos aceitáveis a Deus.


Terceira virtude: Humildade (7-8)


“Logo que se retirou o anjo que lhe falava, chamou dois dos seus domésticos e um soldado piedoso dos que estavam a seu serviço e, havendo-lhes contado tudo, enviou-os a Jope”.


Cornélio, sendo um importante centurião da coorte, não se deixou dominar pela arrogância. Antes, humildemente, enviou três dos seus servos, cuidadosamente escolhidos, para solicitar a presença do apóstolo Pedro, conforme orientado pelo anjo.


A humildade é requerida dos cristãos em Romanos 12.16, que diz: “Tende o mesmo sentimento uns para com os outros; em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que é humilde; não sejais sábios aos vossos próprios olhos”, e é uma virtude ensinada pelo exemplo do próprio Senhor Jesus que, certa vez, declarou : “[...] sou manso e humilde de coração [...]” (Mateus 11:29).


São muitos, porém, os que escolhem o caminho da arrogância. Talvez o maior exemplo disto, na história, seja a do partido Nazista de Hitler, que popularizou e fez sua própria aplicação macabra da teoria da “Raça Ariana”. Numa matéria da revista Mundo estranho, em abril de 2011, lemos que este


É um conceito surgido no século 19 e que hoje está desacreditado. “A raça ariana seria supostamente a linhagem ‘mais pura’ dos seres humanos, constituída apenas por indivíduos altos, fortes, claros e inteligentes, representando assim, de acordo com critérios arbitrários, uma raça superior às demais”, afirma o biólogo Danilo Vicensotto, da Universidade de São Paulo (USP). A palavra “ariano” deriva de arya (“nobre”, em sânscrito) e serviu para denominar um povo de origem controversa. “Na verdade, os arianos não são uma raça, e sim um grupo lingüístico, mais conhecido como indo-europeu”, diz o historiador Robert Rozett, da biblioteca Yad Vashem, em Israel.


Em meados do século 19, o diplomata e escritor francês conde de Gobineau propôs o conceito de ‘raça ariana’, defendendo a superioridade dos brancos sobre negros, amarelos e semitas. Gobineau classificava como ‘arianos’ os povos nórdicos e germânicos, que para ele representavam o ápice da civilização, sendo responsáveis por todo o progresso da humanidade ao longo da história. As idéias do conde francês tiveram aceitação na Europa da época, em especial entre intelectuais alemães. Na Alemanha do século 20, o conceito foi assimilado pelo Partido Nazista e por seu líder Adolf Hitler, servindo de base para a política de extermínio de judeus e de outros ‘povos não-arianos’.”


O que é a Raça Ariana? Por “Redação Mundo Estranho”, Site Super Interessante ,18/04/2011. Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/historia/o-que-e-a-raca-ariana/ Acesso em: 23 abr. 2017.


Talvez alguns cristãos achem que somos uma espécie de “Raça Ariana”, e que somos superiores aos demais pecadores. Mas não é isto o que a Bíblia ensina. Tiago (4.6) alerta para o fato de que “[...] Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes”. O apóstolo Pedro, em sua primeira carta (5.5), também faz um apelo à humildade: “[...] outrossim, no trato de uns com os outros, cingi-vos todos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, contudo, aos humildes concede a sua graça”. Portanto não devemos, nunca, nos jugarmos melhores do que ninguém, se quisermos estar entre aqueles que recebem a graça de Deus, a qual Cornélio, tendo sido julgado aceitável, humildemente recebeu.


Conclusão


Você tem o desejo de ser aceitável no seu grupo de relacionamento? E quanto a Deus, você se considera aceitável para ele? Ser aceitável não significa ser, necessariamente, aceito. Cornélio podia ser aceitável, mas um anjo lhe foi enviado, para avisar que chamasse Simão Pedro, para que ouvisse a mensagem do evangelho, para que, crendo, fosse finalmente aceito por Deus. Você já foi aceito por Deus? Pode ser que você não tenha sido piedoso em sua vida, como deveria; não tenha sido fiel em ler a Bíblia e orar, ou não tenha se tornado aceitável por meio da humildade, reconhecendo que é um pecador, arrependendo-se e convertendo-se pela fé no evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas hoje pode ser o tempo “sobremodo oportuno”, e o “dia da salvação” (2ª Coríntios 6.2).


Quanto aos que têm consciência de que já foram aceitos por Deus, continuem dignos da vocação a que foram chamados, buscando o que é aceitável para Deus, exercitando a piedade, a fidelidade e a humildade.


(*) Imagem do cabeçalho disponível em: http://www.psicologoroberte.com.br/aceitacao/ Acesso em 19 maio 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.


 

domingo, 21 de abril de 2019

O milagre mais difícil (Atos 9.32-43)

 

Quem é que não gostaria de presenciar algum milagre? Às vezes o anseio é tão grande que até mesmo a eventos naturais alguns podem atribuir fenômenos milagrosos, como no caso do incêndio da Catedral de Notre Dame, em Paris.


[...] O edifício, com cerca de 850 anos, foi parcialmente consumido pelas chamas, como foi possível ver com a queda do famoso pináculo que se fazia ver ao longe nos céus da capital francesa. O fogo, que só foi dado como extinto às 9h00 desta terça-feira, 16 de abril, fez o que quis e destruiu tudo o que lhe surgia pela frente, mas, no meio das chamas e de todo aquele inferno, houve um milagre que se fez sentir logo à transmissão das primeiras imagens do interior da catedral. [...] O altar e o crucifixo sobreviveram milagrosamente à invasão das chamas e a toda a onda de destruição que existia à sua volta. Os franceses chegaram já a intitular este acontecimento como «Milagre da Páscoa».


Crucifixo sai intacto no meio das chamas. VIP, 16/04/2019. Disponível em: https://www.vip.pt/crucifixo-sai-intacto-no-meio-das-chamas-milagre-de-pacoa-durante-tragedia-na-notre-dame Acesso em 21 abr. 2019.


O milagre da Páscoa, na verdade, foi e sempre será a ressurreição do Senhor Jesus Cristo, mas pode ser que os franceses estejam parcialmente corretos, já que Deus poderia ter interferido para preservar aquelas relíquias e as vidas humanas no interior da Notre Dame para, quem sabe, dar ao mundo um sopro, mesmo que pequeno, de fé, assim como tem feito muitos milagres continuamente, os quais são constantemente ignorados.


A Bíblia narra muitos milagres. Dentre eles, podemos citar os três que aconteceram neste parágrafo de Atos 9.32-43.


Enéias (Aeneas="laudable" Louvável): O Senhor faz com que os coxos andem direito (32-35)


Passando Pedro por toda parte, desceu também aos santos que habitavam em Lida. Encontrou ali certo homem, chamado Enéias, que havia oito anos jazia de cama, pois era paralítico. Disse-lhe Pedro: Enéias, Jesus Cristo te cura! Levanta-te e arruma o teu leito. Ele, imediatamente, se levantou. Viram-no todos os habitantes de Lida e Sarona, os quais se converteram ao Senhor.


Pedro foi ver como estavam os santos. Enéias, cujo nome significa “louvável”, se encontrava acamado, paralítico, havia oito anos. Pelo tempo decorrido, Enéias pode ter ficado com a impressão de que ficaria assim para sempre. A chegada de Pedro, porém, lhe trouxe boas notícias: “Jesus Cristo te cura”.


Até hoje, passados quase dois mil anos, não se ouve de ocorrências de curas espetaculares como a de Enéias. É verdade que a medicina tem feito conquistas preciosas, entre elas a revolucionária cura de um homem chamado Darek Fidyka, de 40 anos, que


[...] ficou paralisado do peito para baixo após ser esfaqueado várias vezes em 2010 [...]. O tratamento, inédito no mundo, foi realizado por cirurgiões poloneses em colaboração com cientistas em Londres. [...] utilizou células especiais que fazem parte do sentido do olfato (OECs, na sigla em inglês). Elas agem como células de direção, que permitem que as fibras nervosas do sistema olfativo sejam continuamente renovadas. Na primeira de duas operações, os cirurgiões removeram um dos bulbos olfativos do paciente e as células cresceram em cultura. Duas semanas depois, eles transplantaram as células para a medula espinhal, que tinha sido reduzida a uma pequena faixa de tecido, à direita. [...] Fidyka mantém o programa de exercícios que já realizava antes do transplante - cinco horas por dia, cinco dias por semana. Ele notou pela primeira vez que o tratamento havia sido bem sucedido após cerca de três meses, quando sua coxa esquerda começou a desenvolver músculos. Seis meses depois, ele foi capaz de tentar dar seus primeiros passos com a ajuda de barras paralelas, usando muletas e com o apoio de um fisioterapeuta. Dois anos após o tratamento, ele agora pode andar fora do centro de reabilitação utilizando um andador. O neurocirurgião Pawel Tabakow, consultor no Hospital Universitário de Wroclaw, que liderou a equipe de pesquisa polonesa, disse: "É incrível ver como a regeneração da medula espinhal, algo que era considerado impossível por muitos anos, está se tornando uma realidade".


WALSH, Fergus. Homem paralisado volta a andar após transplante de células do nariz. BBC News, 21 de outubro de 2014. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/10/141021_saude_caminha_hb Acesso em 21 abr. 2019.


O milagre operado por meio de Pedro, no entanto, foi tão maravilhoso que Enéias imediatamente se levantou e arrumou o seu leito, perambulou pela cidade, de maneira que todos os habitantes de Lida e Sarona, maravilhados, se converteram. As palavras de Hebreus 12.12 também lhes seriam muito apropriadas naquele momento: “restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos.


Tabita (corça ou gazela): O Senhor dá solução até mesmo para a morte (36-42)


Havia em Jope uma discípula por nome Tabita, nome este que, traduzido, quer dizer Dorcas; era ela notável pelas boas obras e esmolas que fazia. Ora, aconteceu, naqueles dias, que ela adoeceu e veio a morrer; e, depois de a lavarem, puseram-na no cenáculo. Como Lida era perto de Jope, ouvindo os discípulos que Pedro estava ali, enviaram-lhe dois homens que lhe pedissem: Não demores em vir ter conosco. Pedro atendeu e foi com eles. Tendo chegado, conduziram-no para o cenáculo; e todas as viúvas o cercaram, chorando e mostrando-lhe túnicas e vestidos que Dorcas fizera enquanto estava com elas. Mas Pedro, tendo feito sair a todos, pondo-se de joelhos, orou; e, voltando-se para o corpo, disse: Tabita, levanta-te! Ela abriu os olhos e, vendo a Pedro, sentou-se. Ele, dando-lhe a mão, levantou-a; e, chamando os santos, especialmente as viúvas, apresentou-a viva. Isto se tornou conhecido por toda Jope, e muitos creram no Senhor.


Tabita (ou, Dorcas), cujo nome significa “gazela”, símbolo de beleza e delicadeza, foi acometida de uma doença grave, e acabou falecendo. Como será que Tabita estava se sentindo nos últimos dias antes de sua morte? Como estavam se sentindo as pessoas, especialmente as viúvas que ela ajudava? Se fosse como hoje em dia, haveriam correntes de oração por aquela serva de Deus, muitas mensagens de consolo e de encorajamento, muitas “profecias” dizendo que ela iria sair dessa, pois “Deus está no controle”. Mas, no começo, parece que as orações não estavam sendo ouvidas. Pode ser que, de tanto pedir, e ver que a doença não regredia, muitos foram se conformando com a possibilidade de ficar sem a benfeitora.


Somente Deus tem poder sobre a vida, mas permite alguma flexibilidade em seus limites, de forma que, conforme a medicina vai avançando, o homem tem conseguido adiar e, em alguns casos, até reverter temporariamente a morte, como no caso da parada cardíaca, que


[...] ainda é, na maioria das vezes, fatal. Duas das decisões mais desafiadoras na ressuscitação cardíaca são quanto a manter os esforços de ressuscitação e quanto a interromper esforços inúteis. A aceitação e a implementação da ordem formal de não ressuscitar, fez deste um dilema de fim de vida menos frequente. Quando estas decisões devem ser tomadas durante o atendimento, elas devem ser baseadas em fatores não específicos do paciente (o estado pré-parada cardíaca do paciente), no grau de percepção da equipe de quando não é mais possível continuar os esforços de ressuscitação e na obrigação moral de preservar a dignidade humana.


Pozner CN, Martindale JL, Geyer BC. Cardicac Ressuscitation. ACP Medicine. 2012. Tradução: Keli Cristina Polese.Disponível em: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/acp-medicine/6372/ressuscitacao_cardiaca.htm Acesso em 21 abr. 2019.


A morte de Dorcas, para alguns, pode ter sido o final da esperança. Mas outros, seguindo o exemplo de Abraão, “esperando contra a esperança” (Rm 4.18), mandaram chamar Pedro, pois talvez pudesse fazer alguma coisa. E fez. A ordem de ressuscitá-la veio de Deus, por meio de resposta à consulta do apóstolo, em oração. A notícia do feito extraordinário levou à conversão de muita gente, na cidade de Jope.


Duas perguntas poderiam surgir em meio a este espetacular acontecimento: por que Deus ouviu a oração de Pedro, ressuscitando a Tabita, apesar de não ter ouvido a oração das viúvas anteriormente? Ou será que a presença de Pedro, como instrumento de Deus para operar o milagre da ressurreição, foi justamente a resposta à oração delas?


Simão, o curtidor (ouvido, atendido): O Senhor faz diluir preconceitos (43)


“Pedro ficou em Jope muitos dias, em casa de um curtidor chamado Simão”.


Simão, o curtidor, cujo nome significa “ouvido, atendido”, fazia o seu humilde, difícil e, para muitos, repugnante trabalho, mas teve a honra de hospedar o apóstolo Pedro em sua casa.


Simão não estava doente. Seu trabalho era a sua cruz, visto que sua profissão era alvo de muitos preconceitos. Por isso, podemos dizer que foi um milagre do cristianismo o fato de Pedro ter aceitado se hospedar na casa de um curtidor. O trabalho do curtidor se dá em várias etapas, conforme nos instrui alguns sites na Internet:


Salga: Processo este que permite ao couro ser transportado e armazenado por vários dias, já que a vida útil do couro após a esfola é de apenas 6 horas.


Remolho: Este processo permite a retirada do sal, utilizado para a conserva e inicia-se o primeiro passo para a transformação de pele em couro.


Depilação: Nesta etapa utiliza-se o enxofre em sua forma de sulfeto de sódio para dissolver os pelos, compostos quase totalmente por queratina, substância esta que é atacada pelo enxofre.


Caleiro: Este é o momento onde se adiciona cal hidratada para provocar o intumescimento das peles, a fim de promover a limpeza entre as fibras, permitindo que os próximos processos tenham maior eficácia.


Desencalagem: Após obter a limpeza entre fibras, retira-se esta cal, e inicia-se a acidificação das mesmas para então se iniciar o processo de curtimento.


Neste momento utiliza-se também alguns tipos de enzimas para auxiliar neste processo de retirados de substâncias que resistiram ao caleiro, a este processo damos o nome de PURGA.


Acidificação e Curtimento: Neste momento, fornecemos aos couros uma quantidade de ácidos inorgânicos para que possamos acertar o pH destas peles e então inicia-se o processo de curtimento que é a oferta de tanantes minerais (cromo, alumínio, titânio, zircónio etc...) ou vegetais ricos em taninos (casca de angico, barbatimão, castanheira, quebracho, mimosa, acácia, mirabolano, gambier etc).


Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Curtume?oldid=44545654 Acesso em: 29 mar. 2017.


Este ofício consistia em tratar a pele dos animais mortos com um tipo de pasta de visgo. Em seguida eram enrolados e ficavam assim até que os pelos se soltassem. Após essa etapa, retirava-se qualquer carne e gordura ainda existente para então se mergulhar a pele em uma solução de visto e sumagre.


Disponível em: http://www.insejecrib.com.br/estudos-biblicos/5a-licao-simao-o-curtidor/2 Acesso em: 29 mar. 2017.


O processo comum de curtir consistia em lavar as peles em água corrente e deixá-las, em seguida, durante vários dias, em banhos envelhecidos de água de cal, operação prévia da descabelagem. Depois de tratadas pela cal e depiladas, as peles eram novamente lavadas e mergulhadas num banho tanante obtido pela maceração de cascas de carvalho, folhas de sumagre, raízes, caules, etc. Nesse banho se curtiam, na longa permanência que durava mêses. Secavam-se, depois, ao ar e, por fim, engorduravam-se com óleos e sebo, tornando-se impermeáveis e flexíveis.


AMADO , António Peres Correia. A industria de curtumes: Evolução e Aspectos Químicos P. 210. Revista Portuguesa de Química, vol. I, Lisboa, 1958 Disponível em: http://www.spq.pt/magazines/RPQ/225/article/332/pdf Acesso em: 29 mar. 2017.


Como se pode imaginar pela descrição acima, quem tinha a profissão de curtidor provavelmente incomodava muito seus vizinhos com o forte odor, tanto do couro e dos resíduos a serem tratados, como dos produtos químicos utilizados no processo. Quanto aos judeus, o incômodo era ainda maior, visto que tinham uma preocupação adicional quanto à pureza cerimonial, imposta em sua lei.


Será que as pessoas da igreja, de maneira semelhante, têm em seus corações repulsas, não só de profissionais que fazem trabalhos sujos, mas também de quem não vem regularmente aos cultos, de quem se veste de determinadas maneiras, de quem pertence a essa ou aquela classe social, que vem de família nobre ou mora num bairro de má fama? Esse tipo de repulsa nós chamamos de preconceito.


Antigamente, achávamos normal termos conceitos pré-definidos a respeito de certos temas e de pessoas, mas de uns tempos para cá, o preconceito tornou-se um termo proibitivo. Apropriando-se dessa nova tendência, em alta posição na lista dos que sofrem preconceito, estão os homossexuais. Como é que nós, cristãos, devemos tratar esse assunto tão delicado? O homossexualismo é pecado, disso não temos dúvidas, mas como devemos ajudar os homens efeminados e as mulheres masculinizadas que porventura se convertem e vêm fazer parte de nossa comunidade? Como vamos conviver de modo natural com os seus trejeitos, os quais poderão, muito bem, estar presentes, mesmo que tenham abandonado o pecado do sexo ilícito? Cada vez que um homem ou mulher se expressar de um jeito peculiar, ou fizer atividades que classificamos como sendo do sexo oposto, isso será para nós uma tentação para tratar o irmão ou a irmã com desprezo e desconfiança.


Uma vez, um jovem crente, convertido do homossexualismo, empolgado com a vida cristã, movido pelas pregações emotivas que ouvia na igreja, decidiu se entregar a Deus para o ministério de tempo integral. Pediu demissão do trabalho e reuniu dinheiro suficiente para pagar seus próprios estudos num seminário bíblico. Para se matricular, porém, precisava do apoio expresso, por escrito, de sua igreja. A igreja ficou então dividida em suas opiniões. Alguns achavam que não era bom, que o rapaz seria tentado e, ao mesmo tempo, seria uma tentação aos demais alunos com quem deveria conviver intimamente nas salas de aula, nas atividades estudantis e nos alojamentos durante, pelo menos, quatro anos. Outros achavam que a igreja devia dar-lhe todo o apoio pois, afinal, ele se convertera, e nada o desabonava em sua conduta, tendo demonstrado fidelidade na assistência aos cultos e no serviço cristão desde sua conversão até aquele momento. Se Deus tinha transformado sua vida, se é verdade que, ao confessarmos os nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar e nos purificar de toda injustiça (1 João 1.9), então porque deveria a igreja tratar um convertido do homossexualismo de forma diferente de um convertido da promiscuidade, do adultério, da idolatria?


O debate na igreja não aconteceu abertamente, mas ficou implícito na atitude discrepante dos líderes, por quem o jovem foi aconselhado sobre sua importante decisão. Aconteceu que, repentinamente e inexplicavelmente, ele desistiu do seminário. Desistiu também da igreja e da vida cristã. Numa noite, após o culto, chamou o pastor para uma conversa particular e disse que havia decidido voltar à sua vida anterior de pecado, e por isso achou justo fazer essa comunicação e entregar sua carta de demissão à igreja.


Que sentimentos deveriam afluir desse acontecimento? Sentimento de alívio porque o seminário ficou livre de um aluno problemático? Sentimento de pesar porque a igreja perdeu um jovem promissor, cujo testemunho de conversão havia rendido, por breve tempo, muitas glórias a Deus? Sentimento de culpa porque não tratou devidamente de uma questão de preconceito, que levou um pequenino a tropeçar na fé? Deus há de revelar, no dia do juízo, que tipo de sentimento esse acontecimento deveria gerar na igreja, mas é fato que todos eles, e outros mais, foram gerados.


Conclusão


Vimos, neste parágrafo de Atos, que Pedro foi protagonista na realização de três grandes milagres, dois dos quais eu e você, provavelmente, nunca iremos operar em toda a nossa vida. Mas, se pudéssemos classificar milagres pelo seu nível de dificuldade, deveríamos colocar o milagre de se desvencilhar de preconceitos maliciosos e nocivos como o mais difícil de todos, visto que depende muito mais da fé daquele que Deus escolhe para ser o seu protagonista.


Este milagre, porém, é o mínimo que se espera ver em cada um de nós. Jesus disse em João 13.35: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros”. Pouco depois, em João 14.12, também falou: “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai”. Deus nos deu poder, ao descer sobre nós o Espírito Santo (Atos 1.8), poder de não nos conformarmos com esse século, mas de nos transformarmos pela renovação de nossa mente (Romanos 12.2).


(*) Imagem no cabeçalho disponível em: https://br.sputniknews.com/europa/2019041813710623-notre-dame-causas-incendio/ Acesso em 21 abr. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.

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terça-feira, 26 de março de 2019

Planos frustrados (Atos 9.23-31)

Muitas pessoas, que se tornaram famosas por seu grande sucesso, passaram antes por rejeições, ou tiveram grandes fracassos. Além de muitos personagens bíblicos, podemos citar Thomas Edison, Bill Gates, Albert Einstein, Henry Ford, entre outros. Este último já teve duas empresas fracassadas, antes da criação da Ford Motor Company, e até mesmo nos anos finais de sua vida não foi isento de fracassos, inclusive de um investimento milionário feito na Amazônia brasileira, a Fordlândia.


A história não foi diferente com o novato apóstolo Saulo. Este parágrafo de Atos 9.23-31 nos apresenta o que parece ser uma sequência de planos frustrados daquele que se tornaria o maior evangelizador do mundo. Antes do sucesso, porém, era preciso que Saulo se ajustasse aos planos de Deus, pela fé. Vamos falar um pouco sobre os planos frustrados de Saulo, em contraste com os planos do Senhor.


Projeto Damasco (23-25)


"Decorridos muitos dias, os judeus deliberaram entre si tirar-lhe a vida; porém o plano deles chegou ao conhecimento de Saulo. Dia e noite guardavam também as portas, para o matarem. Mas os seus discípulos tomaram-no de noite e, colocando-o num cesto, desceram-no pela muralha".


Parece que Saulo decidiu começar, o quanto antes, seu mistério de pregação, mas seu ministério não “deslanchava”. Talvez tivesse a intenção de converter Damasco, e por isso pregava com tanta eloquência, que confundia os judeus, demonstrando que Jesus era o Cristo.


Um jovem de nossa igreja, há muito tempo atrás, ficou encantado com um projeto de evangelização numa grande favela em São Paulo. Seu alvo era ganhar 300 mil almas para Cristo. Nosso pastor, mais experiente, tentou dissuadi-lo, vaticinando que esse projeto, da maneira como planejava executar, em vez de glorificar a Deus, iria afastá-lo da Igreja, uma vez que, indo morar em São Paulo, perderia o vínculo com a congregação, onde ainda estava sendo treinado como obreiro. Argumentou que, se estava pronto para evangelizar na favela, por que não evangelizava seus vizinhos, sua casa, seus colegas de trabalho? Recebeu como resposta um versículo que diz: “[...] Não há profeta sem honra, senão na sua terra, entre os seus parentes e na sua casa” (Marcos 6.4). O velho pastor, então, retrucou: “quem disse que você é um profeta, para poder aplicar este versículo para si”? Não obstante, o jovem, encantado, se foi, seguindo seus planos. Dos 300 mil convertidos, porém, nunca mais ouvimos falar.


Saulo nunca chegou a estabelecer uma igreja em Damasco, como fez em outras regiões mais tarde, no tempo determinado por Deus. Em vez disso, a situação ficou tão insustentável, que teve que elaborar um “plano B”, desta vez para fugir da cidade fortemente vigiada. E para isso contou humildemente com a ajuda dos demais discípulos, que o desceram dentro de um cesto, pelas altas muralhas.


Projeto Jerusalém (26,27)


"Tendo chegado a Jerusalém, procurou juntar-se com os discípulos; todos, porém, o temiam, não acreditando que ele fosse discípulo. Mas Barnabé, tomando-o consigo, levou-o aos apóstolos; e contou-lhes como ele vira o Senhor no caminho, e que este lhe falara, e como em Damasco pregara ousadamente em nome de Jesus".


Saulo quis ajuntar-se com os discípulos em Jerusalém, mas não acreditaram nele. Precisou da intervenção de Barnabé para ter acesso aos apóstolos, mesmo assim, só conseguiu falar com Pedro e com Tiago, conforme Gálatas 1.18,19. Qual seria agora o plano de Saulo? Será que planejava se estabelecer em Jerusalém, fortalecendo a base dos apóstolos, para dar apoio aos demais missionários?


Uma vez li sobre uma estratégia de missões, em que procuravam apoiar o envio de brasileiros para países como o Iraque, onde americanos eram muito rejeitados pelo povo, mas brasileiros eram bem-vindos, e podiam assim ser mais eficientes na evangelização. Será que uma coisa semelhante passou pela cabeça de Saulo? Já que era muito visado e não podia pregar livremente sem que os judeus o perseguissem, poderia ficar em Jerusalém e treinar outros que tivessem maior acesso entre o povo, e menor expressão pública. Se tinha um plano assim, é certo que não vingaria, pois não poderia contar com o apoio da maioria dos discípulos de Jerusalém, os quais nem acreditavam que ele fosse, de fato, discípulo.


Projeto helenistas (28-30)


"Estava com eles em Jerusalém, entrando e saindo, pregando ousadamente em nome do Senhor. Falava e discutia com os helenistas; mas eles procuravam tirar-lhe a vida. Tendo, porém, isto chegado ao conhecimento dos irmãos, levaram-no até Cesaréia e dali o enviaram para Tarso".


Persistindo ainda em seu ministério, direcionou seus esforços para evangelizar os helenistas, um grupo de judeus menos conservadores, que falavam a língua grega e não eram tão rigorosos quanto às tradições, como eram os fariseus. Esse plano podia parecer bem razoável, visto que Saulo podia compreender muito bem o seu modo de pensar, já que nascera em meio aos judeus da Cilícia, onde a maioria era simpática à cultura grega. Podia até ser um plano bem pensado, mas, o principal resultado foi a deportação para sua terra natal, para o bem de sua segurança.


Os planos do Senhor (31)


"A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número".


Os planos do Senhor, porém, não podem ser frustrados. Ele tinha planos de que a igreja tivesse paz, e que se edificasse, caminhasse no temor do Senhor e, no conforto do Espírito Santo, crescesse em número.


Pode ser que Saulo, até aquele momento, estivesse ainda trabalhando no seu próprio entendimento, como Sara e Abraão, que “ajudaram Deus” com o “projeto Hagar” (Gênesis 16.1,2), ou como Rebeca e Jacó, com seu “projeto primogenitura” (Gênesis 25.23; 27.5-10), ou ainda como os apóstolos, no “projeto décimo segundo” (Atos 1.15-26). Saulo bem poderia ter seu próprio projeto de evangelização, que não estava dando certo, mas talvez não imaginasse que tudo fazia parte do plano de Deus, que já estava, sim, em todas aquelas dificuldades, realizando os seus propósitos.


Imagino que Saulo era um jovem que gostava de ser independente, que era bem seguro de si, consciente de sua inteligência, superior aos demais de sua idade (Gálatas 1.14). Devia ser cheio de ideias, de críticas ao sistema vigente. Agora, que era um cristão, e apóstolo recrutado diretamente pelo Cristo ressuscitado, poderia fazer, da maneira certa, o trabalho do apostolado, de modo que frutificasse sobremaneira. Mas o Senhor tem uma maneira especial de trabalhar com os seus servos, de conduzi-los amorosamente à humildade e à simplicidade, para que a glória nunca seja do “vaso de barro”, mas de Deus (2Co 4.7). Saulo podia pensar que já estava maduro para o ministério, mas não. “Muitos propósitos há no coração do homem, mas o desígnio do SENHOR permanecerá” (Provérbios 19:21). 


(*) Imagem do cabeçalho disponível em: https://www.heliopeixoto.com/planos-de-deus-nao-podem-ser-frustrados/#.XJocwPdKiUk Acesso em 26 mar. 2019.


(**) citações da Bíblia extraídas de: A Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada 2ªed. 1988, 1993. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1280p.